19.2.09

ausência.

ausência:
não tenho certeza se é assim
que se escreve.

certeza, porém, tenho que
é assim que se sente:
aos poucos, tomando um porre
de desilusões e pedindo
que o céu caia sobre nossa cabeça.

agora, sobra só o outro lado da cama,
vazio e gelado - esperando o seu corpo,
a sua calma, o seu cheiro.
esperando... então adormece sozinho
(assim como eu).

saudade, isso sim está comigo sempre.
preenchendo as falhas,
tapando buracos e buracos que
abro na alma enquanto chovo.

e chover é meu único ofício
desde que você foi embora.

ausência.
e o eco suspenso no ar,
quente, preso nos soluços
de minha solidão.

solidão é deixar a porta aberta,
a chave debaixo do tapete,
o portão encostado.
solidão é rezar todas as noites,
esperando que alguém chegue.

mas não chega, nunca.

então.

se você puder, venha me visitar
(aos domingos e podemos contar
segredos ao pé do ouvido).

se você puder, por favor, venha
esquentar o seu lado da cama e
me ajudar a circular classificados
de emprego no jornal.

se você puder.
porque eu,
sem você,
já não posso mais.

9.2.09

à morena.

Esse samba, morena,
que lhe dedico,
não tem cuíca ou tamborim.

É samba construido
com voz ferida e
todo amor de dentro de mim.

Samba de verdade,
Compus morrendo de vontade
de jogar a solidão no mar.

por isso não é de repique ou pandeiro.

É samba de sentimento,
que vive no peito faceiro:
solidão de quem não sabe sambar.

8.2.09

no limbo dos dias.

alegria é isso que bate
no coração da gente,
estoura em mil fagulhas
e se refaz rapidamente.

sensação que aparece no
limbo do dia e vai embora
suavemente entre o
prelúdio das horas.

alegria é plenitude,
alcance máximo da alma;
dissimulação perfeita
para a realidade.

choro de olhos abertos,
desejo que precede o riso,
esperança na beirada da vida.

alegria é a semente secreta
que adormece no colo da gente,
bem quieta, esperando a
hora certa de aparecer.

6.2.09

inocentemente tempo.

estou de mal com o tempo:
enquanto ele passar correndo,
sem parar um pouco para
me tirar o chapéu,

deixo que os dias venham
e, só de sacanagem,
vivo mais intensamente.

5.2.09

faroletes, vão.

sobre a mesa de canto,
ao lado do sofá,
entre a parede e
o vão-espaço da sala,
olhando para todos os rostos,

dorme calmamente um retrato
(de uma mãe feliz que olha
para um filho feliz que olha
para um pai feliz que olha
para o infinito da lente fotográfica).

presos à eternidade do papel:
o que eram antes e nunca
deixarão de ser.
errantes continuamente
dia a dia.

como farol que acende em
todas as noites e, mesmo sem
saber o porquê, permanece
iluminando as rotas difusas
de todos os navios,
de todos os mares,
de todas as sereias,
de todas as ilusões...

ilusões passageiras,
que consomem o corpo e
permanecem impregnadas
na pela, no gosto, no gesto.

a certeza de que não há
como ficar sozinho,
quieto no escuro,
longe, muito além, do
mundo das incertezas.

vontades quentes,
rostos frios,
uma fenda profunda
para dentro da alma.

ilusões, todas elas,
despejadas aos montes
sobre areial

da vida, da praia.

onde as ondas que,
às vezes, quebram,
podem levar para
outros continentes
toda a solidão.

um retrato.
e, ao redor,
um oceano
por inteiro.