25.12.07

sobre o Natal.

Feliz Natal!


e eu volto ano que vem!

24.12.07

sobre a véspera de Natal.

Minha família está reunida na sala enquanto escrevo aqui. Dá para escutar que estão falando mal de alguém - mas eu não sei quem é, talvez saiba e não queira falar. Minha avó ri alto após um comentário maldoso da minha tia - os outros escutam a conversa calados, fingindo não estarem interessados. A porta de algum carro bate lá fora e eu tenho a certeza de que meu pai chegou com as pilhas para a câmera.
Nada de novo acontece por alguns segundos.
Eu respiro profundamente, tentando achar forças para enfrentar a tal confraternização familiar. A porta se abre, meu pai entra em casa com uma gargalhada típica. Eu rio pensando na cena. Sinto um cheiro de comida pronta e meu estômago ronca - estou com fome. Sei que é a hora certa para me juntar à ceia. Corro as mãos pelos cabelos ainda um pouco molhados. O barulho familiar de refrigerantes sendo abertos, estrala nos meus ouvidos.
Me olho no reflexo da tela do computar e decido descer as escadas, mas antes ligo para ela e desejo um ótimo Natal para toda sua família - mas era um pouco de falsidade, não gosto do irmão dela. Desligo e percebo que há um par de olhos parado junto ao vão da porta - antes de ver quem era, já podia imaginar: minha prima.
- Vem, estão a sua espera.
- Eu sei, estou desligando.
Respiro mais uma vez e gosto da minha confiança - eu vou sair vivo dessa ceia de Natal.
Desligo o computador.

23.12.07

sobre um conselho III.

Pode ter certeza: o Natal cansa.

22.12.07

sobre uma conversa alheia III.

- Feliz Natal!
- Boa sorte.
- Boa sorte?
- Boa sorte com as contas.

21.12.07

sobre um brinde.

Acendo as luzes pisca-pisca que enfeitam o muro de casa. Escuto, dentro de mim, uma dessas antigas canções natalinas. O guarda da rua passa com sua moto, eu aceno e grito "Feliz Natal!", ele pára, olha para trás e me cumprimenta de volta. Ele vai embora, mas eu fico alguns outros segundos do lado de fora, respirando o cheiro de Peru assado que vêm das outras casas.
- Vem, o jantar está na mesa! - minha mãe me chama.
Eu corro, antes que orem sem minha presença - é costume aqui em casa orar antes de qualquer refeição, principalmente em jantares/almoços comemorativos.
Escuto o começo da oração quando chego no meio do caminho. Paro, fecho os olhos e fico escutando cada palavra de agradecimento.
- Amém - um coro de vozes termina a reza.
- Amém - eu digo sozinho.
Abro os olhos e continuo minha jornada rumo a sala, onde todos se reúnem em volta da mesa enfeitada e do Chester recheado. A maioria dos meus familiares está de branco e se servem desesperadamente como se nunca tivessem visto uma ceia. Eu espero a confusão acabar para pegar minha comida - não estou com fome, comi uns chocolates antes dos convidados chegarem. Alguém derruba molho de manga no tapete preferido da minha mãe - ela nem repara enquanto conversa com a irmã. Num dos cantos da mesa, meu tio conta uma piada, alguém ri e os outros não entendem a graça da história. Vejo de relance meus avós darem as mãos por debaixo da mesa, como dois namoradinhos de escola.
O telefone toca e meu irmão se levanta rapidamente para atender - ele sabia que era a namorada. Eles conversam uma boa meia-hora, se despedem e cada um volta pra sua família - seu mundo.
De repente silêncio, todos enxem a boca de um garfadas fartas de comida, meu pai me cutuca e pergunta se eu não vou comer - eu respondo que sim e começo a amontuar comida no meu prato. Todos riem quando, sem querer, eu deixo cair um tomate dentro do copo do meu primo - ele e eu também damos risadas.
- É onze e cinqüenta! - minha tia grita com um tom histérico na voz.
Num passe de mágica, várias taças de champagne são traziadas da cozinha e, quando faltam dez segundos para a meia-noite, o mesmo coro que disse amém no termino da oração, começa a fazer uma contagem regressiva - dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, UM! FELIZ NATAL! Cada um ergue o seu copo e depois toma goles grandes da bebida.
Uns riem, outros se abraçam, mas todos estão felizes.
Ou demonstram estar.
É Natal mais uma vez, mas poderia ser Natal por toda vida.

20.12.07

sobre uma noite de Natal.

É noite de Natal e estou fugindo das reuniões familiares constrangedoras, pois não tenho paciência suficiente para fingir - por muito tempo - que eu gosto da convivência familiar. É costume: eu sempre brigo com pelo menos um dos meus parentes - geralmente com ELA por ser a mais falsa - e acabo ficando com a fama do "chato e estraga-festa da família". Por isso, esse ano não vou aparecer as festividades, não quero. Cansei de comer o mesmo Peru com nozes da minha vó e o bolo trufado da minha tia - que, por sinal, não são tão bons quanto dizem por aí.
A estrada São Paulo-Campinas está vazia e eu não gosto dessa sensação de solidão. Ligo o rádio e deixo que a progamação da CBN inunde minha alma fria - como a noite que se faz lá fora. Estou com fome, mas não trouxe nada para comer, além de uns pedaços de papel que encontrei por aí - sim, eu tenho o péssimo vício de comer papel e tampa de caneta.
Procuro algum lugar aberto onde haja café forte e pão-de-queijo, mas os postos para caminhoneiros estão fechados e os poucos restaurantes beira-de-estrada, desertos. Minha barriga ronca, eu vejo a placa indicando Campinas, sigo as indicações.
Viro a esquerda numa bifurcação.
Sinto o cheiro diferente de asfalto molhado e percebo que chovia até pouco tempo nesse trecho da estrada, tento olhar para o céu, porém não há nenhuma estrela e uma grande nuvem cinza cobre a lua - que hoje, deveria ser cheia.
Eu estou cheio. Engulo um pedaço de nota fiscal que estava mastigando, percebo um gosto de fome na boca. Volto a prestar atenção ao que o locutor da rádio está falando:
- Pessoas que passam o Natal sozinhas têm mais tendência à cometerem suicídio.
Rio alto da ironia da minha vida.
Eu estava sozinho naquele momento e nem por isso queria me matar.
- Estar sozinho não é tão ruim, babaca - grito.
Desligo com raiva o rádio.
Silêncio e meu coração batendo acelerado. Avisto uma placa luminosa, finalmente achei um restaurante aberto! Paro no estacionamento, desço do carro - a comida estava servida, mas não tinha uma alma-viva para comê-la. Eu entro no estabelecimento e, gentilmente, a garçonete vem me atender. Gosto do sorriso dela - é verdadeiro. Perco a fome. Uma felicidade inesperada toma conta de mim - finalmente, alguém estava feliz - de verdade - pela minha presença de última hora.
Eu sou o herói da noite dela.
Ela será a minha heroína de todos os Natais seguintes.

19.12.07

sobre um conselho II.

1) Não perca as oportunidades.
2) Agarre seus sonhos.
3) Seja feliz.

Não necessariamente nessa ordem.

18.12.07

sobre ler de madrugada.

A luz do abajur está fraca e dificulta a minha leitura. Eu sei que três da manhã não é a hora ideal para começar a ler um novo livro, mas essa minha ânsia por novos horizontes literários não tem hora para chegar.Viro a página desse grosso encadernado que me ocupa o tempo, chego ao terceiro capítulo e fico esperando os momentos empolgantes da história. Gosto de enredos surpreendentes, com finais chocantes e originais. Nada de contos-de-fadas onde o bem vence o mal e a mocinha casa com o príncipe.Prezo também pela literatura contemporânea, prefiro ler esses novos autores que não usam de um vocabulário antigo e de situações-modelo que não fazem mais parte do nosso dia-a-dia. Não menosprezo os grandes escritores, que fique claro, admiro-os por sinal, mas deixo que a escola recomende quais clássicos literários devo ler.Às vezes, reclamam que eu só leio textos traduzidos, porém a culpa não é minha! Quando chego na livraria, encontro várias estantes com os mais diversos autores ingleses, franceses, americanos e o escambau! E, lá no canto, quase sem ninguém olhando, duas ou três estantes com os livros nacionais. Eu até procuro um bom, mas pela pouca quantidade de títulos, acabo não me interessando por nenhum. Todavia, já prometi para meu pai: qualquer dia desses eu leio um autor brasileiro, já até sei que livro será: A décima segunda noite de Luis Fernando Verissimo.Mas, enquanto o tão esperado dia, em que lerei um autor brasileiro, não vem, prefiro me dedicar à leitura desse livro traduzido que tenho em mãos - que é muito interessante, por sinal.

17.12.07

sobre uma conversa alheia II.

- O que você quer ser quando crescer?
Perguntei para minha prima de oito anos.
Ela pensou um pouco e começou dar risadas.
Eu continuava com os olhos fixados nela, esperando a resposta.
- Eu? Nada.
Ela fez uma pausa antes de continuar:
- Eu não vou crescer. Eu não quero.

16.12.07

sobre meu dia no divã.

Eu estava deitado no divã e havia um gordo senhor com cara de alemão na minha frente, que estava sentado em uma poltrona confortável de couro - melhor que o velho sofá de camurça no qual eu me encontrava. Ele me perguntava e eu fazia o meu máximo para parecer confiante nas minhas respostas. Numa prancheta cor de carvalho, ele fingia anotar cada uma das minhas palavras - no fundo, imagino que ele estava desenhando e nem prestava atenção nas coisas que eu falava.

Eu sempre imagino, esse é o problema. Se eu mentisse menos, ou não viajasse tanto nas histórias que invento, a escola nunca teria me mandado para o psicólogo. Qual o problema de acrescentar uns detalhes mais emocionantes nos fatos do meu dia-a-dia? Por quê um dinossauro não pode invadir a minha casa e ter comido minha lição de matemática? "Um dinossauro? Dessa vez eu fora longe demais".
Uma vez, pouco depois de começo das aulas da primeira série, descobri que a mãe de uma amiga minha estava grávida! Ah, não demorei pra dizer em alto e bom som na classe:
- Professora, minha mãe também está grávida e serão gêmeos!
(Eu tenho uma fissúra por gêmeos, por causa do meu signo).
Não bastou muito tempo para a notícia se espalhar, mas se espalhou muito. Num belo dia, minha mãe foi me buscar na escola - eu ia embora de perua - e a professora comenta com ela:
- Mas você não aparenta estar grávida. Ainda mais de gêmeos!
Pronto, não preciso nem dizer que aquela noite eu dormi com a orelha quente. Mal sabia, que aquela seria a primeira de muitas noites cheias de sermões sobre o mesmo assunto: Mentira. Os comentários eram basicamente sempre os mesmos e, por mais que os escutasse por diversas vezes, não consigo parar com esse vício maldito.

A voz rouca do loiro senhor me fez voltar à realidade.
- Por quê você mente?
Eu pensei na verdade e bolei uma mentira. Analisei qual era melhor.
- Eu? Minto? Sabe que eu não tinha percebido!

É, eu não nasci para falar a verdade.

15.12.07

sobre as voltas do mundo.

O mundo dá voltas, mas não queira ficar no topo.
De lá a queda é mais evidente e pode ter certeza:
Quando você cair, todo mundo vai bater palmas.

14.12.07

sobre violões e começos.

Há um violão encima da cama, que por sinal está desarrumada, mas eu gosto desse estilo desleixado - combina com meu amor-humor do momento.
Coloco o instrumento no colo e tento por diversas vezes criar uma nova harmonia, mas não há nenhum acorde novo na minha cabeça, na verdade nada novo me ocorre há muito tempo: tudo permanece numa confortável monotonia que me cansa só de pensar.
Preciso inovar, esquecer essa meia dúzia de histórias velhas que me atormentam a cabeça diariamente: brigas, brigas, brigas. Eu quero ousar, sair sem ter que dizer a hora que irei voltar, ou pra onde vou! Quero ser livre, mas sem ter que pagar o preço por sê-lo.
Bato nas cordas de qualquer jeito e escuto o som de várias notas juntas - dói nos ouvidos, mas me alivia. Bebo, sinto e vivo aquele ruído amistoso.
De súbito, meus dedos começam a dançar sincronizadamente pelas cordas do violão, criando novas notas. A melodia vem aos poucos em minha cabeça, percorre todo o meu corpo - sinto um arrepio e canto, as estrofes não são coerentes, mas são belas e cheias de sentimentos.
Percebo que a nova música está desobstruindo minha alma. Começo a chorar como uma criança perdida, as lágrimas molham minha camiseta e o corpo do violão.
Começo a lembrar cada momento ruim que já passei e me envergonho de mim mesmo. Paro de tocar e o som da minha voz se prendi atrás dos lábios. Com raiva do meu dia-a-dia sem-graça, jogo o instrumento contra a parede.
Grito angustiado.
Em câmera lenta, eu consigo ver o violão se espatifar no chão e, junto dele, sinto minha vida se quebrar em mil pedaços.

Hora de um novo começo.

13.12.07

sobre uma carta.

