30.9.09

conhecimento.

Este é tempo de partida,
(sempre foi e sempre será!)
Tempo de meninos partidos,
De poetas partidos,
De amigos partidos,

Mas não de você.

Parte que minha aurora
É partida

E em vão corro os olhos
Nos nossos volumes,
Nas cores cavadas,
Na desinciclopédia.

Parte que eu preciso esquecer.

Cultivo apenas lírios na pedra
e vejo brotar esperanças no
pó perdido das ruas.

Parte com os sonhos queridos,
Parte com minha parte esquecida,

Pois esperei toda espera que há,
E agora, nem o fôlego, nem o amor.

Deixe que eu canto a tristeza,
Enquanto sua hora sentida parte
sem jeito, sem fogo, sem dor.

24.9.09

dois dedos de prosa.

descobrir reticências e não saber
como preenche-las, dói.
não como um partir de sol
ou saudade aberta em ferida.

dói como furacão, tristeza pura
sem definição de dicionário.

descobrir como mudei.
todos os invernos que começam
neste floco de neve refletindo solidões.

no vulto das folhas,
no vermelho incêndio por
trás do universo branco,
foi lá que mudei.

sem poder ver o mundo
e quantos passos de tragédia
e quantas prosas de comédia
e quantos de mim mesmo
deixei no infinito.

sem poder me encontrar,
mudei.

e me refiz diante do universo
branco e calmo da tarde que
esmorecia no ventaval.

dói saber que as luas foram embora.

quantas primaveras não contei
nesse jardim da vida!
quantas flores já parti ao partir os versos!

descobrir que os olhos no espelho não sorriem
e as marcas no asfalto não correm
e os reflexos não se apagam;
descobrir a nuvem negra que vem na neblina
e a onda que me engole, dói.

dói como só pode doer um passar de horas
vendo quem carrega o sol nos ombros,
enquanto madrugada a dentro faço em mim.

19.9.09

vozes.

Gosto de músicas assim:
Que não dizem, sem obscuridades.
Gosto de músicas nuas, desvendadas.

Gosto do som táctil, fictício,
De pensar na música como
Uma passagem, um portal em mim.
O som que me leva do visível
Ao intocável, o tato pelo avesso,
O toque da voz do mundo.

Gosto do som, só pelo som.
Gosto do vento que sussurra
Na quebrada das ondas.
Do relampejar quieto das minhas calmarias,
Do furacão noturno de um olhar perdido.

Gosto de ouvir e ouvindo
É quando o mundo parece fazer sentido
E me pego criando lógicas;
Ouço uma voz no escuro, um dilema.

Ouço a música simples que há
Quando o dia nasce e a clareira
Se torna a boca do mundo a ressoar
Vozes de andarilhos e poemas de meninos.

Gosto do som quando é sensação, sem precisar ouvir.
Gosto da música-essência que me traduz
Quando traduzir não é repartir em outros versos,
Nem amontoar carismas.

Gosto da tradução que antidiz a mim mesmo
Fácil em sua complexidade.

Gosto do som que toca em mim.

15.9.09

quadra da confissão.

Com qual destes meus rostos
Devo pedir perdão, se todos
Estão manchados da dor de
Procurar não ser perdoado?

11.9.09

tratado de quem sou II.

escrevo porque minha alma pede
e seu lamento é furacão.
escrevo porque meu corpo padece
e meu delírio é solidão.

escrevo ao dobrar esquinas procurando
estrelas nos olhos dos outros.
a miragear a minha história com o
fadiga dos lábios fendidos dos outros.

na realidade esquecida dos outros.

eu canto porque me espantar é
consolar a lástima de seguir vivendo.
eu canto porque o vento implora
pelo meu peito aberto em melodia.

eu canto quando cai o dia no sol
mais morno da poesia.
onde há versos, há nascente.

e quem parte desses olhos
já partiu minha alegria.

5.9.09

canção.

a flor da lapela não
se faz tão bela
quando olhada de perto.

a pétala tão rouge,
desprendida da sépala,
já desafina a melodia
das cores: um pouco
mais vibrante onde
deveria haver um
pouco mais de vida.

no peito aberto do
cancioneiro, o defeito
da pequena flor parece
a pedição de um coração
em chamas, que esqueceu
como traduzir em choro
de viola o seu pesar.

deixa o Luto na flor que
anoitece sozinha e faz
nova canção para ser feliz.