28.12.09

serenata de um.

vai! e leva embora
a solidão do amor,
a completude da dor.
o riso na partida,
o medo de voltar.

vai! e não esqueça nada,
e vire a página do avesso
(pronta pro novo começo)

começo que pintei há tanto tempo.

o que é velho e persistir
(retrato ainda meu)
porém que continue velho.

o gosto da vida é bom
quanto mais sofrida sua safra.

que minha safra
apodreça cantando
sonhos de ninar.

que não me apareça
crianças pedindo pra
recomeçar.

não quero o velho
moldado de novo,
não quero o antes
recortado em futuro.

quero o som da novidade
mesclado ao passo
mais surdo e mudo
e cego e tudo e tudo
do velho e bom eu.

completude em mim.

verso de sereneta.
verso inverso invero.
verso de mim mesmo
verso de cantar, pintor.

que comece a pintar
por cima.
deixa ver as bordas
coloridas.
deixa ser as bordas
da vida.
que leve embora!
vai! mas não volta.
leva o que tem que
partir - só o que tem
que partir.

 enfim.

15.12.09

azulado.

lá onde o céu toca
as bordas do oceano
e as pessoas chamam
de linha do horizonte

eu vejo o infinito beijar
seu anti-oposto com carinho,
com saudade - perdidos
no relógio nosso.

cheios de seu próprio tempo,
aproveitando o desejar sincero
de amantes tão velhos como
o sempre.

cheios de querer se amar,
se completam e se possuem
num azul sereno de paz.

apoética.

saudade é querer,
um querer estar
despreenchido.

uma decisão de
quem sabe que
esquecer dói

e que lembrar
também.

ausência
(de toda forma)
é anagrama
de martírio.

saudade é
uma opção de
quem prefere
suportar toda
a lembrança
impassageira

a entregar ao
vento noturno
o perfume doce
das camisetas
suadas de amor.

11.12.09

maniqueísmo.

vi fender na pedra
sólida e imaleável
de seu rosto um
sorrir discreto.

forte e sensível.

talvez uma alma
moldada em puro
concreto tenha
amolecido com o
chover secreto
do tempo.

talvez uma vida
nasceu em flor:

veja luz,
viderva daninha!

9.12.09

porcentagem.

vou lhe contar como são
as meninas de niterói,
da lapa ou do guanabara,
seja lá de onde for!

por que as meninas do rio
são todas iguais às paulistas,
às novaiorquinas,às alemãs:

numa sociedade-em-lata
chorando um amor alheio,
cantando um querer qualquer,
buscando o intangível na
palavra ocre de um bem-me-quer.

vende-se novo sentimentalismo,
quem compra?

8.12.09

desse jeito.

ao caminhar, não olhe para o alto:
há sempre andorinhas migrando.
não olhe para frente:
há sempre alguém que lhe sorria.
mas olhe para baixo:
onde pisamos é o que somos.

por vezes não pisamos em nada.
por vezes pisamos em gente.

não se distraia.

15.11.09

a vida segundo E.J.

ontem nasceu uma estrela.
sem nenhum alarde: mas nasceu.
veio sublime fazer parte do
céu bordado das noites,
veio pulsar seu fogo sobre nós.

ontem nasceu uma estrela.
um dia alguém a notará,
perceberá o seu desenho,
lhe dará um nome.

fará uma festa linda
à estrela que nasceu sozinha.

uma estrela sobre o círculo polar,
contemplando a solitária brancura
do pálido planeta azul.

e essa estrela ficará muda
frente a volta do sol,
a morte de suas vizinhas:
ninguém lhe ensinou sentimentar-se.

a estrela permanecerá estrela,
sem evoluir, sem guerra,
sem jurar pelo nome de santos.
vai ser estrela a estrelar o céu
com sua infeliz existência;
vai observar o correr de continentes,
o viajar de nuvens:
ninguém lhe ensinou bailar-se.

não vai entender de coisa alguma,
nem de política, nem do clima,
nem dos homens lá embaixo.
por que a estrela nasceu sozinha,
no meio de tanto acender de vidas,
pra ser a poesia dos trovadores
e o desencontro dos rômanticos.

vá, estrela bizantina,
vá compor o seu soneto:
mosaico do infinito.

9.11.09

mulher,

te amo.

pra você,
descomponho a gramática.
dane-se o formalismo!

te amo na segunda pessoa.
na terceira, na quarta,
na décima primeira pessoa.

te amo com essas letras,
sem assonância,
sem dissonância,

na poesia do estralhar
dos lábios: amor.

te amo simples.
te amo forte. e só.

te amo.

4.11.09

avenida.

Os cabelos descadarçados,
Os cadarços desamarrados:

assim seguia.

Sem medo, como um itinerante,
Um nômade de sorrir vazio,
procurando no branco-cinza
de andorinhas da calçada
um refúgio.

Assim seguia.

Voz a sereiar canções
em tom de melancolia,
de sussurro vespertino
ao cair do mais bonito sol.
Sem medo, como um itinerante,
um canceioneiro cheio de impoesias,
chutava pedras e brilhava ao poente.

Assim seguia?

Quem segue, procura aonde ir.
Ele não tinha colo, sem apego,
sem afago, sem desejo.
Com certeza, apoético em
métrica ritmada:
sempre o mesmo balançar
de pernas e cair de olhos,
sem medo, como um itinerante.
Um viúvo de sorrisos? quem sabe.
Dos sorrisos dos outros há sempre fartura.
Sorrir caleja,
Sorrir em meio ao pó de esquinas.

Assim seguia!

E segue e sofre e pede e chora
e grita e ri esse menino-êxodo,
retirante em si mesmo,
agricultor de odes, colhedor de ódio,
catador de estrelas, de joãos e de marias.
O itinerante de cabelos descadarçados.

28.10.09

quadra de amante.

como uma bailarina lapida
seu querer - diamante.
como uma acrobata evita
meu querer de amante.