Papai Noel,

Faz tempo que desmascararam sua lenda para mim - uma pena, pois o mundo era tão fácil quando o senhor existia! Sabe, as coisas não precisavam de tantas explicações, bastava acreditar e tudo podia acontecer. Perguntas como "De onde viemos?", "Para onde vamos?", "O que fazer agora?", "O que é o infinito?", "Quem somos nós no universo?", simplesmente não passavam por nossas cabeças e, se passavam, eram logo respondidas com a ingenuidade que só crianças podem ter:

- Nós viemos do repolho.
- Nós vamos para onde quisermos.
- Agora, vamos brincar!
- O infinito é mais do que se pode contar!
- Nós somos a gente no universo.

E se acreditássemos de verdade no que estávamos falando, ficava tudo certo! Pena que as coisas não são mais assim para mim, agora entrou na minha cabeça um tal de raciocínio lógico e umas outras matérias escolares, que me fazem tentar entender essas questões intrigantes cada vez mais a fundo - e que fique claro: eu continuo sem explicação para a maioria delas.
Deve ser por isso que lhe inventaram, para terem uma resposta mais fácil na ponta da língua quando o jogo aperta, porém não se limitaram no senhor, criaram o coelhinho da Páscoa, os super-heróis e um tal de Barney - sim, o dinossauro rosa.
Papai Noel, se ainda posso acreditar um pouco em você, peço licença para um último pedido: espero que a vida nos dê motivos para sorrir em 2008, pois se assim for não terei motivos para me queixar.

Obrigado pela atenção,
Stefano.

12.12.07

sobre meu filme.

"Luz, câmera, ação", não foram as primeiras palavras do médico assim que eu nasci, porém acredito que elas combinam perfeitamente com a minha vida. Não falo do meu antigo desejo de ser ator, e sim do meu dia-a-dia que tem pitadas de humor, drama e romance.
Às vezes no banho, eu fico lembrando das coisas que já fiz e caio na gargalhada sozinho - é bom rir da gente mesmo, ainda mais quando são situaçõs cômicas espontâneas que depois viram o assunto do momento - eu mal posso recontar todos que eu já fiz ou presenciei, desde a "queda no cavalinho de madeira" à "queda de cima da bola de futebol". Romances são os outros pontos fortes dessa minha vida-filme, desde as paixonites infantis ao amor platônico da sexta série - eu lembro de cada uma e penso "nossa como eu era infantil", mas vou fazer o quê? Faz parte amar desse jeito bobo e ingênuo.
Porém, de nada adiantaria um protagonista engraçado se não fosse pelas outros personagens que, muitas vezes, fazem papel de ator principal. Começando pela família, espaço de criação de brigas, risos, confissões e muito, muito amor. Foi com meus pais e irmão que acabei fazendo as coisas mais idiotas ou emocionantes de minha vida.
Há os amigos, desde os certinhos que dão um ar de "The Big Bang Theory" para história, com seus cálculos matemáticos estranhos, piadas nerds, estilo nerd, assuntos nerds e falta de vida social, aos loucos que trazem divertimento e momentos non-sense para o enredo, numa mistura de "Jackass" e "Débil e Lóide".
E no final de cada "dia de filmagem", eu contabilizo "cenas" que eu gosto e outras que não. Mas no fundo, eu não mudaria nada, porque cada momento é tão especial que se torna único nesse filme sem erros de gravação e tomadas dois.

Esse filme da minha vida.

11.12.07

sobre estar bem.

- Eu estou bem! - menti quando me perguntaram sobre meu humor.
Era uma tarde de verão, eu acabara de fazer compras quando encontrei um velho amigo. Eu sorria naquele momento, por mais que os músculos das minhas bochechas doessem, impedindo que eu parecesse realmente feliz.

Eu sei mentir, é fato, ainda mais quando tento mascarar um sentimento - mais ainda quando tento parecer alegre e, nas últimas semanas, minha dissimulação tem sido posta à prova constantemente.
O que se passa é que um emaranhado de fatos ruins vem acontecendo, me fazendo acreditar que meu mundo vai desabar ou me fazendo cogitar a idéia de fugir do Brasil, mas ainda assim tenho a capacidade de responder positivamente quando questionado sobre meus dias, minha vida e meu temperamento atual. Eu gosto de parecer otimista, pois deixa nas outras pessoas uma lembrança agradável de mim:
- É incrível, toda vez que eu falo com o Carlos ele está feliz!
Gosto de criar essa impressão e me deixo, às vezes, acreditar nela.

Após um ou outro assunto, me despedi do conhecido e fui em busca do meu Fiat no estacionamento - o encontrei depois de muito procurar. Abri o carro e coloquei as compras no porta-malas; me sentei no banco do motorista e pude ver meus olhos no reflexo do pára-brisa. Eu sabia que dentro deles, havia um monte de lágrimas e sentimentos ruins guardados, só que por fora eu só conseguia enxergar um brilho estranho e consolador.
- Eu estou bem! - repeti para mim mesmo antes de ir embora.

10.12.07

sobre minha covardia.

Às vezes duvido da minha sorte ou da falta dela e é duvidando mesmo, que acredito que amanhã será um dia melhor. Talvez seja muito pensar que tudo se resolverá no dia seguinte: nada de guerras, armas, pobreza, fome e essas coisas que nos fazem dormir pesado, mas eu acredito e me basta.
Basta, para eu me sentir melhor e com a sensação de que um fardo foi tirado das minhas costas - é aliviante saber que, talvez, amanhã não terei que me recriminar ao deixar comida no prato ou desdenhar um pouco de arroz-com-feijão.
Não gosto dessa sensação de culpa por um problema que diretamente não é meu, por isso prefiro acreditar que o culpado é o governo de cada país e não eu, por não ajudar nem quem está ao meu redor! Droga, por que é tão difícil falar um bom dia para a moça que limpa o chão do prédio? Ou abaixar o vidro pra escutar a súplica de um mendigo no trânsito, com medo de ser assaltado? Ou arrecadar dinheiro para uma ação solidária? Eu quero ajudar, mas minha consciência pobre insiste em me impedir: "Tenho vergonha", "Não tenho tempo", "Depois eu faço", "Não tenho dinheiro!", "Não tenho talento", "Não quero" - são pensamentos constantes a cada vez que decido fazer alguma coisa pelo próximo.
Por isso, prefiro acreditar no amanhã. Caso o mundo mude amanhã, não terei que me culpar mais. E o quê mais dói é saber que eu prefiro mudar o mundo à dar um passo em prol da solidariedade.

9.12.07

sobre o tempo.

Cai uma tempestade aqui dentro, mas faz sol lá fora.

8.12.07

sobre uma pergunta.

- E agora, José? - me perguntaram na saída.

Eu não demorei muito para responder.
Já tinha as palavras na ponta da língua.

- Agora? Eu vou fazer o quê eu sempre faço.

Ninguém entendeu, mas eu sabia a resposta:
Eu vou mentir. De novo.

7.12.07

sobre um conselho.

Amar é uma droga.

Um dia você entende os dois lados dessa frase.

6.12.07

sobre gostar.

Eu gosto do inverno, cobertas e travesseiros; de churrasco em dias ensolarados; de sorvete com calda quente no frio; de tomar vários banhos em dias quentes; de usar mais de uma meia em cada pé quando faz frio; de ficar na piscina no verão.
Eu gosto de viajar pra longe; de ficar sozinho; de falar comigo mesmo; de rir de coisas bobas; de gostar dela; de cantar no chuveiro; de ficar sem fazer nada o dia inteiro; de dormir nas horas erradas; de tocar bateria pra desestressar; de jogar basquete; de dormir assistindo televisão; de tirar fotos.
Eu gosto de comida não muito quente; de pouco açúcar no suco de maracujá; de coca-cola zero; de salada de rúcula; de kiwi; de purê de batata no cachorro-quente; de cheiro de comida sendo feita; de coca-cola normal sem gás; de nuggets; de pão de queijo; de cozinhar.
Eu gosto de comédias inteligentes; de filmes bombásticos; de livros best-sellers; de seriados americanos; de Irritando Fernanda Young; de telecine nas horas vazias do dia; de ler outdoors; de escrever o quê vem na cabeça; de frases que não vão até o fim da linha; de ponto-e-vírgula; de ponto final; de frases sem-sentido denotativo.
Eu gosto de estudar biologia; de escrever redações; de passar de ano sem recuperações; de entrar em férias; de matérias fáceis; de usar calculadora; da minha cadeira-mesa de canhoto; de comentar o quê os professores falam; de escutar conversar alheias; de rabiscar a apostila.
Eu gosto de pensar no futuro; de ficar inseguro; de meditar sobre o passado; de estar pronto pro presente; do carpe diem; de deixar coisas por fazer; de fazer coisas inúteis; de não ter o quê fazer; de ser feliz; de não entender o porquê das coisas; de saber tudo primeiro.

Eu gosto e basta.

5.12.07

sobre vacas, cabras e cavalos.

São poucas as coisas que eu odeio, mas dentre elas está uma que me irrita só de pensar - fazenda. Não gosto da sensação da falta do caos urbano, do som dos carros, do tumulto e de estar sempre atrasado, pois essas são coisas que convivem comigo todos os dias e largá-las seria negar uma parte minha: a parte urbana.
Quero deixar claro que estou falando aqui das fazendas típicas, aquelas nas quais você tem que ordenhar as vacas, fazer queijo, matar galinha, pegar ovos, cuidar de cavalos, arar a terra, colher da horta, plantar de novo e tudo isso debaixo de um solzão quente e sem essas parafernalhas tecnológicas que existem hoje.
Fora isso tem o pequeno problema: o cheiro de terra molhada. Não tenho nada contra, mas toda vez que ele aparece, me dá falta de ar - como se minha garganta estivesse fechando, a minha cabeça começa a doer e eu me sinto enjoado. Por isso, seria uma desgraça para mim toda vez que chovesse por lá.
Sem contar os irritantes barulhos de animais: vacas mugindo o dia toco, galos berrando as 5 horas da manhã, sapos e grilos fazendo suas sinfonias a noite toda, cavalos relinchando e cigarras fazendo aquele som dos infernos. O pior é quando junta tudo! Haja paciência e, convenhamos, paciência não é uma das minhas maiores virtudes.
Por tudo isso, prefiro continuar no meu confortável mundo urbano sem vacas, cabras, cavalos e o escambal.

4.12.07

sobre ontem, hoje e o futuro.

Ontem era muito mais legal pensar sobre o futuro.
Hoje o futuro chegou para mim.
Chegou totalmente sem-graça.
Preciso voltar a pensar sobre o futuro.
Um outro, diferente do futuro de ontem.

3.12.07

sobre um pirata.

- Victor era o pirata mais malvado dos quatro cantos do mundo, não tinha nenhuma nação que não temesse seus ataques relâmpagos. Quando visitou a escócia, não sobrou um saiote xadrez para contar a história: ele saqueou tudo que pudia e mais, fez uma lei para que os homens usassem calças naquela região (eles até o agradeceram).
Posso dizer até, que as jóias da rainha nunca mais foram as mesmas depois do seu saque à Inglaterra: ele teve piedade e deixou por lá uma ou duas coroas velhas. Ainda suspeitam que os imigrantes ingleses que colonizaram a Améria anglo-saxônica, saíram de sua terra natal por medo do temível pirata Vic-olho-de-vidro (era assim que gostava de ser chamado).
Quando desembarcou na Holanda, as tulipas tremeram de medo e logo murcharam (naquela primavera o lucro pela exportação de flores holandesas foi zero). Para todos os holandeses escutarem onde ele estava passando, começou a usar um belo par de tamancos de madeira (só pelo som os nativos fugiam de medo), depois que foi embora sem matar ninguém, os sapatos tornaram-se típicos do país.

Na Suíça, a coisa foi feia, muitas suíços tiveram que se abrigar no alto dos alpes para fugir dos tiros de canhão e das barbaridades feitas por lá: para começar, Vic-pé-de-ferro (outro apelido do pirata) tirou o máximo de leite que conseguiu de todas as vacas do país. Em seguida, comeu todas as barras de chocolate que encontrou. Querendo riquezas, entrou de casa em casa procurando ouro, mas as poucas jóias que encontrou eram banhadas ou falsas. Não preciso dizer que ele ficou furioso, porém o país pagou caro pela má recepção: todas as casas da capital foram incendiadas (ninguém morreu, ele deixou as pessoas fugirem. Sabe como é, ele era malvado e bonzinho - ao mesmo tempo).
Depois de muitos saques e anos de vida, Victor veio construir uma vida de pirata aposentado no Brasil e foi aqui que ele se casou (aos 70 anos de idade) com uma linda mulher (de 65 anos), era o amor que ele nunca encontrou em seus roubos e dinheiro.
Finalmente, ele era feliz.
Fim.
- Parabéns, filho! Você fez toda essa história sozinho?

Victor não precisava sair do seu quarto para viver a alucinante vida de pirata que ele sempre sonhou: ele tinha imaginação, papel e caneta. Bastava para criar a história perfeita.

2.12.07

sobre uma conversa alheia.

