30.11.08

três irmãos feios.

o passado, o presente e o futuro
são três irmãos feios e solitários.

o passado sabe que é feio,
mas não aceita sua condição.
por isso, vez ou outra, cria
uma porção de máscaras

(ou memórias, se preferir)

e volta em nossas mentes
a fim de apagar a nossa
lembrança de sua feiura.

o presente possui espelho.
vê seu reflexo horrível,
senta no chão da eternidade,
chora por sua falta de sorte,
mas não faz nada para mudá-la.
espera, no entanto, que façamos
algo de notável com sua
imperfeita existência.

dos três,
o mais perverso é o futuro.
apesar de sentir-se horripilante,
faz de tudo para que
sintamos medo absurdo.

quando nos deparamos com ele e
percebemos quão inferiores somos,
inventamos os sonhos:

uma forma meio besta de tentar
enfrentar e amansar o monstro
de setenta pés, que nunca
conseguiram dominar.

somos, no fundo, a porção de
rara beleza na brincadeira do tempo.

10.11.08

delírio datilografado.

escrevo.

e as palavras jorram
e molham minha roupa,
inundam a sala,
lavam meus pés
(cheios de sangue).

afogo-me nas palavras,
enquanto me entorpecem,
desejam e esquecem.

escrevo.

e meu coração aperta numa
agonia inflamada de ódio.
há um mundo inteiro que
me rodeia e abraça, mas há
um medo irracional que
me aprisiona nessa gaiola
de paredes translúcidas.

escrevo.

e a caneta chora implorando
piedade, meu pulso cala calúnias
dentro de sua tinta espessa.
máquina, delíro ainda minha vida
por cima da folha e relembro
ecos de memórias quentes.

escrevo.

e nos olhos uma sensação
nostálgica turva o sol
que se põe cheio de cores,
sem nenhum pecado.
enquanto eu, aqui,
poeta sem opção,
padeço cheio de culpas
e não nego meu martírio eterno:

o que me dói e fere é escrever.

7.11.08

desabafo surdo.

sinto o peso do mundo
Nas minhas costas.
sinto as conseqüências dos erros
E de todas essas decisões.

sinto que há um caminho,
Uma trilha esboçada e
Totalmente certa.
Mas sinto que todas
As portas estão fechadas.

sinto uma vontade louca
De adiar o amanhã,
Só para brincar com todas
As facetas estranhas do hoje.

sinto uma porção de coisas,
Só não sei quantas eu
Realmente sinto,
E quantas eu finjo sentir.

sinto não-querer sentir.

4.11.08

cambalear na vida.

O futuro me ensinou
que há ainda muito tempo.
mas que em todo tempo
haverá invernos e alguns amores.

O passado me contou
que nenhum tempo volta.
mas que sempre haverá
tempo pra gastar com despedidas.

O presente não me diz nada.
Entrega-me um bilhete e
me manda cambalear na vida.

Abro o papel e entendo a minha,
nossa, sua, vossa, tua sina:

O tempo é cruel
e, às vezes, dói.

Mas o tempo só mata
quem não conseguiu
ser eterno em cada manhã.

3.11.08

outra história meio igual.

Lá em cima da mangueira,
lia uma vida em branco.

Aprendeu a ser gente grande
com dois passarinhos mortos
e um estilingue na mão.

Queria ser caçador,
mas acabou virando poeta.

Trocou as suas presas
por papéis e vírgulas.

Trocou a árvore e o quintal
por um escritório pequeno.

Trocou uma manhã de infância
por uma tarde na cidade.

Só não conseguiu esquecer
seu caçador-interno:

Decidiu matar personagens.