27.10.09

tejo que me inunda.

cores que levam cores,
que levam flores,
que levam amores.
cores que banham corpos,
que enchem copos,
que carregam almas
e seguem cortejos.

cores que nunca morrem.

quem me dera ser cor
para banhar seus olhos
de tempestade fria:
negros, opacos, lindos.

escrevo no tejo de desabores
as cores do meu bem-querer.

cores que levam, que inundam.

azul branco onda e mar...

branco mar azul e onda...
mar onda branco e azul...
onda mar azul e branco...
azul branco onda e mar...

levem-me.

quem sou eu pra me lavar
das cores que vem pra me lavrar?

mar... mar... onda... mar...
infinito

19.10.09

quadra da tragédia.

ódio, fere quem me estende
o amor que segue a palma
e apunhala quem me prende
do outro lado da alma.

13.10.09

épico.

pintei o sol
e colhi estrelas
na garoa.

queimei a lira da
poeisa e amei
o mundo.

criei a vida
e dei aos porcos
pérolas.

depois de tudo
inventei o riso
da espera.

que venha o
vento que me encerra!

6.10.09

quadra da fuga.

escrevo como um desafogar.
como um despreencher de mim.
escrevo para me aliterar
e ver surgir a música do fim.

5.10.09

metamorfose.

e não me deixo encasular,
pois meu casulo é estar
cá fora.

a ver esquinas cheias
de pessoas mortas:
vale a existência apoética?

metamórfa vida que levo,
deixa estampados versos
onde há muros de silêncio.

30.9.09

conhecimento.

Este é tempo de partida,
(sempre foi e sempre será!)
Tempo de meninos partidos,
De poetas partidos,
De amigos partidos,

Mas não de você.

Parte que minha aurora
É partida

E em vão corro os olhos
Nos nossos volumes,
Nas cores cavadas,
Na desinciclopédia.

Parte que eu preciso esquecer.

Cultivo apenas lírios na pedra
e vejo brotar esperanças no
pó perdido das ruas.

Parte com os sonhos queridos,
Parte com minha parte esquecida,

Pois esperei toda espera que há,
E agora, nem o fôlego, nem o amor.

Deixe que eu canto a tristeza,
Enquanto sua hora sentida parte
sem jeito, sem fogo, sem dor.

24.9.09

dois dedos de prosa.

descobrir reticências e não saber
como preenche-las, dói.
não como um partir de sol
ou saudade aberta em ferida.

dói como furacão, tristeza pura
sem definição de dicionário.

descobrir como mudei.
todos os invernos que começam
neste floco de neve refletindo solidões.

no vulto das folhas,
no vermelho incêndio por
trás do universo branco,
foi lá que mudei.

sem poder ver o mundo
e quantos passos de tragédia
e quantas prosas de comédia
e quantos de mim mesmo
deixei no infinito.

sem poder me encontrar,
mudei.

e me refiz diante do universo
branco e calmo da tarde que
esmorecia no ventaval.

dói saber que as luas foram embora.

quantas primaveras não contei
nesse jardim da vida!
quantas flores já parti ao partir os versos!

descobrir que os olhos no espelho não sorriem
e as marcas no asfalto não correm
e os reflexos não se apagam;
descobrir a nuvem negra que vem na neblina
e a onda que me engole, dói.

dói como só pode doer um passar de horas
vendo quem carrega o sol nos ombros,
enquanto madrugada a dentro faço em mim.

19.9.09

vozes.

Gosto de músicas assim:
Que não dizem, sem obscuridades.
Gosto de músicas nuas, desvendadas.

Gosto do som táctil, fictício,
De pensar na música como
Uma passagem, um portal em mim.
O som que me leva do visível
Ao intocável, o tato pelo avesso,
O toque da voz do mundo.

Gosto do som, só pelo som.
Gosto do vento que sussurra
Na quebrada das ondas.
Do relampejar quieto das minhas calmarias,
Do furacão noturno de um olhar perdido.

Gosto de ouvir e ouvindo
É quando o mundo parece fazer sentido
E me pego criando lógicas;
Ouço uma voz no escuro, um dilema.

Ouço a música simples que há
Quando o dia nasce e a clareira
Se torna a boca do mundo a ressoar
Vozes de andarilhos e poemas de meninos.

Gosto do som quando é sensação, sem precisar ouvir.
Gosto da música-essência que me traduz
Quando traduzir não é repartir em outros versos,
Nem amontoar carismas.

Gosto da tradução que antidiz a mim mesmo
Fácil em sua complexidade.

Gosto do som que toca em mim.

15.9.09

quadra da confissão.

Com qual destes meus rostos
Devo pedir perdão, se todos
Estão manchados da dor de
Procurar não ser perdoado?

11.9.09

tratado de quem sou II.

escrevo porque minha alma pede
e seu lamento é furacão.
escrevo porque meu corpo padece
e meu delírio é solidão.

escrevo ao dobrar esquinas procurando
estrelas nos olhos dos outros.
a miragear a minha história com o
fadiga dos lábios fendidos dos outros.

na realidade esquecida dos outros.

eu canto porque me espantar é
consolar a lástima de seguir vivendo.
eu canto porque o vento implora
pelo meu peito aberto em melodia.

eu canto quando cai o dia no sol
mais morno da poesia.
onde há versos, há nascente.

e quem parte desses olhos
já partiu minha alegria.

5.9.09

canção.

a flor da lapela não
se faz tão bela
quando olhada de perto.

a pétala tão rouge,
desprendida da sépala,
já desafina a melodia
das cores: um pouco
mais vibrante onde
deveria haver um
pouco mais de vida.

no peito aberto do
cancioneiro, o defeito
da pequena flor parece
a pedição de um coração
em chamas, que esqueceu
como traduzir em choro
de viola o seu pesar.

deixa o Luto na flor que
anoitece sozinha e faz
nova canção para ser feliz.