- Quanto tempo, Gabi!
- Paulo? Nossa, você tá diferente, hein?
- Deve ser a barba. Você cresceu também!
- Ah, para! Você sempre me zoa. Sou baixinha mesmo!
- Haha. O que você está fazendo por aqui?
- Ah, nada. Esperando uma pessoa. E você?
- Também. Era pra ela já ter chegado.
- É, ele também.
- Shoppings são péssimos lugares para encontro!
- Ainda mais quando é encontro marcado por internet.
- Verdade, essa de chats de encontro não dão certo.
- Nunca, mas eu ainda tento. Vai que um dia... Sei lá!
- Pode ser. Você sempre foi cheia das esperanças.
- Melhor assim. Eu gosto, melhor que você que sempre vê o lado ruim.
- Na verdade, eu vejo o lado certo dos acontecimentos.
- Pode ser, vai.
...
- É.
...
- Ela não vem?
- Quem? A que eu to esperando?
- É né.
- Vem, eu acho. E o seu "prícipe encantado" vem?
- Ah, nessa altura do campeonato: duvido.
- Porquê?
- Era encontro marcado pela internet e sempre 'mia'.
- É, o meu também era um desses.
...
- Quer tomar alguma coisa, Gaby?
- Mas e se...
- Se chegarem? Ah, eles ligam pra gente. Já esperamos muito!
- É... isso é verdade. Tá, tá, vamos, mas pelos velho tempos. Ok?
- Tudo bem. Pelos velhos tempos.
Paulo e Gabrielle eram ex-namorados, mas ainda se amavam. O destino só deu um jeito de se encontrarem denovo:
Quando é pra ser amor, dá certo de algum jeito.

1.12.07

sobre uma enxada.

Os olhos eram sofridos, cansados e pareciam pesar na face, o corpo estava arqueado e cavava insistentemente um buraco com uma enxada velha, as mãos calejadas pulsavam doloridas pelo esforço, uma esperança morria dentro dos pensamentos, uma alma ferida - quase morta - gemia de dor dentro do peito.
"Só mais um pouco" ele pensava entre uma enxadada e outra, mas não falava nada; a terra sangrava vermelho entre uma pancada e outra, mas não reclamava também. Ninguém dizia nada, mas o vento brincava de fazer barulho nos ouvidos do coitado cavador.
"Você precisa mesmo fazer isso?" a voz da consciência condenava-o e trazia a resposta logo em seguida: "Não, mas eu quero". Talvez seja isso, as pessoas têm que parar de querer o que não precisam. Ele precisava de muitas outras coisas, mas só essa ele queria de verdade.
Ninguém podia impedí-lo, ele não estava acompanhado de ninguém, naquele momento eram ele, a enxada, a terra, o vento e a amarga solidão.
O buraco ficou pronto e um pouco molhado pelo suor de seu criador: uma cova perfeita pro que seria posto nela: ele as despejou, aos poucos e com cuidado, até transbordar um pouco. Colocou uma densa camada de terra com humus e vestígios de grama por cima para cobrir.
Olhou um pouco arrependido para a obra-prima que tinha feito aos seus pés, mas estava feliz por ter terminado tudo. Certificou-se que ninguém havia espionado-o e foi embora.
Deu passos pequenos e decididos por aquele campo gramado, no qual estava enterrado um punhado de lembranças de um simples homem que não tinha nada além de sua enxada e umas fotos velhas de seus pais.
Era um novo começo pra quem sempre tentou achar o fim da vida.

30.11.07

sobre a ladra mirim.

Uma menina, sua ânsia de ler para afugentar os medos, uma Alemanha em plena Segunda Guerra, um melhor amigo, um papai e uma mamãe de criação, umas sacolas de roupa para lavar e passar, uma casa grande e sua dona, uma biblioteca, uns roubos,uns jogos de futebol, algunas repreendas, umas bombas, um judeu amigo, umas vidas, uns sentimentos, uma cidade e sua narradora: a morte.

É mais ou menos esses os elementos principais do livro "A menina que roubava livros" de Markus Zusak, uma história que lhe envolve do começo ao fim e faz pensar em várias coisas. É difícil não se sentir comovido com a história da rua Himmel e sua ladra de livros: Liesel, que nos conduz à uma outra visão da Alemanha Nazista: a visão alemã da história.
A visão de Liesel que, em muitas vezes, é otimista em meio a tanta desgraça.

Mais uma vez, comprei o livro um pouco pela capa - a neve, a árvore pelada e apenas uma pessoa no meio delas (com seu guarda-chuva vermelho): a própria morte, que se demonstra humana em muitos trechos: ela tem pena de levar algumas almas, ela fica triste, ela sorri, ela reflete e, o mais importante, ela só cumpre o seu trabalho.

Como sempre, Markus acertou na escolha de sua história.
Eu recomendo mais esse livro.
Compre e se emocione.

29.11.07

sobre sobreviver.

[PROPOSTA DE REDAÇÃO B - UNICAMP 2008]

Seguro, entre as palmas estaladas de minhas mãos, a folha que eu gostaria de rasgar e fingir ser só mais um pesadelo: é um diagnóstico, o pior de todos. É por ele que confirmo todas as minhas cruéis expectativas sobre a minha saúde e o meu futuro. Me aproximo de uma cadeira da sala, sento e choro toda a minha alma, pois ela já não vale nada. Sei que se eu acordar amanhã, terei um dia difícil pela frete, dói ser diferente num mundo preconceituoso e é pensando no amanhã que meu peito aperta. Leio e releio aquela carta do médico e me sinto cada vez mais medíocre, "E depois de tantas coisas boas e antes de tantas outras, minha vida tem que acabar assim? Porquê?" - eu grito aqui dentro da alma onde só eu posso escutar. É difícil aceitar essa realidade que enfia a faca no meu peito aos poucos e ri enquanto agonizo: eu morro por dentro, mas preferia morrer por inteiro - não quero aguentar me olhar apodrecer pelo espelho. Escorre uma última lágrima pelo meu rosto pálido e gelado: eu tenho AIDS.
Já está tarde o suficiente, me recosto no sofá confortável e durmo - eu mereço dormir depois desse soco no estômago.

Acordo no outro dia e sinto o gosto da verdade na boca - é amargo, quente e definhador, um suco denso que vou tomando aos poucos. Não me sinto bem, minha cabeça está rodando alucinadamente e desejo ficar em casa, mas não posso: uma pilha de processos pretendem passar pelas minhas mãos ainda hoje.
Me arrumo e fingo pra mim mesmo que tudo acabará bem. Saio de casa e dou uma boa fungada de ar puro, seguro-o por algum tempo dentro dos pulmões e depois solto aos poucos. Pego o ônibus e vejo num canto a placa "Lugar preferencial para idosos, gestantes, deficientes fisicos" e pixado à mão embaixo "aidéticos sintam-se a vontade." - me dá náuseas, a minha vontade é de gritar e chingar cada um que está nesse veículo, mas não o faço - eles não tem culpa.
"Ninguém nunca tem culpa, merda." eu me conforto enquanto, em passos pequenos, envergonhados e decisivos me sento numa das cadeiras especiais. Me olham, uma mãe comenta com a filha - "ele tem aids" -, um velho, antes sentado na minha frente, se levanta e mantém distância. "Aids não passa assim, meu senhor" tenho vontade de dizer-lhe, as palavras se calam antes de chegarem à boca.
Um a um, aquele ônibus se esvazia e volta a se encher, só uma coisa é constante: os olhares de nojo que se apontavam para mim. Não desci no ponto que deveria, não vou mais para o trabalho - quer saber? a papelada do governo que se exploda, eu vou cuidar da minha vida.
Eu grito, dessa vez o som sai e todos ouvem:
- Cuidem das suas vidas, seus vermes imundos.
Ouço uns murmúrios de risos, mas logo param.
O ônibus chega no terminal e todos descem, eu espero um pouco.
- Ei moço, você precisa descer. - o cobrador me avisa.
Eu levanto, olho as pessoas passando apressadamente do lado de fora, chego na porta.
- Desculpa, moço. - o cobrador se justifica.
As palavras martelam minha cabeça sem dó - "Desculpa pelo quê?". Não respondo, pois não há o que dizer. Abaixo a cabeça, olhos os degraus e desço do ônibus. Escuto meu coração bater quente no meu peito machucado, eu suo e minhas pernas tremem em aceitar a realidade: daqui pra frente eu estou sozinho, mas levo comigo a certeza que o meu dia seguinte pode não chegar.
Eu choro.
Eu tenho AIDS.
Eu sobrevivo.

28.11.07

sobre sua ilusão.

Perco o sono e me viro na cama. O colchão nunca pareceu tão desconfortável e o travesseiro está quente. Odeio essas insônias que me pegam de surpresa e fazem a noite parecer uma eternidade. Me viro de novo, essa minha movimentação contínua na cama deve ajudar a afugentar meu sono.
- Quero dormir! - falo para mim mesmo.
- Você não vai conseguir. - a minha consciência responde instantaneamente.
Desisto de tentar, me levanto, dou uma volta, mas não acendo a luz - prefiro manter meus olhos acostumados ao escuro, tomo um gole de água que assume um sabor indesejável de boca não escovada. Sento no sofá e penso. Penso. Penso. Não devo conseguir adormecer por esse tanto de pensamentos que rodeiam minha cabeça - os afugento chacoalhando minha cabeça, se vão, porém você fica - ah, você nunca vai embora. Fico imagino nossos encontros, eu e você o tempo todo. Me deito mais uma vez e tenho o sensação que você está ao meu lado. Te abraço, sinto o seu calor, o seu cheiro - eu adoro seu cheiro!
- Boa noite, meu amor - eu digo na sua orelha.
Te beijo no rosto e não durmo - não fecho os olhos nenhuma vez, para ter certeza que você não irá embora, pelo menos dessa vez.

27.11.07

sobre quatro pegadas.

Olhei para trás e vi várias pegadas minhas na areia, todos os dias bem cedo eu andava na praia - era minha rotina, mas dessa vez faltava algumas outras coisas - 4 outras pegadas, para ser exato, era o que faltava. Dei mais alguns passos, mas as lembranças não foram embora.
Escutei um latido vago no ar, tentei achar de onde vinha e entendi que era só ilusão - uma pena. Tirei os tênis e me deixei pisar na areia ainda gelada, a maré ia e vinha e, as vezes, molhava meus pés - eu ria, eu corria, eu sentia - a falta do meu companheiro.
Cavei ao meu lado as outras 4 pegadas que faltavam, para ver se melhorava essa dor de culpa. Nada, ainda sentia um vazio aqui dentro.
Sentei encima d'uma folha de bananeira que dormia sozinha perto do mar. Eu me sentia sozinho e essa sensação não passava (e jamais vai passar). Abro os braços na espera de que ele pulasse no meu colo e se acomodasse entre minhas pernas e minha barriga, mas ele não veio e, em seu lugar, senti o vento bater contra meu corpo como consolo.
"Foi culpa minha, eu sei!", me repreendia de hora em hora, achando que assumir a culpa melhoraria meu dia, porém só piorou meu humor: deu vontade de chorar, mas segurei as lágrimas dentro dos olhos - tentando sufocar minha alma.
Levantei e corri sem direção pelo que restava da praia. Joguei nas ondas a minha máscara de tentar ser forte e chorei até soluçar.
- Eu preciso de você - gritei pro mar, pro mundo, pra areia - que guardava dentro dela as pegadas dele.
Derrotado, deitei na calçada de barriga para cima e vi sua silhueta nas nuvens - sim, era pro céu que ele havia ido. "Porquê?", eu me perguntava quando uma senhora que caminhava me cutucou.
- Você está bem, meu rapaz?
Me levantei e fingi um sorriso.
- Claro! Só um pouco cansado.
Voltei para casa sozinho, assim como cheguei na praia, mas a saudade do meu cachorro me acompanhava - marcando no asfalto as as quatro pegadas que faltavam.

26.11.07

sobre as férias.

Essa sensação de não ter que fazer nada é muito boa.
Sim, as férias chegaram. Finalmente.

25.11.07

sobre ser o mensageiro.

Sempre que não preciso arrematar os livros que a escola pede, gosto de ler um ou outro best-seller ou clássico por conta própria - é uma diversão que me desliga, por algumas páginas, do mundo real que eu não posso inventar.
Um dos meus mais recentes livros de cabeceira eram o "Eu sou o mensageiro" de Markus Zusak que soma elogios pelo seu "A menina que roubava livros". Mas falemos sobre o "Eu sou o mensageiro" que traz nas suas páginas uma fascinante e diferente história que te envolve do começo ao fim. Confesso que antes de ler o resumo do livro, já queria adiquirí-lo só pela capa que tem uma arte gráfica brilhante e muito convidativa: senti que ele seria meu preferido - e por enquanto é.
O livro em primeira pessoa, narra a história de Ed Kennedy, um perdedor de marca maior que num belo dia intercede um assalto a um banco. Desde então ele começa a receber cartas - áses do baralho - pelo correio, cada um com alguns endereços e mais nada. Ficava nas mãos do loser descobrir o que fazer em cada lugar - ele era um mensageiro que não sabia o que dizer.
Uma história fascinante que não lhe decepciona no fim.
Está com tempo livre? Aproveite e compre esse ótimo livro.
Nem que seja só pela capa.

24.11.07

sobre tudo que eu queria.

