31.5.08

bandas do norte.

meus olhos áridos ainda
anceiam um milagre que
parece não acontecer por
essas bandas do norte:

chuva.

não somente ela, mas sua
mágica secreta de fazer
o que é marrom-terra
vir-a-ser
verde-mato e azul-rio.

faz tempo que não vejo
um trovão rasgar o céu,
anunciando uma esperada
e trágica tempestade.

sim, faz muito tempo que
esperamos ver todo esse
chão empoeirado tornar-se
barro de boa qualidade.

ah querida chuva!
volte para o meu abraço
cansado de lhe esperar.

30.5.08

xícaras de café.

- Não quero agradar nem gregos, nem troianos. - dizia-me com a voz carregada de bravura.
- Queres o que, então, meu caro? - perguntei entre uma linha e outra de meu livro.
- Não quero nada, pouco me importo com a opinião alheia. Prefiro vestir a roupa que me cabe a usar o terno da moda; gosto do meu cabelo desarrumado e não penteado com gel, igual aos personagens da novela. Procuro um agora do meu jeito, pintado da minha cor preferida, cheirando meu perfume preferido. Minto quando digo que não quero nada, pois quero apenas uma coisa e, quiçá, a mais difícil de todas elas: quero, mais que qualquer outra coisa, me agradar.
Busquei resposta no fundo da xícara de café, mas só encontrei açúcar.

29.5.08

ritual nostálgico.

envolto pelas badaladas
do meu coração,
crio, nas paredes
(do quarto),
os nossos corpos.

juntos, separados -
de toda forma possível.

até que pego no sono
pesado e profundo e,
vagando no mundo
dos sonhos, esqueço
se lhe amei a vida inteira.

28.5.08

capitu.

agora que estou cá dentro,
não me ofereça a porta de saída -
já está tarde para ir embora.

tudo que quero é mergulhar
um pouco mais nessa esfera oblíqua
e por aqui viver uma vida inteira.

desejo me alimentar do negro e
incerto mundo que se esconde
atrás desse brilho dissimulado
dos seus olhos de garota.

27.5.08

parênteses.

(ainda há chances.
basta encarar o mundo
com olhos marejados de
esperanças.

enquanto seu coração
bombear sonhos e
a voz não cravar nos
dentes, sim, ainda
haverá chances).

26.5.08

trôpego.

tropeço em alguns pontos,
atropelo algumas letras,
até encontrar seu nome
que não escrevi.

no meu poema.

25.5.08

meus dias.

no tropeço dos meus dias,
perco o pouco de medo que
guardei no avesso da minha razão.

24.5.08

em paz.

ali, debaixo da cama,
o novo amanhã adormece
esperando que esse dia
termine em paz.

23.5.08

fio de cabelo.

há um fio de cabelo
na minha sopa.

um fio escuro e denso,
boiando sozinho no
caldo amarelo quente.

por tempo, quis trocar
o prato, mas me acostumei
com a presença indigesta
daquele visitante.

com fome e coragem,
engulo às pressas gordas
colheradas, esperançoso
em afogar o pêlo e mágoas.

quero misturar à comida,
o seu cheiro, o seu gosto,
o seu rosto, o seu jeito,
afim de lhe esquecer.

pois o seu cabelo preso ao chão
da minha eternidade,
incomoda mais que esse
dentro da minha boca.

22.5.08

narrador, eu juro.

A noite entra pela janela impregnando todo o quarto. O vulto com aspecto de gente sentado à mesa, massacra palavras em folhas de papel, mas seus braços parecem não se cansarem de escrever frases e mais frases. De perto, iluminado pelo abajur, a sombra toma forma de uma mulher bonita, com olhos úmidos e corpo trêmulo. Gostaria de não ser narrador para poder abraçá-la, esperançoso de espantar essa carapaça de medos e incertezas que cobrem-na.