30.8.09

balaios vazios.

talvez não seja fácil
ver a vida pelos olhos
das batedoras de roupa.

caladas e cansadas
do batuque surdo do
algodão nas pedras.

corre a lama entre os
dedos do pé e leva embora
as andanças tristes de
mães em solidão.

e o poeta-conselheiro,
que veio com a esperança
de inundar a terra
com todo mar que há,

cantou ao cardeal mais triste,
em tempos de enfrentar
fuzis com fé,
que aquelas pombas eram
a paz baiana do sertão.

25.8.09

verbo de send.

esta caixa de correio vazia
me cala a esperança.

outro dia, pensava alto
como pipa de criança.
já não sei mais cancionar
a vida - toda quieta
por essa caixa vazia.
manda tua carta,
sela teu beijo e
diga com que sonhos
eu devo andar.

fantasia.

jaz aqui o soneto
que escrevi quando
o amor resolveu partir.
escreva aqui teu concerto
pra eu cantar com
o coreto de anjos
que me fazem rir.

são anjos que não
me aparecem alados,
tão pouco iluminados.
são anjos como eu e você:
que acordam pra vida
e não sabem morrer.

memorialista.

a revolta é queimar páginas
e páginas de passado;
ver flamejar as odes da juventude
que se estendem em cinzas
de pouco valor sobre as madeiras
de sua velha fundação.
voam na brisa mansa da saudade
a sujar rostos e rotos.

rasga sua alma também e
joga no fogo e deixa queimar
e queimar o cubismo da história.
assim desfazer a arte,
que por toda parte retalha
olhares de poesia e penitência.

banha das cinzas o seu corpo
e faz de novo verso de outro.
poeta, se encontre no fogo
e rima seu futuro:
nascente hoje do eterno
e etéril velar das horas.

vai que o mundo lhe espera:
viver é seu lastimável dom.

bom português.

vá lá, uma dose de amargura
para meu amigo
e uma rodada de poesia
para todos nós.

poesia é menos sóbria
que um gole de insanidade.

entorpece com palavras
o coração cansado de ver
amor onde há apenas
a pura e graciosa solidão.

17.8.09

quadra do viajante.

diga que a tua passagem
é a minha chance de ver
de olhos novos o oceano
verde que me vem levar.

16.8.09

sobre todas as coisas.

com apenas um amor faço canoa,
se a tua pergunta era essa.

se não, colhe minha resposta
e semeia poesia.

cansa ver este mundo cinza.

8.8.09

como faço?

e agora, Carlos?
se até José partiu,
qual será minha
sina de poeta?

sorrir?

post-it.

aprenda, coração, aprenda
a ficar quieto na tempestade.

teu cinismo já me cansa.

tua mentira é ranger de
sapato velho em madeira nova.

aprenda, coração, aprenda
que a mesma brincadeira
mil vezes perde a graça.

amar me farta.

feitiço.

olhe meus olhos, está bem?
consuma a tristeza deles e decifre-me.

mas não, não faça perguntas.

tudo que precisa está aqui,
nos olhos.

você que entende,
decifra-me, Capitu.

e cale-se.

dias e dias.

há dias e retratos.
há retratos de dias lindos
e dias para tirar retratos.

hoje não posso me retratar,
peço desculpas, mas hoje
eu não olho confiantemente
para a minha vida.

nem sei se há lente nova
ou outras cores no cenário.

ah! paisagem que não muda,
cria outros dias de aconchego
para meu coração de retratos.

há dias e retratos.
hoje não queria acordar do
meu belo retrato de sonho.

deixe-me sonhar e ser livre:
sem sorrisos forçados de
um passageiro da vida.

hoje deixo-me nublar até
haver vermelho no céu
ou até as mesmas cores
me levarem a poentes
que ainda não vieram.

nesses dias de retrato
sem moldura, desenho
um sorriso em mim
e passo bem no quieto
esquecimento de alma.

há dias e dias.
há retratos e retratos.
há eu mesmo em certas garoas,
apago o sol e anoiteço.

venha comigo, venha.
vamos retratar as vidas
com olhos de crianças
tomando banho de chuva.

me arrecada o sentimento
e partimos, está bem?

não, nada bem,
mas deixo que chovo
e retrato.

há dias e lágrimas.
há lágrimas e retratos.

há dias em que libertação
é estar vazio e dentro de mim.

7.8.09

ver a Terra se por.

- Amor, aonde vamos hoje?

- Vamos a um lugar que disseram ter uma vista linda.

Os dois, o garoto apaixonado e sua namorada, subiram até o cume da Lua e, quietamente vislumbrados, observaram o planeta que surgia. Seus professores lhe ensinaram que aquele era a Terra, com muita área coberta por água e uma atmosfera para manter seus habitantes vivos. Seus corações, porém, diziam que era a casa de outros amantes, de outros sorrisos, de outros momentos inesquecíveis. Aquele planeta dançando em seus próprio eixo guardava os segredos de muita gente e a essência de muitas almas.

A garota, com a comoção de um espectador de filme triste, deitou sua cabeça no ombro dele e deixou escorrer lágrimas e suspiros, banhando a alma e limpando-a de sentimentos ruins.

Seus professores lhe ensinaram também que aquele planeta seria destruído, caso seus habitantes não mudassem radicalmente suas formas de agir. A voz do coração, novamente, insistia no oposto: não há morte e nem esquecimento para quem viveu intensamente.

E de lá, do cume da Lua, onde o infinito é caminhar, colher estrelas e semear sonhos, o casal percebeu que seus professores não estavam errados, só não queriam fazer poesia: em outros lugares, amam e vivem e sonham e sentem da mesma forma que eles.

6.8.09

bailarina de cristal.

não chora, alice.
pega teu pranto
e faz poesia.

e baila pela vida
como se não
existisse amanhã.

não chora, alice.
a dor não é seu
remédio pra alma.

a dor não é sua
estrada,
nem seu destino.

não, alice, não sofre.
não chora.

mas dança
e sorrir será seu passo.

dança no silêncio
da sua solidão

e será feliz.

5.8.09

aquém-sorte.

