27.2.11

luto.

os mortos, por onde passaram, deixam pétalas.

2.11.10

a canção que lhe deixei.

um dia lhe direi:
amor, amor
e não soará como amargura.
será música, um verso aéreo
que lhe rondará a alma
por muito tempo.
lhe fará construir um castelo,
uma muralha, um subterfúgio.

um dia lhe direi:
amor, amor
e a poesia não estará nos lábios,
mas nos olhos.
nos nossos olhos desamargurados,
brilhantes, cantantes, entregues:
amor, amor.

como mágica,
haverá música no encontro místico
de nossos corações separados
pelo oceano frio,
pelo universo,
por esse silêncio.

e nos meus braços,
o mundo valseará novamente
na nossa quialtera inventada,
no nosso baile invertido,
em nós, no oceano frio,
no universo,
nesse silêncio fendido:

amor-a-mor.

pileque.

é esse vazio,
é essa lua minguante,
é essa solidão que
emana de mim.
é esse veneno que
se chama saudade,
é tudo isso - uma tempestade.

é esse vazio,
é esse sol no poente
(que me lembra...
que me chama...
me espera que eu vou).

é esse vazio,
sou eu.

6.10.10

sobre você que cansou da bruma.

ele dirá adeus _____ enfim,
dirá que a partida é seu novo rumo.
mudará de rota, alcançará outro cais.

ele dirá adeus _____ enfim,
assim como tantos outros já deixaram
ecoar suas lástimas na proa, no vento.
todo oceano guarda sereno
os ecos das mortes de almas,
do renascer de almas.

não falo de almas fora de corpos,
falo de marujos rasgando a vela
de seus martírios velados.

ele dirá adeus _____ enfim,
guiando o leme desta embarcação
de sonhos... de sonhos...
de pesadelos e sonhos
e algumas noitas passadas em claro.

ele cantará uma melancolia,
uma música de antigos piratas.

e somente o sol o ouvirá,
somente a lua banhará
seu resplandecer.

a só, dirá. ele gritará
vai rasgar as vestes como
alguém que está de luto.

luto pela morte dos segredos,
luto pela morte em segredo,
quieta morte em si
sob a bruma de olhos cansados.

_____ enfim.

4.10.10

em cantos de cigarra.

não gosto de cigarras:
suas cascas amareladas pelo caminho,
seus gritos rangendo pelo mundo.

não gosto de cigarras:
essas estranhas máquinas-vivas
de chorar por debaixo das copas
das imensas choupanas orgânicas.

e elas choram desesperadas:
rápido e lentamente.
alternando esse arder no ouvido.

choram como se sentissem
a morte chegar em seus peitos.
e lá cigarra tem peito?
tem coração? tem alma?

cigarras não sentem, não sofrem.
choram apenas por ser-lhes
a missão da existência.

rompem a história calma e leve
das horas com seus urros.

eu não.

eu tenho peito.
eu tenho coração e tenho alma.
eu sinto e sofro.
eu também urro por debaixo
dos choupos imensos de mãos
caladas e pesadas que me carregam
na história da vida.

urro porque sou gente e carrego
um aperto, um nó, um erro comigo.
mas eu não grito rangendo no mundo,
não exponho no ouvido dos outros
meu sofrimento.

calo-me:

expor essa chama que me consome
como se fosse fumaça e bruma
em mar calmo de manhã cinza
dói deveras mais.

cigarreio dentro, no fundo,
no calado, escuro, avesso de mim.

cigarrearei manhã e madrugada à dentro.
e quando o sol aparecer manso
por entre os cumes que me aprisionam;
quando o vento de paz correr
por entre mim e as cigarras,
levando consigo essas memórias finas e leves
que me embalam e entorpecem como seda.

quando eu estiver nu de ti,
nu de mim, olhando o mundo amanhecer
atrás da janela fria,
ouvirei um urrar de cigarra,
que talvez só retumbe no meu quarto.

ouvirei tua voz.

haverá um urro no urro, no urro, no murro
no muro que reside em mim.

minha alma urra.

quantas dessas cigarras
que cantam vida à fora
são almas pedindo socorro?

8.9.10

evocações e vozes.

Não posso falar de Recife,
de uma Rua da Saudade
onde meninos cheios de pernas e sorrisos
se escondiam pra acender palha e fumo.

não posso falar de outras ruas de nome bonito,
porque por aqui as ruas tem nome de gente.
de gente que não me evoca lembranças,
mas confusões:
nunca soube quem foram,
melhor seria que chamassem as ruas:

"Rua da casa da vó"
"Rua do vendedor de doce"
"Rua do primeiro amor"

e de rua em rua veria a vida renovar
meus gostos pela saudade.