Meu coração estava dando pulos; uma gota fria de suor desceu por toda minha testa e parou na sobrancelha - eu não me importava com ela, eu estava muito mais concentrado no que ia se passar depois; minhas mãos ensaiavam rapidamente cada um dos movimentos; eu era o próximo e estava apreensivo por isso.
Falaram meu nome, era a minha vez.
Só eu me levantei, ninguém estaria de pé ao meu lado para me dizer o que fazer. Fechei os olhos antes de qualquer coisa: respirei fundo; orei; senti que todos os dias de treino valeram a pena - estava confiante pelo que iria fazer; criei coragem para dar os passos em direção a um bom começo ou uma estréia ruim - sentia dentro do meu coração que daria certo.
Não tinha volta, não tinha para onde correr.
Segurei as baquetas com uma segurança que nunca imaginei ter - eu estava tranquilo. As grandes teclas daquela marimba me pareciam ser velhas conhecidas - as cumprimentei, mas elas não me ouviram; todos me olhavam esperando a primeira nota e eu esperava que alguém a tocasse, mas desta vez a responsabilidade era minha: eu tinha que emocionar.
Toquei o primeiro 'sol' e todo o resto da música sem parar nenhuma vez, diferente de muitos outros ensaios; o silêncio contemplava cada acorde novo que aparecia na partitura; naqueles minutos em que fiquei de pé, eu era o poeta e não precisei dizer nenhuma palavra.
Um 'ré' último anunciou o fim de um percurso inteiro que eu percorri; fiquei, por alguns segundos, estático pensando na minha boa apresentação; logo vieram as palmas e a sensação de dever cumprido, mas ainda faltava uma coisa: eu sabia o que era, ele sabia o que era.
Eu o olhei e pude ver dentro de seus olhos encharcados a minha maior alegria: a felicidade de meu pai e isso valeu mais do que mil notas certas num concerto.
Era o meu e melhor prêmio daquela noite, talvez da minha vida toda.

23.11.07

sobre o céu.

O céu está lindamente nublado assim como o meu humor. O meu amor. A minha vida.
Sou eu que estou mudando e preciso me conformar com isso. Até amanhã tudo terá acabado - eu espero, pois amanhã é o dia - o meu dia. Estou tranquilamente apavorado pelo que vai acontecer:

"Vai dar certo" eu me convenço de hora em hora.
"Vai dar certo" tentam me convencer de hora em hora.
"Vai dar certo" eu digo para todos que me perguntam.
"Vai dar certo" meus ouvidos estão cansados de ouvir.
"Vai dar certo" o cinza das nuvens me diz.

O céu continua nublado, mas aqui dentro...
Ah, aqui dentro minha alma sorri.

22.11.07

sobre gavetas.

Dei para arrumar as gavetas da cômoda e do armário do meu quarto e arrancar de lá todas as inutilidades que guardo por tempo ilimitado. É verdade, tenho que confessar, eu tenho uma mania de guardar papéis com lembretes - para mim mesmo, começos ou finais de livros que um dia escreverei, letras de músicas que comecei a compor e, na sua grande maioria, pensamentos alheios que um dia fizeram sentido - ou ainda fazem.
E foi entre uma folha rasgada e um bilhete dobrado que eu li o quê eu mais queria dizer nesta tarde um pouco fria de novembro: "Não tente entender, o mundo dá voltas e você vai sobreviver".
Foi um pouco conflitante saber que as palavras que eu mais queria ouvir naquele momento, foram ditas por mim mesmo há algum tempo. Me senti em um daqueles filmes que o cara volta para o passado e deixa algumas pistas para ele mesmo sobre o futuro. Todavia, foi aliviador ter na língua as palavras que eu não conseguiria pronunciar sozinho.
Minha cabeça já está um pouco menos pesada, mas ainda seguro bem firme o pedaço de folha sulfite que salvou meu dia - não quero perdê-lo em algum canto de gavetas (cheirando lembranças) mais uma vez.
Sinto que o mundo está girando: eu vou sobreviver.

21.11.07

sobre a velha falta.

Hoje não estou dado às conversas, quero ficar no meu (e só meu) espaço sem interrupções, por favor. Vou colocar apenas uma música no MP3 player, para ouví-la várias vezes enquanto estudo. Sim, me deu uma repentina vontade de mergulhar nos livros - na verdade, preciso revisar o conteúdo para as provas que começam amanhã. Quero escrever um livro inteiro, mas não acho tempo suficiente para me dedicar ao projeto. Desejo ler o máximo de livros que eu conseguir e, depois, resumí-los do meu jeito.
Tudo isso para suprir essa falta, sim aquela a velha ausência de alguma coisa, que eu não sei o quê é, voltou para acabar com minha constante felicidade.
Por que esse misto de vontade e falta do que querer é tão agoniante?
Preciso tomar um banho e deixar que a água leve pelo ralo todo esse meu humor estranhamente confortante.

20.11.07

sobre um sabor amargo.

Um gosto ferroso inundou todo o seu paladar e não era sabor de sangue - não cheirava e não tinha cor de sangue, mas estava lá e não iria se dissipar tão cedo. Engoliu mais um pouco daquela saliva quente e estranha, aproveitando cada gota do líquido viscoso. Flávio nunca tinha provado daquela sensação, porém tinha certeza do motivo de tudo aquilo: e saber só deixava sua boca cada vez mais amarrada.
Colocou a cabeça entre as pernas, tentando esconder as lágrimas que recobriam suas bochechas - ele preferia ter apanhado a levar aquele soco na boca-do-estômago da vida - a vida é má o suficiente para acabar com a vida de qualquer um. O corpo ficou cada vez mais mole e sem motivação para se levantar daquele degrau da praça. Gritou, mas o som permaneceu quieto em seu peito. Deixou que uma ave pousasse em sua cabeça, sentiu uma massa densa se estabelecendo junto a seus cabelos: era seu prêmio de consolação.
Fazia frio naquela tarde de Junho e ele não usava casaco, mas não precisava - sentia o calor que vinha de dentro da sua alma magoada e viva. Engoliu mais uma porção daquela substância se instalara na sua boca - continuava estranha e deliciosamente consoladora.
Era o sabor amargo da verdade que ele nunca esperou saber, era o sabor de um coração que implorava por ser arrancado do peito.
Era a dor de perder um filho.

19.11.07

sobre esse vazio.

Me sinto vazio. Vai ver a culpa é da sua falta - mas falta de que? É isso, me sinto vazio por não sentir falta de nada. Enquanto as coisas vão de vento em polpa, não nos expressamos muito bem, a felicidade não é tão poética como a dor - a dor de amar, de perder, de existir. É a dor que nos faz viver. Viver para buscar a felicidade.

É, deve ser por isso que me sinto assim.

18.11.07

sobre Fernanda.

Por mais que soubesse que era preciso dizer palavras de consolo, Fernanda não tinha o que falar - uma sensação que a machucava por dentro. Ao observar que todos a olhavam, ficou apreensiva e com vontade de sair correndo, mas não podia - as pessoas estava ali para escutá-la.
- É a vida e sua intrigante injustiça. - "Droga, não era para falar isso", ela se culpava pela frase mal-feita que acabara de pronunciar.
- Coitada, está muito abalada... Não está conseguindo nem raciocinar direito - comentava-se uns com os outros.
"Preciso falar mais alguma coisa, eles estão esperando", Fernanda esboçou um pequeno discurso mentalmente.
- Prezados amigos e amigas, sei que estão aqui pela mesma razão que eu estou, e por isso dói muito. Nesta tarda cinza com garoa viemos aqui para homenagear uma das pessoas mais honrosas que eu já conheci: meu pai.
Ela fechou os olhos tentando achar forças para as próximas palavras; uma lágrima se cristalizou na bochecha rosada da pobre garota de dezessete anos.
- Meu pai fez o seu melhor sempre e, com muito amor, contruiu uma família. Hoje, quero agradecê-lo pelo seu esforço. Obrigado pai.
Se ajoelhou ao lado caixão posto no meio da sala, orou silenciosamente algo que ninguém escutou e chorou toda a sua tristeza. Um arrepio percorreu sua pele - era o frio daquela manhã de Julho, mas ela desejou que fosse seu pai a segurando no colo para sempre. Era uma sensação que ela nunca esperou sentir.

17.11.07

sobre o supermercado.

Somente naquela tarde não havia congestionamento no trajeto entre a casa de Hugo e o supermercado - talvez fosse um sinal que alguma coisa iria acontecer, mas ele nem se importou. Em tempo recorde, 15 minutos, ele já havia estacionado o carro e se dirigia à porta principal quando escutou um grito.
- Todo mundo pro chão, isso é um assalto.
Seu coração queria pular para fora do corpo.
Ele estava a alguns metros do ladrão e apenas uma porta de vidro os separava.
Se olhavam, mas não se reconheceram.
Hugo por um pequeno instante sentiu náusea, mas logo se recuperou ao escutar um tiro: não era em sua direção, era para o teto - só para assustar. Sem pensar, ele saiu correndo em busca de socorros. "Mas que cara burro, assaltar um supermercado cheio em plena tarde? Ele pensa que vai conseguir alguma coisa com isso?", achou um orelhão e ligou para polícia.
Lá dentro, o jovem de uns 25 anos continuava gritando e gesticulando com a arma na mão.
- Eu quero todo o dinheiro e rápido! Se não essa atendente morre! - apontou a arma para uma das moças que ficam no caixa.
Foi entre o assaltante receber a penúltima e a última sacola de dinheiro para seis carros da polícia chegarem e bloquearem a saída.
Hugo observava tudo de dentro do seu carro parado do outro lado da rua. Ele pressentiu que mais surpresas estavam por acontecer, mas ignorou a sensação.
- Saia do supermercado com as mãos na cabeça, você não tem como escapar!
O assaltante, que mantinha a arma na cabeça da mulher, pensou em suas possibilidades e percebeu que não tinha escapatória. Ele sabia, mas só ele sabia que a arma não tinha mais munição. Decidiu apelar.
- Eu não saio e vocês não entram, se não eu mato essa pobre coitada!
Os guardas conheciam mais de armas do que o infeliz imaginou - logo que ele balançou a pistola, os policiais perceberam que não havia bala no gatilho.
Decidiram entrar.
Hugo ficou tenso dentro do carro, sentiu seu próprio cheiro do medo.
Ouviu outro tiro.
Em uma jogada arriscada, o bandido carregou a arma e disparou, mas, ao contrário de sua espectativas, havia uma ultima bala no pente. Hugo sentiu seu corpo estremecer: o cano da arma não estava apontado para a cabeça da mulher, mas sim para a própria cabeça do bandido azarado.

16.11.07

sobre o amanhã.

O tempo é uma das mais intrigantes questões, por isso é a base de tantos estudos. A origem da vida na Terra, por exemplo, está em função do tempo: quanto mais velha ela for, maiores são as chances da teoria de Oparin ter acontecido. Ou então, aquela que é a maior de todas as questões, quanto dura o infinito? "Oras, dura uma infinidade de tempo", é pode ser, mas quanto dura essa tal de 'infinidade'? É tão complicado pensar sobre isso, que até dá nó nos pensamentos.

Ao invés de pensarmos no tempo apenas em dimensões tão grandes, falemos sobre sua influência no nosso cotidiano.
Começando pelas horas - uma convenção que dividiu o tempo de um dia inteiro em 24 partes iguais. Nos dias atuais, é quase impossível viver sem elas, pois baseamos toda a nossa rotina e agenda nelas! Imagine-se chegando para seu chefe: "Podemos marcar a reunião de amanhã quando o sol estiver perpendicular à Terra?", seria um caos tremendo.
Existe ainda as classificações temporais: o momento em que eu comecei a escrever essa linha já é passado, o presente fica por conta de você que lê o texto agora, o futuro é o que acontecerá depois.
Mas o futuro nunca chega. Explico: O futuro é sempre o por vir e ao se realizar, perde sua característica fundamental, tornando-se presente. O futuro é uma convenção na qual estruturamos nossos sonhos: tudo acontecerá amanhã - "Amanhã eu estudo", "Amanhã eu resolvo isso", "Amanhã é o dia". O 'amanhã' é um lugar seguro para se estar, pois no 'amanhã' só acontece o que a gente quer.

E pensar que eu perdi meu tempo para chegar à nenhuma conclusão.

15.11.07

sobre viver de verdade.

Ele não se sentia bem, seu humor estava confuso, assim como suas idéias. Ele estava cansado da estável perfeição que se encontrava: as coisas davam certo e, quando não davam, se confortava pensando na próxima vez. Ele queria ousar, dizer não, viver de verdade.
Heitor havia decidido mudar de vez.
Encarou os fatos e decidiu deixar toda a sua rotina por um dia e poder ser ele mesmo. Logo de manhã, ele abasteceu o carro e saiu a procura de nada.
"O melhor da vida é não ter destino".
Decidiu pegar a estrada e ir para onde seu volante mandasse.
"Quanto mais longe melhor".
Passou em alta velocidade as árvores que beiravam o acostamento, abriu o vidro e deixou que o ar daquela manhã clara e linda enxesse seus pulmões.
"Por que eu nunca fiz isso?"
Começou a cantar uma ou outra canção do seu jeito: sem rítmo, desafinado e com emoção.
Virou em uma bifurcação pouco conhecida.
Trocou de música.
Se sentiu sozinho: ele, seu ego e seus sonhos.
Estava na hora da primeira parada: tomar café-da-manhã no posto. Ele sabia o que iria pedir - o mesmo que seu pai pedia quando paravam no meio de qualquer viagem -.
- Um pingado, um pão-de-queijo e um pacote de bala-de-goma.
O cheiro do café-com-leito era de infância e o sabor, de lembrança.
De volta ao carro, sentiu um pouco de peso na consciência de não ter ido ao escritório.
"Se eles estiverem se perguntando por mim?"
Tentou esquecer do trabalho.
"Eu não preciso daquilo, olha onde eu estou!"
Mas a dor-de-culpa matava-o por dentro.
"Preciso trabalhar".
Engoliu uma bala-de-goma à seco.
Se conformou em voltar.
Voltar para sua reconfortante perfeição.