Conheci essa personagem outro dia, passando pela mesma casa, quando a escutei gritando com um homem, minutos antes dele ir embora com uma mala grande, cheia de roupas e ilusões. Passei por lá todo o resto da semana, porém ele não havia voltado - doeu algo aqui dentro ao pensar que, talvez, o mesmo nunca mais pusesse os pés naquela casa.
Hoje, um mês depois do ocorrido, senti (e narradores têm presentimentos mesmo) que algo de errado iria acontecer naquele lugar. Corri, medroso daquele misto de sentimentos que batiam no meu peito, desejei chegar antes que ela tomasse qualquer atitude impensada. Se aquela história era escrita por mim, poderia mudar seu roteiro quantas vezes fosse necessária.
Cansado, cheguei a tempo de vê-la sentar à escrivaninha, sua pele clara estava rosada por causa do frio e esquentáva-se com casacos e amores não esquecidos. Retirou da gaveta uma caneta, papel, ânimo e esperanças, todavia nada a afagava, não como o abraço perdido de amantes velhos. À meia-luz, seus olhos azuis, cheios de lágrimas presas, brilhavam como duas safiras polidas.
Antes de começar, sussurou um juramento quase esquecido: "Eu juro pelo meu coração apaixonado que toda lembrança sua me fará bem, que todos os nossos momentos viverão eternamente, que nos meus lábios só haverá lugar para o seu nome, que farei dos seus gostos os meus, que nada poderá tirar o seu sorriso da minha mente e os seus olhos dos meus, eu juro pelo nosso passado lindo e pelo futuro que desenharemos juntos".
Então, começou a escrever versos e versos desesperados e com caligrafia ilegível. Ora gostava e continuava, ora jogava tudo no lixo para preencher outras folhas virgens. Por fim, sangrou sentimentos em doze folhas. Levou as mãos aos cabelos, esses que escorriam no meio dos dedos como areia seca. Abriu uma outra gaveta.
Desculpa, mas aqui eu precisei intervir. Troquei o frasco que lá estava por um envelope, no qual ela depositou aquele longo poema recém-escrito. Fiz que endereçasse-o para o ex-marido que, com saudade e peso na consciência, estava à porta da casa, sem dinheiro, mas com flores. Não era o melhor amante que existia, porém o amor fazia dos dois o par imperfeito mais perfeito que já existiu. Ela o aceitou de volta, jogou o poema de despedida na lixeira e juntos recitaram, em todas as manhãs de suas vidas, aquele velho juramento quase esquecido.

Chegamos ao fim. Sem-graça? Talvez. Vá lá, deixo que boceje com essa narrativa romântica e desafinada. Todavia, entenda que fiz os ajustes necessários para não haver suicídios em nome do amor. Odeio matar personagens no fim da história.

21.5.08

pó de mármore.

cravo os dedos na superfície
alva e brilhante que fende-se
em milhões de pontos brancos,
como estrelas num céu de outono.

num misto de sonho e realidade,
vejo surgir cores e desenhos,
a cima, a frente, embaixo,
dentro de mim.

ajunto um punhado de fragmentos
entre as palmas grosseiras.
fecho os olhos e procuro a paz que
se esconde atrás das pálpebras.

encontro outros eus perdidos
pelas tramas da vida.
uma lágrima-cristal desenha seu
caminho no meu rosto.

sinto o abraço do vento
levando embora todo
mármore que se
prendeu à minha pele.

meus lábios sussuram um
discurso improvisado.
peço que o futuro não seja
tão escuro quanto parece ser.

grão a grão, minhas mãos
tornam-se nuas novamente.
a névoa de pó acalma e
assenta-se no chão.

lentamente, vou embora.
despido de pesadelos e incertezas.

20.5.08

abstrato.

me descobri vivo, hoje.
com sangue nos olhos
e coração pulsante.

foi como acordar
de uma outra
realidade, na qual
eu era só sonho.

às vezes acho que
nunca fui nada e
me calo com a boca cheia
de palavras quentes.
(como lava recém expelida).

mas me descobri vivo.

e se antes eu mal existia
no outro lado da realidade,
hoje posso cravar no
concreto da minha existência
as garras dos meus dias.