Não posso falar de Recife,
não posso chamar suas areias de minhas.
nem cantar com suas meninas,
pois nunca estiveram comigo,
nunca as toquei, nem li seus olhos.

Mas posso falar de uma selva de pedra,
outrora matas e sol sobre os ombros:
Campinas...

- não brinca na rua, é perigoso.
- não saia da escola.

não sei o que é infância na rua,
chicote-queimado? nem me ocorre como brincar.
mas já pintei o chão de giz,
já subi em árvores,
já chupei uva do pé.

me sufoco com cheiro de terra molhada,
a terra molhada por debaixo das unhas.

chuva e sol. e ventos. quatro ventos
a evocar minha infância.

no meio da selva de pedras, um reduto à imaginação.
Casa da avó. Rua do Sr. Leite, seja lá quem tenha sido.
"Rua da Saudade", minha rua da saudade.

almoço de domingo.
imensos braços italianos sobre a mesa, sobre as cabeças,
giganteando pequenos causos.
suco de limão tomado da cumbuca da salada,
a careta de quem repetirá o feito enquanto houver limões.

formigas e descobertas - aquele quintal imenso,
em que adormecia o poeta que hoje sou.
policiais. prisões. brigas. "deixe-minhas-formigas-em-paz".

nunca soube mexer na máquina de costura,
não sei fazer barra de calça, nem tirar medidas de paletó.
aprendi depois a remendar o coração,
mas pra isso não tem tutor prendado, precisa-se viver.

naquele tempo, poesia era ouvir minha avó,
sua voz mansa, ainda me lembro...
- dá um beijo na vó.
- pega a uva na geladeira, esse ano deu umas docinhas.

e a língua era linda e cheia de graça,
as histórias eram lindas e cheias de graça,
sonhar era lindo... não que ainda não seja,
mas de graça tudo sempre se esvazia.

Foi há muito tempo...

a vida cheia de mistérios... mistérios que hoje são claros
como alvas pedras de calçada portuguesa.
eu pulava pedras irregulares, hoje vejo andorinhas
(no céu, no chão, sabe-se lá por onde voam)

Campinas...
"Rua da Saudade"...
a certeza do fim não é tão amanhecida pra crianças,
tudo é tão impregnado de eternidade,
de luz e certezas de amanhãs bonitos
(porque ver o sol raiar é sempre um encher
os olhos de água).

cemitério da Saudade...
diria o poeta: "Recife morto".
dizem minhas vozes: "saudade viva",
porque penso sempre na vida, no que pulsa, no que me segue.
e prendo as lágrimas.

não falo de morte, não acredito que a gente morra
dentro dos outros.
ou eu que não deixo morrer o poeta
que adormecia quieto no quintal imenso da casa
na rua Sr. Leite - sabe lá quem seja.

na minha Rua da Saudade,
eterna.

12.8.10

dissimulamor.

que essa felicidade
é uma coisa do coração,
eu já sei, sempre soube.
porque o coração
não é bom em enganar a gente:
quando sente, aflora
num furacão ou numa canção.
mas aflora e não há como
parecer vazio.

se o coração está repleto,
então a vida está acesa,
como luzes no Natal,
esperando caírem presentes
do céu escuro.

a alma sorri multi-colorida,
ora piscando, ora intensa.

e faz-se festa
(e nem toda festa é boa,
mas é sempre festa)
na bagunça dos pensamentos
e da vida.

daí vem essa estrela de seis pontas
estampada no rosto
estampando nos outros.
hoje é riso, mas já foi choro.

ah coração, até parece
que nunca fomos infelizes.
até parece que nossa árvore
sempre esteve cheia de dádivas.
até parece que essas luzes,
esses sóis, essas cores
são a rotina do peito.

mas o que que tem?
se hoje é festa,
acenda essas lâmpadas chinesas
e espante os dragões daqui.

traga esse furacão,
mude o tom dessa canção
e sorri em mim:

porque hoje eu quero ser
o norte dessa constelação.
e se você me vir à noite,
resplandecer na madrugada,

saiba que eu estou feliz.
não me venha falar de amor,
não me venha falar de lágrimas,
não me venha falar de passado.

saiba que eu estou feliz
e basta.