14.11.07

sobre solidão.

Abri a porta e entrei em casa; a minha roupa cheirando a escritório me dava ânsia; senti a estranha sensação de que alguém me observava: era meu cachorro que veio me pedir um carinho. Abaixei, estendi a mão sobre a penugem densa do animal, cocei a sua cabeça e dei-lhe um beijo. Faltava-me forças para levantar do chão, pois minha cabeça girava em uma velocidade alucinante e eu senti que iria desmaiar, mas me restou um pouco de coragem e eu cheguei ao quarto. Me troquei, me deixei sentir a brisa da noite, me amei - já que ninguém fazia isso por mim.
Agora, abraçado à mim mesmo, sentia o pulsar do meu coração; falei meu nome baixinho tentando imaginar uma outra voz - um sussurro feminino, quem sabe. A foto da parede (que era dos meus pais) sorria para mim - como forma de consolação. Eu não sorri, não era preciso para entender que eu os queria de volta. Eu não senti, por mais que a foto me desse tristeza em outros dias, hoje eu não iria chorar, por que eu estava confiante o suficiente para entender meu destino inviolável: a solidão.
Me joguei encima da cama de braços abertos, mas a sensação do abraço continuava impreguinada na minha pele.
Era a vontade de amar.

13.11.07

sobre guarda-chuva.

Chovia forte, era uma destas tempestades de verão.
Pra variar, eu estava na rua e sem guarda-chuva.
As gotas violentas molhavam toda a minha roupa, até pareciam pequenas bolas de fogo de tão ardidas que encostavam em mim. Corri, como se eu fosse vencer alguma maratona, mas não cheguei a lugar nenhum. Nada, nenhuma loja que pudesse me abrigar, estava sozinho.
Ou quase isso.
Na esquina, sentada entre uma lixeira e uma casa, vi uma menininha vestida por um guarda-chuva. Ela não chorava, apesar de parecer sozinha. Apenas aguardava que o céu parasse de despejar água sobre sua cobertura vermelha.
Um vermelho lindo que contrastava perfeitamente com o cinza escuro do céu.
Me aproximei, ela não me notou.
Seus olhos estavam concentrados em ver seu reflexo molhado em uma poça suja.
Chovia forte ainda.
Agachei ao seu lado.
- Ei, menina.
Ela não respondeu, mas me olhou.
Sorriu, ela não tinha um dos dentes-de-leite da frente.
- Você está aí?
Ela gargalhou.
- Oi, seu moço.
Sim, ela havia me escutado.
- Onde eu consigo um desses aí?
- Um guarda-chuva?
- É.
- Ganhei, eu acho. Estava por aí e eu peguei.
Uma pequena ladrazinha.
- Ah, sim. E está fazendo o quê aqui?
- Sentada? Estou esperando.
- Esperando? Quem?
- Meu pai.
Ela fechou seu sorriso, parecia ser muito mais velha agora.
- E ele volta quando?
- Não volta, eu sei. Ele se foi para sempre, mas minha mãe me disse que é mentira.
Chovia forte ainda.
Eu estava confuso.
- Mas então por que você o espera?
- Ele não vai voltar, mas está aqui.
- Aqui?
- É, lá em cima me olhando - ela sorriu com os olhos - e está com saudades, eu sei.
- Sabe? Como?
- Sei porque ele está chorando.
Chovia forte ainda.

12.11.07

sobre uma pequena caixa.

A noite estava densa lá fora e aqui dentro ela se preparava para seu ritual noturno.
Os olhos cansados daquela pobre velha se fixaram na mobília antiga que enfeitava o quarto, se aproximou dela.
Respirou fundo. Uma, duas, três vezes.
Era muito importante aquele momento.
As mãos enrrugadas abriram suavemente a primeira gaveta, no meio das peças de roupa havia uma caixinha - pequena, cor de madeira velha, cheiro de memórias.
Respirou fundo. Uma, duas, três vezes.
Ela queria chorar, um choro angustiante que vinha da alma.
A sua alma estava cheia de amor e solidão que se colidiam lindamente.
Ainda com a caixa na mão, falou um nome bem baixinho, "Adolfo", era seu marido falecido - vai ver era por ele que ela queria chorar.
Sentou-se na cama, tentando se convencer que aquilo era o mais normal possível.
Tirou a tampa de mógno da caixa, dentro dela havia duas fotos antigas do seu casamento.
De repente uma música começou a soar de dentro do porta-jóias, era uma valsa linda e serena.
Respirou fundo. Uma, duas, três vezes.
Se levantou, forçou um diálogo imaginário com seu falecido esposo.
Começou a dançar valsa, sozinha.
Os passos exatos, o corpo ereto, e a sensação que havia um outro corpo colado ao dela.
Era a sensação de ter o marido mais uma vez, pela última vez.

11.11.07

sobre chegar em casa.

Abri a porta de casa. Senti o aroma de torta: estava na hora do jantar.
- Filhos? O papai chegou!
Logo todos os três vieram correndo me abraçar.
Os abracei, como é bom sentir aqueles pequenos pedaços de mim envoltos nos meus braços.
Fechei os olhos e desejei que durasse a vida inteira.
Se pudesse, desejei que durasse toda a eternidade.
- Que saudade, pai.
Pai, era assim que eu me chamava naquela casa.
- Você chegou tarde. Eu queria que você tivesse me ajudado com a lição.
Um frio percorreu minha espinha. Eu queria ficar todas as horas do dia com eles, mas era necessário ir trabalhar.
Mas eles não entendem. Eu também não.
O terceiro não me disse nada e eu estranhei.
"Justo ele que é o mais falador dos três? Algo aconteceu."
- O que aconteceu, Henrique?
Ele disfarçou, soltou minha perna e se fez de forte.
- Nada.
Ele não iria falar, não na frente dos outros.
Era hora de ficar sozinho com ele.
- Podem ir brincar, mas eu quero conversar com vc, Rique.
Ele ficou um pouco mais. Nos sentamos: eu no sofá, ele em mim.
- Filho, você está meio triste. Conta pro pai o que foi.
- Ah... Você sabe.
Saber era o que eu mais queria.
- Eu sei filho, mas conta pra mim. O que aconteceu?
- Não era nada, mas você não disse que estava com saudade de mim.
Era isso? Era saudade, só isso?
- Filhão. claro que o papai sentiu saudade de você! Eu sempre sinto.
As palavras mágicas, eu as havia dito.
Ele abriu um sorriso e deixou que o brilho inundasse seus olhos.
Ele estava feliz de novo e voltou a brincar.
- Te amo, pai.
Mais uma vez, eu era o PAI.
E isso me confortava.

10.11.07

sobre a musa do metrô.

Eu estava sentado em um banco no fundo do metrô, comendo batatas fritas e lendo. O jornal daquele dia trazia as notícias que meus ouvidos já estava formigando de tanto escutar:
Morte, dor, sofrimento, o fim do mundo.
É chato saber que ninguém mais bota fé no mundo e eu sou um deles.
O metrô chegou na Estação da Sé. Muitos saíram e entraram.
Eu olhei na direção da porta e ela olhou pra mim. Eu pisquei e sorri.
A batata-frita ficou sem graça e gosto, perdi a vontade de ler.
A minha cabeça insistia em rodar me deixando sem ponto de gravidade.
Achei que iria cair, mas estava sentado: uma sorte.
Sorri de novo, ela nem se quer me olhou.
Ela não iria me notar, ela não me queria.
Droga. Voltei pro meu mundo das palavras.
Ela não iria vir até mim e nem podia, era só uma camiseta vermelha.
Surrada, mas linda.

9.11.07

sobre rasgar memórias.

Cansei.
Deve ser por isso que minhas semanas têm ficado cada vez maiores sem atrativos.
Preciso amar. Deve ser isso. Só pode ser isso.
Faz um ano que não me apaixono, falta de prática? Duvido.
É medo mesmo. Medo de se repetir tudo que aconteceu.
Eu jurei pra mim mesmo que seria ela, só ela.
Eu a amava, bastava para ser feliz.
Mas.
Um dia, depois de uma briga feroz, eu decidi ir embora.
Na verdade, ela foi embora.
Eu só fiquei olhando, tentando me convencer que era um sonho.
Eu não a vejo mais e ela não olha na minha cara.
Nós fomos feitos um para o outro.
Porém a perfeição estragou tudo.
A perfeição sempre estraga: quando as coisas ficam suficientemente boas, acontece uma outra que estraga tudo.
Porquê?
Onde você está agora, além de aqui dentro de mim?
Eu faço isso pra esquecer. É, pode ser. Prefiro me enganar assim.
Eu não errei, dói menos mentir.
Hoje é o dia.
O dia de rasgar minhas memórias velhas.
É hoje o dia.
A vida continua.

8.11.07

sobre Carlos.

Carlos era escritor e não sabia nada sobre o mundo. Era como se ele vivesse nas suas histórias de ficção toda sua vida. Nenhum dos fatos cotidianos eram absorvidos sem antes serem misturados a histórias inventadas por ele. "Uma árvore caiu com a chuva", logo ele pensava num deus grego rompendo com o caule da coitada. Vai ver era por isso que seus poucos conhecidos preferiam manter distância.
O seu melhor livro vendeu um bocado de cópias, chegou até a terceira edição, o título da obra era "O cotidiano mirabolante", a história de um rapaz que vê na arte sua salvação do mundo que não o compreendia: a pura literatura romântica de um personagem que ele conhecia muito íntimamente: era uma auto-biografia.
Ontem, Carlos decidiu mudar sua forma de ver o mundo. Começou por aceitar uma das verdades incontestáveis: a Terra é redonda. Pois até ontem ele tinha sua própria teoria que o nosso planeta era uma ilusão mantida por uma máquina - no estilo Matrix. Decidiu também começar a comprar roupas, pois ele só usava roupas que tinham sido de seu avô paterno: seu ídolo. O velho cursou, durante seus 80 anos, cinco faculdades incompletas e abidicou dos estudos quando decidiu escrever.
Assim como Carlos, seu avô estreveu apenas livros sem sucesso. Tá, um teve certa repercução, "O fogo que escorre de mim", chegou a ganhar um prêmio: a pior obra de ficção de 1997.
Porém nesta manhã era diferente, saido da loja de roupas, com todo o visual novo, decidiu comprar um barbeador e um desodorante - artefatos dos quais ele havia abidicado faz tempo.
Passou a se alimentar de fast-food, nada mais de regimes indus - agora ele queria carne.
Chega de socialismo, ele queria comprar e comprar cada vez mais.
No fundo, ele chegou a conclusão que era estranho. Mas foi bom, pelo menos ele se aceitou. Ele era um perdedor, mas quem se importava com isso?
Qual era o nome dele mesmo?

7.11.07

sobre o outro lado da cama.

O lado direito da cama ainda estava quente, Roberto havia saído há pouco tempo: ele havia ido embora para sempre (pelo menos era o que sua carta dizia). Beatriz ainda possui duas deliciosas horas de sono antes do seu infernal despertador tocar durante alguns eternos segundos.
"Bia, Vai ver que um dia você intenda meus motivos, mas eu tive que ir embora. Não se desespere, pois você merecia algo melhor que eu. Talvez eu nunca tenha te contado, mas meu amor por você nunca foi verdadeiro e minhas palavras eram apenas uma forma de lhe iludir. Querida, eu sei que você irá chorar e me odiar pelo resto da sua vida, só que eu não queria mais essa vida de mentiras, sim, eu te trai e por isso não consigui mais aguentar essa dor. Roberto."
Ele imaginou que a carta a faria chorar e mais do que isso, ela se sentiria tocada pelas palavras e não ficaria tão magoada. Ele imaginou, apenas.
O relógio tocou, Beatriz esfregou os olhos algumas vezes para desenbaçar a vista, desligou o relógio e viu ao lado desse um bilhete escrito às pressas. Ao sentir o outro lado da cama vazio, já imaginou do que se tratava, não abriu a carta, não a leu. Ela não queria escutar pulsar nos seus ouvidos as verdades que ele queria falar.
Ele havia ido embora, e para ela foi só mais um fato do cotidiano.

6.11.07

sobre João.

Ele refletia sobre aqueles três últimos passos; olhou ao seu redor e percebeu que apenas ele e Deus compartilhavam aquele momento; deixou a brisa bater contra o seu rosto; fechou os olhos para não deixar uma lágrima escorrer; sorriu um sorriso nervoso e último; abriu os braços como se pudesse abraçar toda a cidade; estufou o peito com todo o ar que podia; sentiu que era a hora.
Com uma firmeza invejável, João deu aquelas últimas passadas e se jogou de cima do imenso aranha-céu onde trabalhava. Aquele filme da vida passou em sua cabeça - a infância em uma cidade pequena, a vinda para São Paulo, a falta de sossego, a traição da mulher, os filhos queridos, os pais, a bebida, o emprego bem-sucedido -, de repente uma imagem veio à sua lembrança: uma foto antiga tirada com toda a família em um Natal feliz. Foi então que ele entendeu a dor que sua família iria sentir com o seu ato, a falta que ele iria fazer, as lágrimas de sua mãe.
Angustiado elevou os olhos para cima, Deus continuava compartilhando o momento, mas não podia intervir na decisão do pobre homem: não havia volta.
Pediu desculpas para si mesmo; colocou a mão no coração que pulsava quente; estava com sua alma vazia; seu voou havia chegado ao fim.
Era Natal outra vez.