19.5.08

antítese.

os sonhos secaram.
os amores fugiram.
os olhos murcharam.
as palavras voaram.
mas eu fiquei.

eu fiquei sozinho e
não há mais nada em mim.

mas até que sou feliz.

18.5.08

porções.

comprei pilhas para reanimar
minha mente-brinquedo.

tento achar as respostas,
antes das perguntas.
quero verdades, mas
não esqueço os medos.

comprei uma porção de mim
para queimar no fogo da vida.

17.5.08

epitáfio.

sob as pedras da
calçada, entre a
terra e o cimento,

jaz uma poesia
que foi esquecida
no calor dos dias
e dos seus abraços.

16.5.08

naipes - paus.

outro dia,
construi um barco
para afundar no
mar das palavras.

barco sem vela.
somente casco,
timão e mastro,
onde eu coloco
a minha bandeira
que, por ironia,
tem a sua imagem.

15.5.08

naipes - copas.

certa vez, pediu uma
receita para espantar
coração quebrado.

disseram-lhe que
não havia método,
remédio ou médico.

coração quebrado
só se conserta com
boas doses de cal,
durex e poesia.

não necessariamente
os três juntos,
talvez um, ou outro.
talvez nada.

talvez seja melhor
afogá-lo num mar
de amores perfeitos.

14.5.08

naipes - espadas.

As gotas amargas escorrem
e me encobrem de um
manto vermelho.

Sinto-me rei e herói,
e, aos poucos, vejo
a realidade se apagar
dos meus olhos.

Onde havia cavalhos,
cavaleiros e espadas,
surge a escuridão
e seus fantasmas:

o passado, o futuro, o eu, o você.
Chamo seu nome, mas estamos longe,
como as estrelas e a imensidão
que nos separa delas.

Seguro as lágrimas dentro
das pálpebras fechadas
e o grito, embaixo do nó da garganta:
não há tempo para despedidas.

Cruzo as mãos sobre o peito
e sinto meu coração frio
(cheio de mágoas e livre de culpas).

Respiro, prendo o ar -
minha cabeça gira
numa dança que não ensaiei.

Enfim, puxo o punhal
de dentro do peito.
Um último ato heróico
antes de me tornar
busto de mármore
nos jardins de Atenas.

13.5.08

naipes - ouros.

sentado à beira
da estrada,
comendo poeira
das rodas,
jorrava palavras.

dizia ser sonhos
e vendia-os aos
nobres que não
sabiam sonhar.

fez fortuna assim:
trocando utopias
por esmolas.

com o tempo,
passou a viver
no palácio real
e, toda noite,
contava ao rei
os segredos do mundo.

por longos anos
metralhou ilusões
até que, numa tarde
sem-graça, morreu.

morreu montado
em denários de
ouro, rodeado de
sonhos e triste.

triste como se
nunca tivesse
sonhado.

12.5.08

cobre e azul.

a chama cobre e azul
encobre todo o papel.
aos poucos, vejo surgir
fuligem e nada.

parte das cinzas vêm
em minha direção,
mas a maioria voa
mundo a fora.
(em busca de algum
quintal limpo para sujar).

minhas mãos, trêmulas,
querem apagar a fogueira,
na esperança de encontrarem
cartas queimadas pela metade.

mal sabem que não é preciso,
pois o fogo queima tudo:
o papel, a lenha;
o álcool, a grama.
mas o fogo,

o fogo não mata as palavras.

11.5.08

amor de mãe.