[...]

leia nesse silêncio que me encerra
a experiência das mentiras e
o riso de uma vida inteira.

o sopro da voz que cala o amor.

leia-me nesse silêncio
que eu já não posso mais suportá-lo.

4.8.09

água passadas novas.

e o seu retrato
é um oceano
que me inunda.

e eu já não amo
o que há em mim
para me desafogar.

pois
tudo que penso,
tudo que sinto,
tudo que vejo
além dos meus olhos
é a sua silhueta
que vem de noite
aninhar-se no meu travesseiro
e embaralhar minha inconsciência.

a sua foto tão amarelada
já não sai da minha memória.

pois
tudo que espero
tudo que quero
tudo que tento

é dilacerar a saudade,
desfazer o pranto,

e retomar o riso
que faz meu barco
te reencontrar.

3.8.09

marujo.

tire seus sapatos de maturidade
e sinta as ondas balançar.
aproveite o mar enquanto nenhum
navio vem levar suas sombras,
enquanto brincar no cais tem
sabor de saudade e cheiro de ressaca.

venha admirar a chama do farol
e o flamejar de um sonho pirata.

aproveite enquanto a vida é o
soprar de vento leve
e o céu, azul pleno de um sorriso.

escreva nomes na areia,
grite poesias pela metade

e graceje a vida:
plena como o amar de uma criança.

2.8.09

memoriando o amor.

não faço rimas.
não faço redondilhas.
posso até ensaiar,
mas não faço sonetos
inteiros.

minha poesia é
memoriar amores.

e eu nunca memoriei
em rimas ou versos prontos.
poeto por aí e colho olhares
como me aparecem.

depois escrevo:
ao anoitecer do amor,
quando os botões de palavra se abrem.

1.8.09

canários.

há uma parte do caminho
que deve seguir sozinho.

devolva as armaduras,
os amuletos, as cartas,
as música, os corações.

toque a fria derme da vida
com a fria derme da sua alma
e não tenha medo de caminhar.

siga um caminho ou não,
mas vá sozinho a olhar o mundo
e sorrir pra vida.

importante:
não tenha medo de cair do precipício.

vá e arrisque e caia e levante.
só não fique na borda
tateando pedras e pequenas muralhas.

e não ouça apenas os ecos,
procure conhecer sem sombras
e amar sem dedos:

ame junto ou sozinho.
ame o que lhe pedir amor ou
ame quem lhe parece desamado.

ame e arrisque e sonhe.
e tempere a vida com tudo
que brincamos de falar
e esquecemos de fazer.

brinde um novo começo
e parta sozinho para um
momento pleno.

e faça disto uma certeza:
viver é tão encantador
como um assobiar.

enquanto o fôlego lhe
concede um agudo lírico:
vá e sonhe e ame e arrisque

e assobie.

29.7.09

mãos geladas.

acho que a tua ausência
me traz silêncio e leitura
de estrelas ao pé da cama
enquanto espero o sonho,
que não me deixa fugir
da sua lembrança.
acho que a tua ausência
é o que me faz estar longe
de mim.

21.7.09

tratado de quem sou.

eu acredito no amor de cinema,
só acho que não existe.

acho que a paixão pra ser boa,
não precisa acabar em bom final.
a tragédia é tão mais intensa,
poética e memorável que o riso.

acho que o amor sem ódio é
brincadeira de corações partidos:
junta cacos e remodela sentimentos.

acho que não existe amor de cinema,
só que eu acredito.

e passo a vida acreditando que dá pra
se apaixonar por quem rouba o troco,
por quem finge não saber sua existência,
por quem mente pelas costas.

acreditando que perder o sono é
uma boa cruzada pra quem perde o fôlego
ao lhe ver perdida em outros ombros.

acreditando que dá pra ser feliz
longe dos discos melancólicos,
quando alguém lhe ama perdidamente.

acreditando que o amor joga dados
do tamanho do universo pra juntar
casais que não sabem que sorrir sem jeito
é amar perdidamente.

se existe ou não esse amor feliz,
não me conte.
prefiro a ignorância de acreditar
numa mentira
do que o ceticismos de morrer
sozinho.

20.7.09

miragens.

ouço aves e o verso
tão suave que me
trazem para roubar
minha canção.

ou suaves aves
que me trazem
versos roubados
de outra canção.

as aves que me
avoam, descem dos
meus sonhos de
menino pra correr
a estrada dessa
canção que não me
fala nada.

ouço o canto da
maria que vai embora
no meio da fumaça.
maria-fumaça e a bagagem
esquecida do lado de fora:
a partida é sempre a
página mais alva dessa
estrada, dessa canção.

ouço aves a rasgar a
noite tão clara
de estrelas tão caídas.

ou suaves aves que
ecoam uma estrela
tão brilhante no
pensamento.

vai-se embora com
a maria, maria-fumaça.
pega tua bagagem,
tua estrada, tua estrela,
teu canto e teu verso.

pega esse atalho de
dentro da poesia
e segue viagem.

15.7.09

pianíssimo.

ao passar.
fique em silêncio
e olhe a lua.

não faça pedidos,
não crie esperanças.

só olhe
e passe

devagar e pensativo,
a absorver a mágica
do céu iluminado:
onde não há partida
e nem ponto de chegada.

caminhar é colher estrelas
e semear os sonhos.

lá, onde não há infinito,
tudo é belo e a noite,
uma estrada.

não pare; passa.

9.7.09

letreiro.

eu falei de você.
não lembro se
havia um motivo.
sei que falei de
você pra alguém.

nem sei se lhe
conhecia como
eu conheço,
mas concordou
com a cabeça
e passou sorrindo.

eu falei de você.
eu me lembrei.
eu me aproximei.
eu li meus e-mails
pra ter certeza
que você não voltou.

eu olhei pro céu
e desenhei seu nome
com a esponja das
nuvens e dois pincéis
de lágrimas.

eu me apaixonei.
eu me amarrei um
pouco mais na lembrança
do aconchego das suas
palavras tão lentas e lindas.

e, depois, segui.
sorrindo.

passei.
como os dias passam,
como a dor passa,
como a saudade fica.

porque me lembrei
e me completei
e me refiz com o seu
"te amo" que me persegue.

