13.4.10

mulheres de atenas.

A luz, que ofuscava os olhos marejados, apaga-se. É um quarto bonito, cheio de pequenas porções de vida: a bailarina que dança dentro da caixinha de música, os garotos de porcelana que sorriem, a foto do casal amável no porta-retrato sobre a mesa de canto, a frágil Stela que inunda o travesseiro com suas lágrimas. No breu calado da noite, as cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as poucas nuvens brincam de se entrelaçar.

- Calem-se! Morram, cigarras! Morram! Me deixem só! - grita a mulher; as palavras, porém, saem misturadas aos soluços histéricos de seu choro, criando uivos melancólicos.

O quarto ecoa todos os seus sons e, ao longe, quando colidem e tornam-se apenas uma harmonia, Afrodite toca lira e banha-se nua numa cachoeira límpida. Em seus olhos azuis reside uma tristeza profunda: a morte de um semi-deus amado. Sua voz soprana encanta todos os animais da floresta, juntos sobre pedras para escutá-la.

As pequenas cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as lindas nuvens de verão brincam de formar corpos entrelaçados.

- Cantem! Cantem, cigarras! Cantem! Não me deixem só! - Afrodite chora e seus soluços tão solenes são poesia no vento.

A deusa compõe o seu minueto mais bonito, enquanto dois cortejos voltam para suas casas em outras estradas: um em São Paulo, outro no Monte Olimpo. O semi-deus trajando vestes de guerra está sepultado em cova rasa; o marido de Stela, vestindo seu terno mais bonito, em cova cara e de família.

A viúva, neste planeta de injustiças, não sabe tocar lira, nem flauta, nem piano, muito menos harpa. Não sabe cantar, tem vergonha de falar em público, não gosta de estar rodeada de conhecidos. Sozinha, no escuro de sua casa, dilacera sua alma em gritos e frases de amor. Os animais da floresta, porém, não vêm para abraçá-la. Só as cigarras cantam.

Ah, as cigarras sempre cantam!

- Calem-se!
- Cantem!
- Me deixem só!
- Não me deixem só!
- Por favor,
- Eu imploro:
- Volta, Hélio!
- Volta, Aquiles!
- A vida,
- Sozinha aqui,
- Não tem sentido...
- Não tem sentido...

Elas clamam pela volta dos amados, mas não há regresso. Hades carrega o herói; a noite profunda das pálpebras, o homem de negócios. Elas clamam e rasgam a mansidão da madrugada fria; ouve-se apenas o silêncio de alma partida. O silêncio pesado de quem acredita haver conserto para o erro do destino. Mas não se pode fazer nada, além de derramar lágrimas (muitas, muitas, muitas lágrimas).

A voz suave e melancólica de Afrodite, ao descer para a Terra, difunde-se com outros timbres, inunda o quarto escuro, através da canção amarga que se repete no rádio. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "As jovens viúvas marcadas não fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às suas novenas serenas".

A voz suave e melancólica de Chico Buarque, ao subir para o Monte Olimpo, reparte-se: a metade mais carregada de sentimentos escorre dos olhos de Afrodite. O restante torna-se palavras de consolo proferidas por Zeus. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "Quando fustigadas não choram, se ajoelham, pedem, imploram mais duras penas - cadenas". A sua voz rouca machuca mais do que acalenta.

Faz doze anos que, por causa da carreira acadêmica, Stela saiu da Grécia para estudar no Brasil. Faz cento e trinta e dois meses que, por causa de um amor frenético, Stela casou com Hélio. Faz vinte e três horas que, por causa de um acidente terrível, Stela perdeu vontade em viver.

Agora, as suas lágrimas inundam o travesseiro e o sangue de seus pulsos, todo o mundo com sua cor vibrante. Seria demais suportar uma existência solitária, não estava preparada para ser viúva, para deixar partir o homem amado de sua vida. Há vertigem na morte, mas há conforto; há um turbilhão de cores e sentimentos que só ela pode sentir. Deixar a vida é tão incerto quanto vivê-la.

As cigarras param de cantar. Os soluços histéricos cessam. O corpo parece imerso em neve.

- Cantem, cigarras... cantem... não me deixem só...

Depois de tanto, Stela está voltando para Atenas e irá deitar-se no colo amigável de Afrodite. As duas, mãos dadas e sorrisos graciosos, irão compartilhar suas desilusões amorosas. Quando cansadas do passado, amarão outros titãs. Se entediadas, tocarão minuetos lindos para mulheres desesperadas. Na Terra, porém, haverá sempre uma canção em choro de cigarra, tragédias gregas e um conselho a ser ouvido: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.

Um comentário:

Clara disse...

Você é um gênio, garoto!