5.11.07

sobre lembranças.

Era uma tarde nostálgica - o sol custava a passar pelas nuvens-tom-de-chuva, o vento gelado colidia nas janelas de metal fazendo um uivo fantasmagórico, as árvores do quintal deixavam parte da sua copa voar mundo a fora, nenhum vestígio de vida ultrapassava as paredes daquela casa imensa onde morava, o seu quarto branco parecia cada vez menor, uma densa fumaça saía do escuro chocolate-quente que Clarice segurava enquanto se aquecia debaixo de suas várias cobertas.
Ela não pensava em nada, só estava ali olhando as ondas ínfimas dentro da sua xícara colorida, mas ela queria sentir: sentir o abraço de seu pai distante, a alegria de sua mãe falecida, as risadas dos irmãos mais velhos, o beijo do marido que não tinha.
Fechou os olhos, sentiu o calor da bebida que esfriava a sua frente, abriu os olhos, tomou um gole, sentiu toda sua garganta quente, amarrada.
Era a vontade de chorar, um choro sozinho, profundo e lindo como a manhã que se punha lá fora.

4.11.07

sobre coleções.

Aqui em casa, as coleções sempre inundaram minha casa. Cada época da minha infância junto com a do meu irmão, trouxe para aqui dentro um tipo de acervo diferente. Primeiro de tudo foram as moedas que não se acabavam mais, eram antigas, de outros países ou até mesmo atuais que, posteriormente, se tornaram lucro para a banca perto da escola.
Meu irmão desistiu do dinheiro de metal e passou a colecionar selos à todo vapor - conseguiu um escambal desses de outra nacionalidade, mas ainda assim a maioria era estampado pelos ritmos, frutas, paisagens e cores do Brasil.
Superado esse vício, começamos com os tazos - que viraram mania nacional -, a gente tinha um monte, quase uma caixa. O mais legal não era a coleção em si, mas era trocar os repetidos e, quando a troca não era feita, disputá-los 'batendo'. Nossa, como era demais! Se bobear, eu ainda tenho uns desses por aí.
Entre uma coleção passageira e outra, vinha aquela que todos já experimentaram pelo menos uma vez: as figurinhas. Fossem da Copa, de desenhos ou aqueles que vinham juntos com outras revistas, eles sempre marcavam presença aqui em casa aos montes. Novamente a diversão era outra: 'bater' todas as figurinhas repetidas, fosse uma normal por outra normal, três normais por uma brilhante ou uma brilhante por uma brilhante, o importante era sair com o monte maior do que no começo do jogo e, melhor ainda, era 'rapelar' o oponente.
Pelo jeito, as figurinhas percorrem os anos, não importa quando, mas basta ser lançado um novo álbum para um monte de gente adquirir o seu e começar a colecionar denovo. E não importa a idade, essa mania pega todo mundo, digamos que é um vício nacional.
Se você nunca colecionou umas poucas e boas figurinhas desculpa, mas sua infância foi recheada de quê?

3.11.07

sobre palavras.

Na sua ânsia por ler, ele esqueceu o mundo e todos os seus medos. Nada poderia lhe estragar a aventura que era mergulhar nas páginas cheias de vida daquela última edição do seu livro mais querido. Está certo que já o havia lido várias outras vezes, mas a cada nova leitura, os fatos pareciam transcorrer de uma nova forma desejavelmente deliciosa.
Agora, deitado naquela velha cama de mogno que fora do seu tio também, ele relia todo o prefácio daquela edição mais nova do seu preferido. Pela janela vinha um canto de pássaros que ele nem se quer notou que cantavam: o mundo estava estagnado para vê-lo ler.
Virou a página, o coração pulsou mais sangue que o normal, o suor frio molhou todo seu rosto moreno, os olhos negros se fixaram na página, ele não sabia, mas estava amando, amava de corpo-e-alma: as palavras eram suas novas amantes de cada noite sem dormir.

2.11.07

sobre mulheres.

Mulheres são razoavelmentes difícies de se entender, isso é fato comprovado pela ciência (ou não comprovado, mas continua sendo uma verdade).
A começar pelo humor inconstante que varia, num mesmo dia, de caras irritadas à sorrisos avassaladores. Sem contar as benditas TPMs que podem acabar com qualquer relacionamente estável.
Basta não gostar de um detalhe da sua roupa ou do seu cabelo ou da sua pele, que logo se torna um caos, "MEU DEUS! O QUE É ISSO, QUE HORROR!" - horror mesmo são os gritos e xiliques que elas dão sem motivo nenhum.
Falando em roupa, caramba, mulheres conseguem combinar cinco cores diferentes na mesma roupa, enquanto eu não consigo sair do preto-e-branco ou jeans-e-camiseta ou claro-e-azul. E mesmo assim, basta você não combinar a cor da meia com o cinto pro mundo cair de novo, "VOCÊ NÃO SABE SE VESTIR?" - e é numa dessa que o bom-humor feminino se desfaz denovo.
O pior é a hora de dar presentes - mesmo que você se esforce, se você não for escolher com sua mãe, desista você não vai achar um bom presente.
Primeiro, falemos sobre os chocolates: hoje ela está doida por um bombom, amanhã você a presenteia com um e vem a pergunta fatal "Por que você me deu chocolate? Eu estou gorda?" - mais uma vez ela estará mal-humorada.
Os perfumes são outros presentes de lua, umas adoram aqueles de aroma super doce, enquanto outras detestam - logo, não dê perfume, vá por mim (a não ser que ela diga que quer ganhar tal fragrância).
O incrível é que menina sempre acerta o presente das amigas, pode ser a coisa mais estranha, mas elas sempre se intendem. Outro dia, uma amiga minha ganhou uma agenda personalizada (!) e, por mais controverso que pareça, ela amou a dita e odiou um perfume importado que ganhou de um amigo (!²)
Os complexos são outros causadores de mal-humor chegando até fazer umas não sairem de casa. O mais comum é, na adolescência, a fase do "Eu sou feia!", não adianta falar milhares de coisas e elogios, elas não conseguem acreditar que elas são bonitas e que, particularmente, você que falou um monte, está muito afim dela. Superada essa parte, vem "ninguém me quer!" e você vê mais uma porta aberta e começa a falar para ela que tem muita gente que a ama e que faria tudo por ela, mas mesmo assim ela não intende que você está afim dela. Por fim, você se stressa com as milhares fases dela e acaba caindo na última, "ele pediu pra ficar comigo, será que eu fico? E se estragar a amizade?" - nessas horas é a vez dos homens ficarem mal-humorados.
E no fim, por mais manias e crises que tenham, elas continuam fazendo o mundo parar.

1.11.07

sobre aquela velha sensação.

Por mais que eu tentasse me concentrar na aula, minha cabeça latejava ardidamente, me tirando toda a vontade de estudar; meus olhos antes aguçados, perdiam seu vigor lentamente.
"Você está com sono, durma mais cedo amanhã!", eu me repreendia enquanto minha mão perdia a vontade de escrever as palavras postas no quadro-negro.
Eu tentei, juro que tentei. Permaneci o máximo que pude na sala de aula, pois faltavam poucos dias paras as provas e toda informação era importante. Mas entre a 4ª e 5ª aulas eu saí da sala em uma jornada - quase cambeando - até a enfermagem.
- Cecília, por favor, não dá mais.
- O que você tem, Fernando? Credo, parece que vai morrer.
- Estou quase. Não sei o que é, mas no começo parecia sono, mas agora eu mal consigo me levantar da maca!
- Ai ai, quanto drama! Você está doente.
Doente? Não podia ser! Faltava um dia para o meu aniversário e eu estava do-en-te?
- Que ótimo, o melhor presente que eu podia receber!
- Levante o braço, vamos ver se você está com febre.
Depois de alguns minutos com o termômetro do suvaco, veio o laudo:
- Nossa! Você está com 38,5º de febre!
- Melhor ainda! Tem um remédio ou está dificil?
- Nem doente você pára de ser irônico?
- Você sabe que é dificil negar as origens.
Ela não riu.
- Toma seu remédio.
O gosto amargo infestou minha boca e percorreu toda minha garganta inflamada.
- Droga! Tinha esquecido quão ruim é essa porcaria.
Agora ela riu.
- Vou ligar para sua mãe vir te buscar.
- Tudo bem. Ela deve estar com o celular. - "Pelo menos vou perder umas aulas!".
Depois de alguns minutos que custaram à passar, Dona Bernadeti, minha mãe, chegou no colégio à minha procura. Eu já estava sentado na escada principal a esperando. Em uns vinte minutos eu já estava deitado na minha cama.
- Calma, filho, daqui uns dias você vai melhorar.
- Dias, mãe? E minha festa?
- A gente pode adiar.
Eu não tinha muitas energias para debater com ela naquele momento e acabei aceitando a decisão.
Fazia tempo que eu não me sentia assim: eu estava com gripe e era daquelas que vêm para estragar seus planos do final-de-semana.

E meu aniversário? Ah, foi ótimo, cheguei aos meus dezesseis anos, tomando sopa de galinha no quarto. O-B-A.

31.10.07

sobre um causo popular.

Terezinha do Norte é conhecida pelas suas lindas praias e seu folclore popular passado de geração em geração. Assim como todo ano, no dia 31 de Outubro, quase toda a cidade se reúne na praça municipal a fim de trocarem histórias folclóricas desde as mais antigas até aquelas que as pessoas que vivenciaram estavam vivas para contar.
O relógio da catedral badalou 12 vezes, indicando que estava na hora de começar a reunião. Cada um pegou seu banquinho e se acomodou a fim de ouvir as mais estranhas histórias da cidade. O orador da noite era Emanuel, um jovem estudioso que foi fazer faculdade de História na capital e estava vindo para a comemoração. O problema era que ele estava atrasado e este tipo de atitude era quase uma afronta para os espectadores.
- Onde ele se meteu? - perguntou o prefeito da cidade para a mãe do desaparecido.
- Ele está vindo da capital. Deve ter pego trânsito.
- Trânsito para chegar nessas bandas que ninguém visita? Duvido.
Do outro lado da cidade, entre a estrada e a placa de boas vindas de Terezinha, Emanuel se perguntava por que o combustível do carro havia acabado repentinamente. "Droga, mas eu reabasteci o carro antes da viagem! Não é possível", os olhos negros e cansados do viajante, se encheram de desespero por um instante ao perceber que ele estava sem carro, atrasado e sem ninguém para ajudá-lo.
Olhou desesperadamente em volta, mas todas as casas estavam apagadas, todos haviam ido para a comemoração. Apenas uma casa estava iluminada, o conservatório municipal, que não era um prédio desses de filme americano, e sim uma casa tombada de paredes ladrilhadas, já deteriorados e quebrados pelo tempo; grandes janelas em um tom fosco de poeira; um portão baixo para impedir a passagem de cães e gatos; uma música tocada ao fundo deixava a casa com um ar mais sombrio que o normal. Ele pressentiu que ali conseguiria ajuda, chegou bem perto da grade e bateu palmas várias vezes, mas ninguém atendeu. Os acordes do piano continuavam, ele decidiu entrar. Ao chegar perto do piano, encontrou uma senhora que há algum tempo marcou sua humilde adolescência: Era Gertrudes, a professora de piano da escola Santa Cecília.
- Professora, quanto tempo!
As mãos da velha senhora pararam repentinamente, ela se virou e com olhos profundos e amedrontantes o encarou.
- Emanuel! Que saudade! - um sorriso e um tom de alegria se esboçaram no rosto cheio de rugas da velha - Mas que surpresa, o que faz por aqui?
- Eu fui convidado para ser o mediador do festival de lendas e folclore que acontece hoje.
- Sei sei, Já são quase 1:00 da manhã, você está atrasado.
- Eu sei, mas meu carro me deixou na mão, não tenho como chegar lá.
- Lembra daquele meu velho fusca?
- Como esquecer o "trambolho-branco"!
Os dois deram risadas.
- Então, está lá fora. Eu já estava indo embora, quer uma carona?
- Seria pedir demais.
- Eu insisto, venha comigo.
Saíram rumo à escuridão da noite pouco iluminada pelos postes, o fusca estava do outro lado da rua, limpo e alvo como um fantasma de quatro rodas.
Foram, calados, até o cruzamento da rua Carminha do Valle com a rua Eurico Neves - dois quarteirões para cima chegava-se na praça, alguns para baixo, na casa da gentil senhora.
- Posso te deixar aqui?
- Pode, mas você não vai para a festa?
- Não, você sabe que nunca fui chegada à festas.
- É, você nunca gostou dessas manifestações em massa.
Outros risos.
- Poderia até te acompanhar, mas estou de preto.
- Luto?
- Quem sabe...
- Meus pêsames. Bom, preciso ir andando. Muito obrigado, Gertrudes. Até outro dia.
O pequeno automóvel foi desaparecendo aos poucos na penumbra da noite. Correndo, Emanuel conseguiu chegar na reunião da cidade antes das duas da manhã. O secretário da Cultura abriu a festividade, para que ela não se atrasasse muito. O jovem historiador esperou o causo que era contado se acabar, para subir no palanque e se desculpar.
- Oi, eu sou o Emanuel. Sim, eu sei que deveria ter aberto esta reunião, mas na entrada da cidade eu acabei tendo um pequeno problema com o carro: acabou a gasolina. Sem esperanças de chegar aqui a tempo, vi a luz do conservatório ligada, graças a Deus havia alguém ali, a qual me trouxe até aqui de carona: Dona Gertrudes.
Os olhos dos expectadores se arregalaram e um tom de espantou tomou conta da praça:
- Mas ela morreu há dois meses!

