28.6.09

o mundo.

o meu colo é pequeno
para seus ombros
tão sonhadores.
não deite-se,
não posso suportar
esse peso do mundo.

sua presença não me
preenche, sua voz
não cala o meu vulto
de dessossego.

deixo que chova.
deixa que chovo

e as lágrimas do mundo
lavam as minhas.
e as minhas mãos não
lavam as suas que
permanecem acariciando
meu rosto.

não posso suportar o
peso, não posso.
não quero colocar no
leme a bandeira
de tempo aberto.

exagero é deixar
o coração vazio
no meio da tempestade.

18.6.09

origami.

dizem que mil tsurus
podem trazer cura.

eu dobrei quantos os
meus dedos puderam
e me pus a esperar.

já nem sei se origami
cura corações.

17.6.09

rádio quebrado.

não lembro mais quando
cheguei a acreditar que
tudo era pra sempre.

a música ainda toca:
sem casa pra voltar.

moro nos seus sonhos
e sonhar é meu caminho.

a música ainda toca
e tanto faz.

vizinhança.

à porta
sob meus pés,
o tapete:
"bem-vindo".

a vizinhança
me observa quieta,
cheia de lembranças
dissonantes:
o gato que mia,
o cachorro que
ronca apertado,
a vida que passa
de casa em casa.

as marcas das
portas,
as janelas
cerradas,
a grama nem
sempre
cortada.

mas os tapetes:
"bem-vindo".

pego o jornal
e não ouço mais nada.

16.6.09

gramática.

1. cáli-se.
calem-se vozes
que calam os calos
de minha voz.
cálice de vozes
que me fartam:
calo e não calejo.
a voz que me
fartava já não
é a mesma:
cálida e calada.

2. pros nomes.
me venderam-lhes.
não eu,
mas o que meus
olhos veem.
não eu,
mas o que em
outros tempos
não era vendível:
palavras.

3. con(uivo)sigo.
se consigo há um
uivo de vento,
deixe as liras quietas,
ouça o verso que
ninguém recita.
somente se consigo há,
consegue ver estrelas
em olhos nublados.

4. há de a ver.
ele a via em cada manhã,
música ouvia em seu coração.
se nele havia amor tão grande,
a ver era coita mais sublime.

5. passo em passo.
faço a solidão dos solados velhos,
dos soldados novos que partem
sem saber por onde voltar.
peço que a porta se feche
enquanto eu passo em passo
pequeno de que não sabe
a dor de esperar.
de que não vive a tristeza
de ficar.

6. aos terceiros.
perguntaram:
és poeta?

"não em segunda,
só em terceira".

perguntaram:
é poeta?

"não em terceira,
só em primeira".

7. à noite, minha.
à noite, não se pára em
certos sonhos para ter
certeza da cegueira.
a noite não separa em
certos sonhos a certeza
de que estou cego.

4.6.09

diálogos comigo.

escrevo lágrimas,
sinto sorrisos.
talvez, não sei,
seja por isso que
ando assim tão
na contramão.

talvez, por isso
esteja tão vivo.

tão pronto para
o impacto desse
feroz e inabitável
sentimento que
me persegue

como tornado,
assola.
como ressaca,
acalma.

escrevo outro verso
e sinto um pouco mais.

3.6.09

tristão.

I: dos números.

já não acho que vale a pena
lutar por tudo isso.

não porquê minha alma
é pequena... não a meço
com metros ou hectares.

julgo-a com newtons,
sinto-a com joules.

e a matemática é
puramente o que preciso:
forte e abstrata como
esse vento de memórias
que me leva aos sonhos.

II: das palavras.

abri uma carta com sua letra,
sua caligrafia no meu nome.

ontem.
eu escutei a sua voz caligrafar
meu nome por onde eu andei.
a carta, entre mãos.

e preces e vozes a rodear meus
passos, entalhando seu traço
no mármore da minha lembrança.

III: de mim.

veja, agora que estou triste,
passo bem.
passo ligeiro por entre o caminho
de pedras, admirando o tempo:
um templo de renascer.
de novo.

paro um pouco e espero
que o trem passe.
na sua velocidade, vejo
meu reflexo se perder
nas janelas e nas cores.

recomeço. de novo.
se o amor vem ao lado,
finjo que a solidão não é
minha sombra.

outra vez.