3.7.09

choro de chuva.

não há cores no céu. nem azul, nem verde,
nem marrom dos seus olhos, nem.
não há movimento no céu, dança de sonhos
e moinhos de nuvens: não há nada no céu.

só um clarão muito grande e bem opaco,
que esquece o sol, desfaz o dia.

e chove;

e chove: a escorrer lágrimas pela vida.

28.6.09

o mundo.

o meu colo é pequeno
para seus ombros
tão sonhadores.
não deite-se,
não posso suportar
esse peso do mundo.

sua presença não me
preenche, sua voz
não cala o meu vulto
de dessossego.

deixo que chova.
deixa que chovo

e as lágrimas do mundo
lavam as minhas.
e as minhas mãos não
lavam as suas que
permanecem acariciando
meu rosto.

não posso suportar o
peso, não posso.
não quero colocar no
leme a bandeira
de tempo aberto.

exagero é deixar
o coração vazio
no meio da tempestade.

18.6.09

origami.

dizem que mil tsurus
podem trazer cura.

eu dobrei quantos os
meus dedos puderam
e me pus a esperar.

já nem sei se origami
cura corações.

17.6.09

rádio quebrado.

não lembro mais quando
cheguei a acreditar que
tudo era pra sempre.

a música ainda toca:
sem casa pra voltar.

moro nos seus sonhos
e sonhar é meu caminho.

a música ainda toca
e tanto faz.

vizinhança.

à porta
sob meus pés,
o tapete:
"bem-vindo".

a vizinhança
me observa quieta,
cheia de lembranças
dissonantes:
o gato que mia,
o cachorro que
ronca apertado,
a vida que passa
de casa em casa.

as marcas das
portas,
as janelas
cerradas,
a grama nem
sempre
cortada.

mas os tapetes:
"bem-vindo".

pego o jornal
e não ouço mais nada.

16.6.09

gramática.

1. cáli-se.
calem-se vozes
que calam os calos
de minha voz.
cálice de vozes
que me fartam:
calo e não calejo.
a voz que me
fartava já não
é a mesma:
cálida e calada.

2. pros nomes.
me venderam-lhes.
não eu,
mas o que meus
olhos veem.
não eu,
mas o que em
outros tempos
não era vendível:
palavras.

3. con(uivo)sigo.
se consigo há um
uivo de vento,
deixe as liras quietas,
ouça o verso que
ninguém recita.
somente se consigo há,
consegue ver estrelas
em olhos nublados.

4. há de a ver.
ele a via em cada manhã,
música ouvia em seu coração.
se nele havia amor tão grande,
a ver era coita mais sublime.

5. passo em passo.
faço a solidão dos solados velhos,
dos soldados novos que partem
sem saber por onde voltar.
peço que a porta se feche
enquanto eu passo em passo
pequeno de que não sabe
a dor de esperar.
de que não vive a tristeza
de ficar.

6. aos terceiros.
perguntaram:
és poeta?

"não em segunda,
só em terceira".

perguntaram:
é poeta?

"não em terceira,
só em primeira".

7. à noite, minha.
à noite, não se pára em
certos sonhos para ter
certeza da cegueira.
a noite não separa em
certos sonhos a certeza
de que estou cego.

4.6.09

diálogos comigo.

escrevo lágrimas,
sinto sorrisos.
talvez, não sei,
seja por isso que
ando assim tão
na contramão.

talvez, por isso
esteja tão vivo.

tão pronto para
o impacto desse
feroz e inabitável
sentimento que
me persegue

como tornado,
assola.
como ressaca,
acalma.

escrevo outro verso
e sinto um pouco mais.

3.6.09

tristão.

I: dos números.

já não acho que vale a pena
lutar por tudo isso.

não porquê minha alma
é pequena... não a meço
com metros ou hectares.

julgo-a com newtons,
sinto-a com joules.

e a matemática é
puramente o que preciso:
forte e abstrata como
esse vento de memórias
que me leva aos sonhos.

II: das palavras.

abri uma carta com sua letra,
sua caligrafia no meu nome.

ontem.
eu escutei a sua voz caligrafar
meu nome por onde eu andei.
a carta, entre mãos.

e preces e vozes a rodear meus
passos, entalhando seu traço
no mármore da minha lembrança.

III: de mim.

veja, agora que estou triste,
passo bem.
passo ligeiro por entre o caminho
de pedras, admirando o tempo:
um templo de renascer.
de novo.

paro um pouco e espero
que o trem passe.
na sua velocidade, vejo
meu reflexo se perder
nas janelas e nas cores.

recomeço. de novo.
se o amor vem ao lado,
finjo que a solidão não é
minha sombra.

outra vez.

31.5.09

orla.

eu nunca entendi
por que fui embora.

pra que deixei as
pegadas fundas
na areia,

se a noite era densa
e ninguém podia vê-las.

eu nunca entendi
por que os seus cabelos
voando no vento da despedida
me inebriavam tanto.

as minhas mãos vazias
e os olhos cheios de mágoas:
não, eu nunca entendi.

nem pretendo entender,
a dúvida é a certeza da
minha caminhada.

quando lhe vejo tão longe,
tão aquarelada, lembro-me
de mim mesmo:

quanto preciso seguir
em frente.

o tempo não cura
pequenas desilusões,
somos nós que esquecemos.

o tempo não passa,
somos nós que caminhamos.

27.5.09

um causo invero.

sobre a mesa,

pousa um besouro
espelhado com o
céu roubado sobre si.

quem dera,
além de nuvens
refletisse sonhos.

ainda hoje veria
outros olhos dentro
dos meus.

quando o mundo curvar-se.

construí o meu castelo
na sua ausência.

você veio, olhou e,
com ares de quem
passa maus momentos,
sorriu com o canto
da alma.

eu percebi, olhei e,
com ares de quem
já passou maus momentos,
sorri de alma plena:

a tua lembrança já
não me invade mais.