30.10.07

sobre músicas.

É fato: a vida de cada um é marcada por músicas. Não importa o estilo e o motivo, mas para cada momento vinculamos uma canção especial - desde lavar banheiro escutando Wando até se declarar para a namorada com Chico Buarque.
Querendo ou não a música é a melhor forma de expressão do ser-humano, basta algum sentimento bater no coração para nos afundarmos debaixo do chuveiro cantando músicas conhecidas ou compondo as nossas próprias. Se eu fizesse um acervo das minhas composições de chuveiro, aposto que me daria um disco de platina! Na verdade, talvez só eu comprasse os exemplares por que, quando você cria as suas próprias canções, elas só fazem sentido pra você mesmo.
Por isso, não é de se admirar a quantidade de bandas novas que surgem por aí: pessoas que se juntam pra 'fazer um som' e escrever os primeiros sentimentos que vierem na cabeça como letras. Há pessoas que criticam esta forma de expressão cultural dizendo que a qualidade das músicas é cada vez pior, eu discordo em parte. Eu não vou mentir: sim, há letras muito ruins, daquelas que você tem vontade de esmurrar o cantor, mas este é gosto da geração atual e é o que vende 'pra moçada'. É perfeitamente aceitável que você não goste das músicas e prefira uma outra geração musical.
Tenha seu gosto e escolha o seu repertório, afinal se você lava banheiro escutando Chico Buarque e se declara pra namorada com Wando, o problema é seu, ninguém precisa opiniar no seu gosto, desde que você não opine no dos outros.
O importante é não negar a si mesmo o direito à musica, pois ela faz parte do nosso dia-a-dia e da nossa vida.

29.10.07

sobre o armário.

Lucinda era uma senhora simpática, vestia-se como vó, tinha o fenótipo de vó, tricotava nas horas vagas, mas todos a conheciam por sua língua! Caramba, ela não perdia uma chance de criticar ou meter o bedelho onde não era chamada.
Seus quatro filhos já estavam acustumados ao seu jeito peculiar de ser, menos o caçula, Davi, pois a mãe já tinha 'botado pra correr' quatro das cinco namoradas dele. A nova, Clarinha, ele amava de paixão e não deixaria que sua projenitora acabasse com o romance.
- Filho, larga mão de viadagem. Você tem mais outros três irmãos e eles não pensam em casar! Usa ela e parte para outra, assim é a vida!
- Mãe, eu a amo! Eu cansei de você ficar me atrapalhando. Desta vez eu me caso com ela, você querendo ou não.
Ele nem imaginava que ela já tinha um plano.
- Puxa, já que você quer tanto assim, traga-a aqui. Para eu conhecê-la.
- Não, mãe. Não vou cair nessa denovo, você sempre faz isso.
- É verdade, você sempre cai! Seu bobinho.
- Ha-ha, mamãezinha.
- Tá bom, tá bom. Vamos fazer assim, você traz ela aqui em casa, eu me escondo no armário, ela não vai me perceber.
- Mas qual a graça?
- Ué, pelo menos eu a vejo, sem atrapalhar vocês dois.
- Ah, mãe... não.
- Tudo bem, filho. Se eu morrer, você não chore, hein?
- Pára de ser trágica! Não é pra tanto!
- Você não me ama que eu sei.
- Pára, mãe! Quer saber? Eu a trago, então!
- Oba! Quando?
- Hoje?
- Perfeito.
Eram 16:15 quando a campainha tocou, em um pulo Lucinda se escondeu no armário do quarto do filho e ele foi buscá-la no portão. Depois dos cumprimentos iniciais, eles entraram e foram diretamente para o quarto de Davi.
- Cadê sua família, amor?
- É... meus irmãos estão no trabalho.
- E sua mãe?
- Foi num chá de uma amiga.
- Estamos sozinhos?
- É... sim, é...
- Melhor ainda.
Foi então que ela se jogou para cima do jovem que, por sua vez, intendeu as segundas intenções e deixou acontecer. Clarice tirava a roupa dele...
- Não, seu burro! Filho quantas vezes eu tenho que te dizer que você conduz a mulher?
Lucinda 'esqueceu' do combinado e saiu nua do guarda-roupa. Sim, um choque duplo!
Clarice nunca mais voltou lá, Lucinda se sentiu realizada com seu plano e Davi... ah, o Davi foi pra bem longe da mãe, ver se dessa vez ele casava.

28.10.07

sobre encontros casuais.

Dentre as coisas que ilustram minha lista de mais odiados está os encontros casuais - caramba, como eu não suporto 'dar de cara' com aquele conhecido em lugares inusitados.
Pra começar, você sempre está mal vestido ou com um péssimo humor na ocasião e, por conseqüência, o papo não flui e acabam acontecendo silêncios totalmente constrangedores.

- Stefano?
- Oi, Carolina!
- Que saudade, meu!
- Pois é, faz muito tempo que não te vejo.
- É.
- O que tem feito?
- Ah, estudos e saido as vezes. E você?
- Eu? O mesmo, vida de estudando é corrida, né?
- É.
[...] silêncio.
- É.
- Bom te ver, Stefano.
- É, a gente precisa marcar alguma coisa!
- Pode deixar.
[...] silêncio.
- Pois é.
- Nossa, olha a hora! Preciso ir. Tchau.
- Tá bom. Tchau.
- Ah, marca mesmo, hein?
- Pode deixar.

Não pense que só eu sou assim, conheço uma garota que assume:
"Fujo mesmo, no clube então! Uma vez cheguei a pular na moita pra não encontrar uma professora, mas também, iríamos falar sobre o quê? Notas? Não, muito obrigado, mas não queria falar de escola naquele momento".
Vai ver é por isso que evito essas casualidades, quando vejo um conhecido lá longe, já desvio de caminho. Disseram-me que isto chama "Síndrome de Fugitivo", um nome simpático que eu tenho quase certeza que foi inventado na hora, mas sabe como é, vale tudo quando falta assunto.

27.10.07

sobre o alvorecer.

Ele estava indo embora, desta vez era definitivo. Antes de amanhecer, Fernando já havia feito suas malas e tinha partido rumo à um lugar bem conhecido por ele: a casa de sua mãe. Está certo que não era o lugar mais honroso para alguém que planejou uma fuga estratégica, mas o dinheiro daquele mês estava curto e ir para um hotel - bom -, estava à cima das suas economias.
Os motivos que o levaram à essa atitude não eram muito plausiveis, desavenças com algumas pessoas, uma vida amorosa mal-sucedida, um emprego (mal remunerado) que ele não gostava e várias contas atrasadas - digamos que sua vida esperava por uma virada completa.
No carro levava, como acompanhantes, uma mala cheia das primeiras roupas que conseguiu pegar, sapatos espalhados pelo banco traseiro e, um punhado de sonhos mal-resolvidos. A trilha sonora ficava nas mãos de um CD feito em casa com todas as músicas que marcaram sua extensa vida de apenas 23 anos.
Faltavam ainda 2 horas de estrada e o viajante começou a se perguntar se aquilo estava certo, cedo ou tarde, essa dor-de-culpa iria chegar, ele já esperava e, por mais que desejasse voltar para seu apartamento no Cambuí, preferiu continuar com sua atitude rebelde rumo à Sertãozinho - SP.
Começava o alvorecer por trás de algumas árvores altas, "Nossa que visão linda!", pensou. Fernando se inclinava cada vez mais para perto do pára-brisa, afim ter uma visão melhor daquele momento.
Em um fatídico segundo ele se desiquilibrou e, tentando retonar o controle do carro, virou o volante para esquerda, invadindo a outra pista: o caminhão que voltava não teve tempo de parar. A colisão entre os dois foi fatal: o pequeno Corsa capotou e depois de três rodopios no ar se viu jogado contra uma densa parede de árvores altas.
O sol acabava de nascer atrás da explosão.

26.10.07

sobre estantes.

Nas minhas estantes, guardo meus livros e nossas lembranças - velhas e amarelas por causa do tempo. Eu nunca as tirei de lá, também não pretendo, pois assim sempre saberei aonde ir para te encontrar mais uma vez.

25.10.07

sobre outro dia.

Seria uma normal tarde de Outubro, destas que custam a passar, se ela não aparecesse. Daniela era umas das garotas mais bonitas que já conhecera e o que diferenciava-a das outras, era seu carisma e bom-humor.
- Fred?
- Dani!
- O que você está fazendo aqui?
- Ah, nada demais.
- Está bom, então. Você vem para a praça de tarde pra não fazer nada?
- É que eu estava esperando alguém.
- FREDERICO! Você está namorando e não me contou?
- Mas eu não estou namorando. Era só uma pessoa, aí.
- Pára de mentir pra mim, quem era? Me conta.
- Ah, deixa pra lá, você não conhece mesmo.
- E por que eu não conheço, você não pode comentar comigo?
Ela se sentou ao lado do tímido menino loiro.
- Mas...
- Vai, fala logo!
Ele pensou um pouco, mas decidiu falar.
- É que eu estou gostando de uma menina.
- Eu imaginei isso mesmo. Ela sabe?
- Acho que não, ainda não contei pra ela.
- Ah... Ela vem sempre nessa praça?
- De vez enquando, mas sempre que ela passa...
- O que que tem?
- Sempre que ela passa eu não tenho coragem de falar com ela.
A garota deu uma longa gargalhada.
- Ai ai, vocês meninos são tão estranhos.
- Ah, mas ela não ia querer namorar comigo.
- Como você sabe?
- Tenho certeza.
- Que boba que ela é. Quando você estiver com ela, me mostra quem é?
Seu coração estava pulsando muito forte, ele tomou coragem e disse as palavras decisivas:
- Sabe... eu posso... mostrar... agora.
- Ela está aqui?
- Está.
- Aonde?
- Aqui.
Foi neste instante que Fred se aproximou de Daniela e deu-lhe um longo beijo na boca. Os lábios pareciam não querer se desgrudar, mas eles também não queriam parar, até que ela jogou o rosto para trás, acabando com a poesia da cena.
- Fred! Seu pilantra.
Ela levantou-se e foi embora, ele ficou lá mais alguns minutos, com um sorriso enorme de felicidade. Confiante e realizado levantou-se para ir embora.
- Meninas são tão ingênuas. Melhor pra mim.

24.10.07

sobre manias.

Gustavo esbanjava manias por onde passava, não importava o lugar.
Hoje mesmo aconteceu uma dessas crises Magnos Bif, um dos restaurantes mais chiques da cidade, ele estava acompanhado de alguns amigos do trabalho. Chegou a hora de se sentarem:
- Pára tudo - gritou Gustavo assustado.
Todos olharam para ele impressionados.
- O que foi, Gusta? - o amigo dele sabia que estava na hora de vexame.
- Minha cadeira é de cedro?
- Sim, senhor. - respondeu o garçom gentilmente.
- Ótimo, mande trocá-la, caso contrario não almoço aqui.
Alguns risos baixos e caras de indignação completavam a cena.
- É pra já, senhor.
Logo veio um outro assento, desta vez de plástico.
- Me desculpe, senhor, mas tirando as cadeiras de cedro, só temos essas de plástico.
- Senhor? Você me chamou de senhor? Pode me chamar de você.
- Ótimo, você.
- Você, não. Gustavo fica melhor.
O jovem garçom já estava se irritando com as regalias do ruivo cliente.
- Gustavo, por favor sente-se.
- Ele gosta de comer em pé - sussurou um outro colega.
- Sinta-se à vontade para comer de pé.
- Eu não preciso que você deixe.
- Gustavo, mais educação...
- Com pão.
A outra senhorita esquecera de uma das manias mais estranhas de Gustavo: rimar tudo que terminasse em "ão".
- Vocês já sabem o que vão querer?
- Desejo sentar-me.
- Mas você não ia comer de pé?
- Mudei de idéia. Nossa, cadeira de plástico?
- Você pediu pra que fosse trocada a cadeira de madeira por essa, se esqueceu?
- Eu pedi que a cadeira de madeira fosse trocada, mas não por isso.
- Mas é a única que temos.
- Comerei de pé, então. Posso tirar os sapatos?
- É, não sei... mas nada o impede.
- Que seja, pode desamarar então.
- Eu? Desculpe-me, mas eu sou só o garçom.
- Então chame alguém para tirar meus sapatos.
- Nós não temos ninguém que faça isso, senhor.
- Senhor, não. Eu já te disse...
- Me desculpe, Gustavo, mas o restaurante está enchendo. Você não gostaria de pedir.
- Claro que sim. Quero uma água e uma colher de açúcar.
O garçom realmente achava que era uma piada de mal-gosto.
- Você tem certeza?
- Absoluta. Ah, na verdade quero 500 grãos de açúcar.
Era demais para o garçom, o qual já tinha perdido a paciência.
- Escute aqui, o senhor me faz ficar perdendo tempo aqui pra você pedir 500 grãos de açúcar e um copo de água? Meu amigo, a preferência é do cliente, mas aqui você não entra mais. Quer se retirar, por favor?
Foi nesse instante que Gustavo soltou uma alta gargalhada e com um brilho nos olhos disse:
- Gostei de você, vou pagar seus 10 por-cento. Obrigado pela gentileza de me servir, o almoço foi ótimo.
Confuso e constrangido, o garçom pegou o cheque do cliente, o qual saiu feliz por ter sido tão bem atendido.

