26.2.10

era pra matar.

eu só estou com saudade,
desculpa se as palavras
me fogem

e o silêncio que suspenso
passeia por tudo
me consola e todo vazio
é um prelúdio da tristeza.

desculpa se parece um
martírio ouvir pulsar
meu coração nas veias
entupidas de soluços
de todo o meu corpo.

eu preciso pulsar!
em silêncio.
sozinho numa órbita
que cabe-me e o ar
acaba aos poucos...

morro para o grande
belo e viajante infinito.

desculpa se parece estúpido,
se parece trépido,
se parece cálido:
só o silêncio me ensina a
estrada certa para mim.

estou com saudade de mim,
quem sou? esse a chorar
nos cantos e resmungar
baixo, engasgando com as
sílabas de poesias?

quero-me de volta:
no silêncio quero sorver
o licor salgado que
vai embora de mim,

quero-me, como nunca quis.
em silêncio me procuro.

quando a saudade me vem,
estar calado é iluminar
a alma.

é desfazer essa muralha
que prende meu grito,
que tatua no meu ouvido
uma música para estar
em solidão.

desculpa, é só uma saudade.

12.2.10

raízes.

se meus olhos são os seus,
se meus traços são antigos,
se de outros me componho,
se meus cabelos voam ao
vento iguais aos desenhados
no retrato da parede,

dê-me os sonhos.

só os sonhos,
só as verdades,
os desvendados.

dê-me a vida sem mistério,
o amor sem desesperos:
se tudo se repete um dia,
que se repita a essência.

que as raízes me deem
uma seiva doce,
então não precisarei sulcar
meu tronco, nem lhe tirar anéis,
para beber de quem eu sou.

eu prefiro ultrapassar
a dor sem morrer um pouco,
sem estar completamente cego.

eu quero estar vivo,
como viva está a folha que me
nasce verde, cheia de esperança,
no alto do galho que me encerra.

1.2.10

(em)barca de mim.

sabe-se lá que, num lugar distante,
desce o mundo um barco quieto
sem tripulantes.

virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito.

um barco cheio de um nada
completo.
um barco à vela
movido ao vento das palavras.

um barco que traz e carrega
versos ao poeta que procura amar.

sabe-se lá que, numa tempestade,
um pescador descobriu o barco.
tentou domá-lo e fazê-lo
refém de sua fúria
de homem das marés.

e a vela não resistiu à sua força,
sem lutar,
deixou-se rasgar em flanelas.

o vento das palavras passou-lhe
sem mexer seu casco.

e o barco parou... perdido.
e o pescador deitou... calado.
e o mundo foi ficando mais
cheio do mundo, tão mais real.

cheio de um mar escuro.

e as águas secaram e a terra surgiu
e a areia cobriu os pés de quem
andava sobre as ondas,

de quem domava o mar.

o mar escuro subiu ao céu,
a noite mais densa cobriu
a noite menos densa...

o dia apagou-se.

e o barco bebeu do vento,
embriagou-se e afogou.
pouco a pouco deixou de existir,
criou uma lembrança e só.

o pescador deitado sob
o infinito fechou os olhos para
não ver morrer o irreal.

e chorou a partida do barco,
da vela, do sopro, do mar.
e chorou sua ira de homem
dos mares bravios.

cantou um verso.
e as lágrimas molharam areia.
cantou um poema.
e água molhou sua alma.
cantou um poeta.
e o canto tornou-se mar.

o barco se reergueu bonito
e a vela parecia outra.
ondas e ventaval...

e o vento levou o barco
para o infinito
e o verso cantou bonito
um novo final:

a vida segue as ondas
e as ondas seguem...
e as ondas seguem...

o pescador saltou no mar,
o barco não era seu porto,
deveria passar.

e o barco,
virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito,

voltou a ficar cheio de um nada completo.

trazendo e carregando versos
ao mundo...

que precisava ver o mar.