15.5.09

fuga.

sou um péssimo leitor.

em cada livro,
me transbordo por completo,
me desconfiguro, morro quieto.

das palavras retiro
a minha própria sinfonia.
e adormeço breve no colo
da poesia.

desencanto a beleza
das histórias:
não sofro por Tristão,
não morro com Isolda.

se leio Dirceu,
penso em você.
e Marília já não é
tão bela.

7.5.09

embaraço.

escrevo recolhendo trapos,
retalhando o espaço com
uma porção de cacos de
espelhos embaçados.

a imagem que surge difusa
não me revela os traços
errados do nosso embaraço.

da nossa dança de tatos,
contorcionando fatos,
vejo surgir uma aurora tão limpa
que me cega os olhos por
um segundo breve de ilusão.

e o estilhaço.

de novo ao chão.

escrevo recolhendo cacos,
retorcendo trapos,
desmontando fatos,
repelindo tatos,

à procura cega do reflexo velho
que me traz você.

4.5.09

pausas.

perder é se enganar nas pequenas causas,
acreditar na completude do amor vazio.
perder é se entregar às pequenas pausas,
lançar as esperanças em um mar bravio.

28.4.09

partir inteiro.

eu só quero não sofrer,
por mais que a lógica
humana ache isso uma
tremenda idiotice.

estou decidido:
não vou sorver o fel,
não vou cutucar a ferida.

deixo como está e espero.
porque a dor sempre passa,

o dia sempre termina.

o sofrer é apenas o lapso
crônico da descrença.

e a crença me persegue,
espanta o meu sono.
troca os meus passos.

não sofro hoje. e nunca mais.

deixo o buraco cavado até a metade.
mas não deixo que o rio flua,
estanco os sentimentos com minhas
barreiras de sentido.

não sofro.

porque sofrer me dilacera
e eu cansei de estar partido.

26.4.09

(des)romântico

ontem, eu acordei
de um sonho bom
pra descobrir:
a minha alma foi
ferida por tudo
que me fez sorrir.

15.4.09

sombra de lira.

amor é o avesso.
voz que me cala,
quando não há silêncio em mim.

amor é desejo, é latente, é o que resta.
vida após a morte da esperança.

amor é conhecimento.
entender o dialeto sem minúcias,
apenas o traço torto da pena do mundo.

amor é enigma.
há resposta, sempre controversa.

amor é penumbra.
cores que se repetem
no fundo escuro do espelho.

amor é o elixir que transborda do cálice.
se Tristão e Isolda não beberam,
nós bebemos e bailamos
embriagados a valsa de cada dia.

amor é martírio, é causa-efeito.
cria herói juntando trapos de coração.

amor é deleite, é de sonho.
é a brecha entre o olhar e o não-ver.

amor é troca, é doação, é refúgio.
esquecer um pouco de si
e acreditar um pouco mais na beleza
da espera quieta.

amor é a sombra de lira.
não faz música... inspira.

13.4.09

leve como palavras.

há tanta coisa para dizer,
que todas ficam sem sentido.
gasto muitas palavras para refletir,
e esqueço de deixá-las em cartas.

em cada vão de meio-sorrisos,
coloco-me aos pedaços:
saudoso e solitário.
procurando no longe dos olhos
a abertura de meu peito fechado.

tinjo o rio que perpetua o desejo
da cor de qualquer primeiro romance.
saudade é inevitável.
ainda mais quando estou longe,
tão longe aqui por perto.

sem o toque, afeto é mitologia.
e eu não acredito em deuses.

acredito em palavras e cores:
leves como tornados,
avassaladoras como sentimentos.

12.4.09

reflexo meu.

amor é espelho quebrado.

de longe,
reflete a luz do sol.

de perto,
distorce o mundo.

11.4.09

nudez.

as palavras voam nuas e lépidas.
ao meu encontro.
ao seu encontro.
ao encontro da voz, do sentido.
nunca, do contexto.

palavras possuem seus
contextos próprios.

quando as dizem,
falam o que querem.
elas ressoam o que são.

nós precisamos de um contexto
para o próximo passo; pára passo.
segue o caminho dentro do eco
das verdades.

verdade é o único contexto que existe.
de asas esfaceladas, sem voo.
voando no teto inverso do universo.
quieta e desnuda por excelência.

só as mentiras não voam nuas.
nem lépidas.
mas voam.
e, inevitavelmente, ao meu encontro.

9.4.09

poema de seis faces e meia.

quando eu nasci, ninguém veio
pra decretar minha sina,
desenhar meus medos
ou rasbiscar minha vida.

sou gauche por conta e
nunca voei muito alto.
não rio das flechas que
vem em minha direção.
prefiro o solo, sou o
príncipe da contramão.

tudo que sinto é saudade
da minha terra longe,
velha terra de palmeiras.
sabiá não canta mais,
prefere o refúgio quieto
das noites de fogueira.

de manhã bem cedo,
há uma noite de clareira
em mim - escuridão.
eu vivo procurando o
amanhã e nasço em
cada verso vão.

mas escrevo porque
o instante existe
e a alegria está no vento.
não edifico, nem desmorono:
fujo do tormento.

e na fuga há sempre fingimento.
finjo ser esta dor pungente,
que no fundo da alma quieta
é a dor que me olha de frente.

agora, tanto faz: sou o que escrevo
e vivo do que sou - isso, só isso.
e, se há voo nas palavras, deixo
que assentem na minha caligrafia,
enquanto traduzo o que não vejo.

30.3.09

fora da lei.

amor-bandido, ferido,
amarrotado, ofendido.

amor que cresce sem
medo e deixa como
está, não muda,
não amadurece,
não acrescenta à alma.