23.10.07

sobre Bianca.

Seu coração não se aguentava dentro do peito, os olhos transmitiam a mais pura paz, os lábios riam sem motivo, os cabelos voavam tão lindamente ao vento, a vida nunca pareceu tão fácil.
Bianca, não era a mais bonita de todas as meninas da escola, mas naquele dia ela estava simplesmente fabulosa: cumprimentava todos que passavam com um cordial "Bom dia" e mais algum elogio:
- Bom dia, Senhora Dogmar! Seu cabelo está lindo!
- Bom dia, Lucas. Nossa, que perfume bom!
- Bom dia, Clarinha. Essa roupa está ótima em você.
E assim foi por toda a manhã daquele quente dia de verão.
O problema foram as aulas que custaram a passar para ela, enquanto sua mente tentava se concentrar nas fórmulas e professores, seu coração insistia em voar longe para outros assuntos que ela mal sabia que gostava.
Por todo o restante do dia foi assim, sua mãe não intendia o que acontecia, talvez não tivesse razão para toda aquela alegria, mas Bianca não se importava com isso.
- Minha filha, o que você tem?
- Eu? Porquê? Não tenho nada!
- Ah, tem sim! Você está toda assim...
- Assim?
- Alegre demais!
- Vai ver minhas glândulas risonhas estão com problemas!
- Glândulas o quê?
A garota caiu na risada.
- Nada, mãe. É só uma besteira que eu inventei durante a aula.
Sua mãe tentou falar mais alguma coisa, mas a menina nem escutou - estava, de novo, perdida em pensamentos.
Mal ela sabia que o seu problema era o amor.
Bianca amava e não sabia.

22.10.07

sobre uma dúvida mortal.

Se você soubesse o amanhã, você faria as mesmas coisas que fez hoje?

É, eu também não.

21.10.07

sobre futebol.

Ele queria fazer o gol da vitória, mas nem sequer pisou no campo. Não, ele não era reserva de um grande craque, mas, sim, um torcedor fanático.

20.10.07

sobre a velha Adolfa.

Os olhos fechavam periódicamente para não se cansarem, as mãos trêmulas seguravam o cobertor com toda a força que possuía, um frio percorria todo seu corpo deixando-a arrepiada, o fôlego faltava em seus pulmões vez ou outra - a vida parecia ir e vir de seu corpo antigo. Adolfa sabia que o fim estava chegando, restava-lhe apenas mais alguns minutos neste mundo: era a hora de revelar seu segredo.
Por 65 anos ela o guardou trancado a sete chaves no seu coração, ninguém nunca suspeitou e por isso ela precisava confessar.
Em volta da cama estavam seu marido, Ernesto, e os filhos - Joel, Ricardo (e a esposa, Joana), Graça (e o namorado, Tonny).
- Eu preciso... contar uma coisa... para todos vo...cês.
- Não, querida, repouse, é melhor.
- Não posso, eu passei todos esses anos escondendo isso de vocês, está na hora de revelar.
- Nã...
- Deixe-a, pai, deixe-a falar.
- Filhos queridos, seu pai foi o melhor me aconteceu na vida, mas... mas...
Uma única e sutíl lágrima riscou o rosto pálido da velha.
- Sogra...
- Mas não foi o primeiro.
Todos os olhos que a observavam se arregalaram, ninguém intendia ou não queria intender.
- Mãe, você não está bem, pare de gastar seu fôlego.
- Não, filho, não posso mais. Antes de encontrar seu pai... - outra lágrima - eu trabalhei em uma casa... um bordel.
Os olhos de Ernesto se encheram de raiva, Graça soltou um estridente grito de espanto, ninguém dizia nada, um silêncio contemplava a cena.
De repente, um som mais forte que a alma de qualquer um rasgou o quarto de um lado ao outro: Adolfa soltou a mais deliciosa flatulência de sua vida. Logo, suas bochechas, antes com pouca vivacidade, se encheram de vergonha - ela não iria morrer, fora um alarme falso.
Daquele dia em diante, ela entendeu por que "segredos devem ser levados para o túmulo".

19.10.07

sobre janelas e segredos.

Ele tinha o que muitos fofoqueiros adorariam ter: uma grande janela que dava-o vista para a rua toda. Tudo que acontecia por lá, tinha-o como testemunha: desde pais brincando com seus filho até a cena mais estranha, que se passou na noite passada. A história, narrada por ele, é exatamente assim:

"Eu estava, assim como todos os dias, com minha janela aberta. Apesar da vista que tenho atravéz dela, nunca me empenhei em bisbilhotar a vida dos outros: o que não quero pra mim, não faço pra ninguém.
Hoje não era diferente, por mais que ela estivesse escancarada eu nem sequer olhava pra ela, até escutar uns barulhos estranhos na rua. Nada de muito extraordinário, parecia o estouro de alguns traques infantis, mas eu não escutava mais nada além daquele 'tec tec tec' intimidador. Curioso, virei-me, vagarosamente, para a janela - afim de averiguar. Nenhum garoto ou garota na rua, todas as casas estava apagadas, as ruas estariam vazias se não fosse pela presença do meu vizinho na calçada oposta a da minha casa. 'Que diabos ele tá fazendo de pijama na rua agora?' eu pensei enquanto observava-o, ele estava de costas pra mim.
Num fatídico momento, ele se virou para a minha janela e eu pude ver, então, a cena que eu desejava nunca ter visto, o cara segurava uma pistola apontada pra mim, apesar da distância, o medo foi tão grande como se estivesse do meu lado. Uns segundos à mais de tensão, o disparo veio: a arma não tinha munição. Acho que ele me viu, ficou constrangido, colocou a arma dentro do samba-canção e entrou para sua casa. Eu fiquei estático olhando um pouco mais para o 'cenário do crime'.
O que se passou depois me deixou mais apavorado.
Eu voltava a pé da escola como todos os outros dias.Parei na guarita do condomínio para me identificar.
- Boa tarde, Lucas, deixaram uma carta pro senhor.
- Pra mim? Você tem certeza?
- Tenho. Foi o Chico da casa 301.
Um frio percorreu todo o meu corpo, Chico era o vizinho que eu flagrei na noite passada.
- Muito obrigado, Jair.
Abri a carta tentando não mostrar pavor, mas não tinha como ficar calmo com a mensagem nela escrita:
'O que você viu ontem à noite é um segredinho nosso. Espero não descobrir que você espalhou a notícia. Coopere e eu te deixarei em paz.'
Saí correndo para minha casa, entrei desesperadamente no meu quarto, traquei aquela janela - para nunca mais abrir."

Ele tinha o que muitos fofoqueiros adorariam ter e se amaldiçoava por isso.

18.10.07

sobre papos no elevador.

Se encontraram no elevador do prédio.
- Bom dia.
- É, oi.
- Você é do 201, certo?
- Aham, você é do 103? No andar de baixo e de frente pro meu?
- Isso mesmo.
- Sabia que te conhecia.
- Me conhecia?
- Aham, já te vi tomando banho.
Ela não sabia se respondia. Respondeu:
- Não, você deve ter visto meu marido.
- Não, foi a senhora, tenho certeza. A janela tava aberta e deu pra ver tudo do meu quarto.
- Que indescência! O senhor não tem mais o que fazer?
- Indescênte é você que toma banho de janela aberta!
- Se eu soubesse que você me observava eu teria fechado.
- Você precisa saber que eu estou olhando pra fechar?
- Preciso.
- Então saiba que o Marcelo do 102 também consegue te ver.
- Tomando banho?!
- Não.
- Ufa.
- Ele consegue te ver puxando uns fumos na área de serviço.
A porta do elevador se abriu. A mulher estava sem reação. cinco palavras vieram à sua cabeça:
- E minha privacidade fica onde?
- Aposto que não é no quarto, por que o Ricardinho do Bloco B, te viu ontem no rale-e-rola.
Ela estava sem palavras e totalmente constrangida.
- Por favor, vocês todos tenham mais o que fazer! Passar bem. - saiu correndo rumo à garagem.
"Odeio puxar papo no elevador", ele pensou pouco antes de chegar ao seu Corolla prata.

17.10.07

sobre falsas esperanças.

Não é sempre que eu consigo acreditar que algo irá dar certo. Não importa o quanto eu pense "Isso vai dar certo, isso vai dar certo, vai dar certo!", no fundo eu continuo achando que é 'a maior roubada'. Prefiro ser neutro - nem otimista, nem pessimista - para algumas coisas, pelo menos não crio falsas esperanças.
Hoje, por exemplo, terá jogo do Brasil e, por mais que eu queira goleada, meus pensamentos insistem em me dizer que não passará do 2x0 - se ganhar. Espero estar errado, prefiro assim, mas enquanto o juiz não apita o término da partida, não vou criar expectativas: se ganhar, ficarei muito feliz; se empatar, empatou; se perder, "Tudo bem, foi só um jogo".
De certo, não sou o mais adepto do famoso, "quem confia no seu taco, não tem inimigos", até por que, por maior que seja sua auto-estima, você continuará acordando de manhã sujeito a várias inimizades ou desavensas ao longo do dia. Não é pelo fato de você "se achar o cara" que seu time não irá perder, que não vai ter congestionamento, que seus filhos não vão falar que você é chato, que seu chefe não vai lhe demitir e que o mundo não vai olhar feio para você. Papos estilo auto-ajuda nunca foram meus preferidos, e nunca serão - eu espero -, pois eles tentam lhe fazer acreditar que o mundo é perfeito, você é perfeito e nada pode te derrubar! Pode haver maiores falsas esperanças que achar que tudo ao nosso redor e nós próprios somos perfeitos como nos contos-de-fadas ou no mundo da física? Que piada.
Saiba que o mundo não é perfeito, mas nem por isso deixa de ser belo e inspirador; cada um possui os seus defeitos, mas estes não fazem dos seres-humanos seres menos fantásticos; viver, por mais poético que seja, tem seus altos e baixos, por isso todos caem, mas o difícil é se levantar, tirar a poeira e partir para a próxima.
Se eu pudesse corrigir esta bendita frase de todos os lugares que já a li, eu colocaria assim:
"Quem confia no seu taco, vence seus inimigos".

15.10.07

sobre professores.

Outro dia, numa discussão qualquer, alguém tentou me convencer que o bom de ir à escola era pra conversar. Qual a utilidade prática, então, de ter que se arrumar às 6:00 da manhã pra ir à escola e, chegando lá, encontrar nada mais que alguns amigos e boas conversas? Oras, se eu quisesse só isso, eu não acordaria tão cedo, deixaria pra fazer o 'social' nas matinês dos cinemas ou nos shoppings lotados.
A razão maior pra me fazer levantar todo dia cedo da cama e sentar animado numa carteira dura, são os professores, o que eles têm a me dizer e o conhecimento que estão dispostos a me ensinar. O mais legal é que professores sempre estão de bom-humor, prova de que gostam do que estão fazendo! Logo, como poderia recebê-los com a cara fechada desejando que eles sumissem da minha frente? Não posso, seria injustiça. Esta é a maior razão do meu sorriso de todas as manhãs. Obrigado professores, se não fosse por vocês, amanhã de manhã eu não acordaria tão feliz.

14.10.07

sobre ter um sonho.

Saiu o vencedor do Nobel da Paz, assim como o esperado, este foi Al Gore. Pra quem não sabe, o prêmio é destinado a pessoa que tivesse feito a maior ou melhor ação pela fraternidade entre as nações, pela abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de tratados de paz. Al Gore ganhou pelo seu esforço em ter maior conhecimento sobre as alterações climáticas induzidas pelo homem e por lançar as bases necessárias para inverter tais alterações.
Ao me deparar com a premiação, fui pesquisar um pouco mais sobre ela e descobri que Martin Luther King foi o mais jovem ganhador do prêmio. Méritos para merecer o prêmio não faltaram, já que se empenhou em pregar o amor ao próximo e a paz entre as raças. Suas idéias eram tão marcantes que ele foi assassinado antes de uma das suas famosas passeatas em prol dos seus objetivos.
Anos se passaram, King continua sendo lembrado pela sua insistente luta pelos direitos dos negros na sociedade e pela paz mundial. Por causa dele, muitas coisas mudaram, mas falta muito pra chegar no ideal proposto por ele.
No fundo, assim como Al Gore e tantos outros, Martin só quis concretizar seu maior sonho.
Eu tenho o sonho de ver um dia meus 4 filhos vivendo numa nação em que não sejam julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo seu caráter. Sonho com o dia em que a justiça correrá como água e a retidão como um caudaloso rio. Pessoas oprimidas não podem permanecer oprimidas para sempre.
Martin Luther King