(mas quem ama
não percebe a alma,
prefere as disputas de
olhos fechados e espera
o tiro acertar o alvo).

que alvo?
se o coração já
é latente,
que alvo?

brincamos de
atirar dardos
em sentimentos.

ainda não sei
se dói, você
não meu ensinou
a abrir as ataduras.

nem a desfazer nós
e desembrulhar
bombons - não sei
nenhuma dessas artes
seculares de amantes
por perfeição.

talvez,
porque eu ame.
mas não saiba
amar

esse amor-bandido
de faroeste e poeira
e cowboys que seguem
rastros cegos e donzelas
nos espartilhos, frágeis.

eu sei amor ensinado
na escola - de respeitar
o outro e segurar a porta,
só não me peça para
amar assim: fora da lei.

24.3.09

a cortina.

véu
cobre
o pudor
que envolve
o corpo e disfarça
toda forma de cada riso.
a cortina tece um rasto,
pelo vento, de fumaça
sublimada que toca
o corpo e refaz,
sob o medo,
o cheiro:
fel.

23.3.09

sigo viagem.

outro dia.
uma mesa de metal,
seis pares de conversa.
três risos de gente.

perguntei, então,
se a vida era dura.
disseram que sim.
eu disse que não.

disseram:
é jovem, imprudente,
cego e desmantelado.

eu disse:
sou bravo, guerreiro,
ando sempre armado.

brindamos.

segui viagem:
mochila nas costas,
pés trilhando o mato
(quase) virgem dos
lençóis - amarrotado.

e trôpego, um dia,
derramei o corpo
pra dentro do
gargalo.

eu, meio cheio.

o mundo
sempre meio vazio.

disseram:
toma cuidado,
senão acaba sem estado.

eu disse:
se estou sozinho,
fico quieto para
escutar o vento.
o chão não é meu limite,
mas é meu aliado.

19.3.09

rios.

ontem, quando eu acordei,
você não estava à porta,
nem cutucou minhas bochechas
amassadas com olhos de risada.
coloquei a coberta sobre a cabeça
e deixei o despertador derramar
seus soluços por todo o quarto.

mas ontem foi um dia bonito.
pena que havia silêncio dentro,
bem fundo, duma gaveta minha.

silêncio é o pretexto da solidão,
o anti-passo da saudade.
silêncio é o berro mais incontrolável
da nossa alma, não há rédias que
o segurem dentro das palavras.

ontem, eu aprendi a andar com
as minhas próprias pernas.
você não sabe, nem pode imaginar,
como dói olhar crianças brincando
de vida... enquanto a minha vida
brinca de ajuntar cacos de esperança.

mas, agora, eu sei.
sei o peso da mão do mundo,
quantos passos são precisos para
subir essa escada.
estou só no começo, ainda me
assusto com vultos, com marionetes
iluminadas por velas brandas.

ontem, eu dormi sorrindo.
eu tinha certeza que você estava
à porta, me observando, calado.
mas não abri os olhos, não tive
coragem de ver a escuridão
dançando solitariamente.

sem você, à procura de mim.
assim é a vida, o curso das águas.
rios que cruzam leitos e se compartilham
(quando em foz rasa), mas nunca
fazem parte do mesmo mar.

rios que seguem viagem, solitários,
sorridentes, sonhadores, silenciosos.

hoje, eu sinto o silêncio.
eu sou o silêncio das águas em calmaria.

17.3.09

meta.

cenestesia:
essa fagulha de vida
(jorrando em foz)
mantida dentro
de um envólocro
pul-san-te.
segredo, fundo de mim.

cinestesia:
vulto de vela.
toco a mão do vento,
balança os cabelos
e colo, sempre, no colo da espera,
os ouvidos.
eco, som de hora.

sinestesia:
o vulto da fagulha de vida.
toca a mão da foz do vento.
balança os cabelos mantidos dentro
no envólocro do colo da espera, colo
os ouvidos pul-san-tes.
concha, som de mim.

10.3.09

sombra urbana.

essa urbanidade, que
ocupa os poros, os capilares
e faz-me suar petróleo,
pinta um aviso de perigo
na minha testa.

placa amarela.
radioatividade:

sou urbano.

bomba-relógio que sangra
rosas por entre os campos.
antes, de cerejeiras;
hoje, de destruição.

erros e misticismo gritando
na espuma concrética da
fumaça escura da fagulha
mais estrangeira da fenda
mais falha de um átomo.

parte unitária de quem sou,
meu ego quebrantado,
meu narcisismo desvendado.
o amontoado de cargas,
de soluções para a equação
mais extensa do universo.

tudo gira junto a nossa
órbita de elétrons e certezas.

sim, somos o núcleo, o maciço
dessa história vagável.
desse capítulo mal-escrito de
Dom Quixote, em que os dragões
são maiores que moinhos de vento
e não se parecem mais com dragões.

parecem com vasos de titânio,
férreas caixas de Pandora.
espalhando por aí crianças de Picasso,
cubismo tatuada na pele,
na arquitetura retorcida.

sim, sou urbano.
e o preço dessa urbanidade corrói
os degraus da escada, em que
estou sentado apreciando essa
luz estranhamente bela vindo
ao meu alcance.

quando a história pertencer a
esse momento e tudo for apenas
o relato de uma garota nua,
chovendo memórias numa sala
escura... espero que essa minha
mão que toca o infinito não seja
apenas sombra na calçada.

8.3.09

meu rastro.

ando por aí errando,
tropeço nas linhas, nos limiares,
tombando para lados diferentes
a cada decisão imatura.

ando por aí acertando,
construo meu erros, sensações,
fugindo do bom vendedor,
que vem me cobrar a dívida.

ando por aí vivendo,
crio uma arquitetura, um fogo,
guardando tesouros debaixo
dos alicerces reais da construção.

ando por aí.
e nessa rua imensa do universo
há sempre uma bifurcação,
uma rotatória, um parachoque
perdido no chão, no grito.

ando por aí.
e meus pés não tocam, por
duas vezes, os mesmos espaços
de terreno, de vida alheia.

pois sigo sem deixar pistas e
corro com a areia até os tornozelos.

6.3.09

lua nova, cheia.

mil diamantes refletindo a
escuridão de todo o infinito.
sobre nossas cabeças divaga,
entre nuvens, a grande esfera
mãe de todas as estrelas.

lua, nua, completa.

e se pudesse tocá-la,
bailaria com ela pelo universo,
contando cometas e fugindo
do tempo... dos lapsos cor
de solidão que me perseguem.

quando fitar, lá de cima,
o meu corpo refletido nas
ondas calmas da orla recortada
dos seus olhos, verei em
milhares de fagulhas todos
os diamantes.

mil diamantes refletindo
a escuridão de toda a alma.
de todas as almas.

então, se vier o sol,
se a alvorada chegar,
e, sem pudor, meus sonhos
voltarem ao colchão
enrolado em cobertas...
fecho o tempo, a porta,
o quarto, o medo.

e espero.

porque a lua sempre volta
pra me ver sorrir.

19.2.09

ausência.

ausência:
não tenho certeza se é assim
que se escreve.

certeza, porém, tenho que
é assim que se sente:
aos poucos, tomando um porre
de desilusões e pedindo
que o céu caia sobre nossa cabeça.

agora, sobra só o outro lado da cama,
vazio e gelado - esperando o seu corpo,
a sua calma, o seu cheiro.
esperando... então adormece sozinho
(assim como eu).

saudade, isso sim está comigo sempre.
preenchendo as falhas,
tapando buracos e buracos que
abro na alma enquanto chovo.

e chover é meu único ofício
desde que você foi embora.

ausência.
e o eco suspenso no ar,
quente, preso nos soluços
de minha solidão.

solidão é deixar a porta aberta,
a chave debaixo do tapete,
o portão encostado.
solidão é rezar todas as noites,
esperando que alguém chegue.

mas não chega, nunca.

então.

se você puder, venha me visitar
(aos domingos e podemos contar
segredos ao pé do ouvido).

se você puder, por favor, venha
esquentar o seu lado da cama e
me ajudar a circular classificados
de emprego no jornal.

se você puder.
porque eu,
sem você,
já não posso mais.

9.2.09

à morena.

Esse samba, morena,
que lhe dedico,
não tem cuíca ou tamborim.

É samba construido
com voz ferida e
todo amor de dentro de mim.

Samba de verdade,
Compus morrendo de vontade
de jogar a solidão no mar.

por isso não é de repique ou pandeiro.

É samba de sentimento,
que vive no peito faceiro:
solidão de quem não sabe sambar.

8.2.09

no limbo dos dias.

alegria é isso que bate
no coração da gente,
estoura em mil fagulhas
e se refaz rapidamente.

sensação que aparece no
limbo do dia e vai embora
suavemente entre o
prelúdio das horas.

alegria é plenitude,
alcance máximo da alma;
dissimulação perfeita
para a realidade.

choro de olhos abertos,
desejo que precede o riso,
esperança na beirada da vida.

alegria é a semente secreta
que adormece no colo da gente,
bem quieta, esperando a
hora certa de aparecer.

6.2.09

inocentemente tempo.

estou de mal com o tempo:
enquanto ele passar correndo,
sem parar um pouco para
me tirar o chapéu,

deixo que os dias venham
e, só de sacanagem,
vivo mais intensamente.

5.2.09

faroletes, vão.

sobre a mesa de canto,
ao lado do sofá,
entre a parede e
o vão-espaço da sala,
olhando para todos os rostos,

dorme calmamente um retrato
(de uma mãe feliz que olha
para um filho feliz que olha
para um pai feliz que olha
para o infinito da lente fotográfica).

presos à eternidade do papel:
o que eram antes e nunca
deixarão de ser.
errantes continuamente
dia a dia.

como farol que acende em
todas as noites e, mesmo sem
saber o porquê, permanece
iluminando as rotas difusas
de todos os navios,
de todos os mares,
de todas as sereias,
de todas as ilusões...

ilusões passageiras,
que consomem o corpo e
permanecem impregnadas
na pela, no gosto, no gesto.

a certeza de que não há
como ficar sozinho,
quieto no escuro,
longe, muito além, do
mundo das incertezas.

vontades quentes,
rostos frios,
uma fenda profunda
para dentro da alma.

ilusões, todas elas,
despejadas aos montes
sobre areial

da vida, da praia.

onde as ondas que,
às vezes, quebram,
podem levar para
outros continentes
toda a solidão.

um retrato.
e, ao redor,
um oceano
por inteiro.

29.1.09

mãos distantes.

o que vejo está além
do que o meu tato vê,
mesmo que o que sinto
seja igual por todo o corpo.

e o que há em mim,
se não é essência,
é resto.

um resto puro,
uma dose certa.

sem pudor.

resto do que vivi
sem ver.

e permaneço com as mãos
sob a derme da realidade:
tateando o mundo,
no escuro, procurando
quem eu posso ser.

22.1.09

meteorologia poética.

Olhos incertos divagam no horizonte.
Esperam, anciosamente, a volta.
um anúncio de volta (que seja).

Uma forma de entender que estiveram
sozinhos, mas não estarão mais.

Olhos marejados, infelizes, fiéis.

Olhos nublados de quem esperou todas
as estações passarem,
contou todos os ciclos da lua,
mas, não, nunca alcançou o porto.

Porto seguro, firme, gracioso.

Mas agora é verão!
Faz um calor lascado lá fora.
E há o desejo que os raios
de sol esquetem a alma.

Aqueles olhos observam a
manhã calma e bonita através
do véu ondulante da cortina.

Esperam alcançar paz,
esperam acabar com o desejo:
saciar a fome do corpo amado.

Mas chove.
Chove torrencialmente
dentro e para fora dos olhos.

Chove uma tempestade alucinante
de alguém que esperou regresso
numa manhã quente e amarelada,
mas só encontrou a torpe
realidade da solidão.

Emana sobre esses olhos partidos,
por favor, sol, emana!

E faça-os ver que por detrás das
nuvens opacas e feias do cotidiano
adormece calmamente um mar
translúcido de esperança.

Só assim esses olhos verão
o que sempre escolheram esquecer:
há verão para cada inverno.