Abriu primeiro o olho esquerdo, depois o direito. Olhou de um lado para o outro: seu pai ainda dormia. Escutou um barulho de xícara na cozinha e rapidamente saltou da cama de casal. O coração batia forte, foi até seu quarto e buscou, de uma gaveta, um cartão - as letras infantis mostravam que ele o havia feito. O pequeno coração batia acelerado ritmado pelo medo e pela ansiedade.
Revisou o discurso em pensamento, abriu um largo sorriso e desceu correndo a escada. Parou no último degrau. Avistou-a dentro da cozinha. Chegara a hora.
- Mãe! - gritou entre uma passada e outra - Mãe! Mãe!
- Filho, você acordou tão cedo!
Sentou-se no colo da mãe e forçou olhos de gente grande.
- Sabe, é que você merece! Você merece bem mais do que isso! Você merece todo o universo de presente! Feliz Dia das Mães!
- Brigada filho!
- Eu fiz pra você! - Eduardo disse ao entregar o cartão.
- Que lindo. Não precisava!
No fundo não precisava mesmo. Claro que presentes agradam e demonstram carinho, mas de nada adiantam se não vierem acompanhados de amor. Talvez só o amor baste - mães querem sentir que seu amor é recíproco.
- Eu te amo, filho.
- Eu te amo, mãe, assim, do tamanho do universo.

Mãe,
Não importa o que aconteça, quero que saiba: amo você, assim, do tamanho do universo e nada pode mudar isso. Feliz Dia das Mães.
Com amor,
Stefano.

10.5.08

canto de despedida.

O silêncio de quem grita,
Não é mais profundo
Que a dor de quem fica.

No berro, nossa história:
essa que enfia uma estaca
de memórias no meu peito.

(memórias
de alguém que partiu para o nunca).

E eu corro contra o tempo,
tento esquecer o que
volta com o vento:
o teu abraço.

Rasgo as noites procurando
um sorriso perdido em mim,
ou a beleza que restou depois
que a tempestade foi embora.

Cansei das minhas lágrimas:
elas não valem nada,
pois não conseguem
te dizer que meu silêncio
é de tanto que gritei por ti.

in memorian de minha avó, Zuleika.

9.5.08

coringa.

tenho todas as
cartas na manga.
mas falta coragem
para usá-las.

não tenho certeza
se é falta de prática:
passo as noites
sonhando jogadas.

meu problema
é excesso de azar.

pois juntos
(somente juntos)
temos toda a sorte
do mundo.

e no momento
eu jogo sozinho.

8.5.08

rascunho.

ré-sol-lá-si.
ré-ré-sol-lá-si.
dó-sol-lá-sol.
dó-sol-lá-sol.
fá#-sol.

agora imagine o piano, a platéia e os aplausos.
fim do espetáculo.

7.5.08

não parta jamais.

Campinas, 07 de maio de 2008

Vinicius de Moraes,

Seguro, entre o peito e as mãos, a sua obra completa - os versos que ilustram os dias que parecem paredes em branco. Leio-os e tento entender o seu dialeto - essa dança de palavras que me movem ao outro lado da razão.
Sua voz, que poucos lembram de cor, é transformada, todos os dias, no grito aquietado de quem bebe um pouco de suas palavras - talvez, no sussurro de quem o lê em biblioteca. Enquanto eu sou somente a essência das idéias que brotam na mente e que morrem no vento frio, você é o eterno (no silêncio dos olhos cansados).
Às vezes medito a idéia de poder lhe dizer pessoalmente tudo que seus versos me proporcionaram, mas em outros momentos acho minha retória sem-graça: meus colossos perdem a cor quando você aparece - tudo fica sem cor para admirar a sua aura nata. O mundo se torna banal e frágil perto dessa outra realidade que criou em suas estrofes - viver é mais fácil dentro de seus sonetos.
Por isso e outros tantos motivos d'alma, peço que se faça presente - sei que a morte já não foi o bastante para lhe levar embora -, peço que resista aos ventavais e não parta jamais, pois não pode haver tempo que mate quem desvendou a vida.

Com saudade,
Stefano

6.5.08

ENADE que pariu.

É comum associarmos acadêmicos com pessoas cultas que dominam a língua culta e que sabem sair com postura de qualquer situação adversa. Na maioria dos casos, acertamos ao pensar assim, até nos depararmos com certos ilustre, como o professor Antonio Natalino Manta Dantas - esse que ostenta diploma em Medicina pela FAMEB (Faculdade de Medicina da Bahia). Levando em consideração seu curriculum não há nada para se envergonhar: possui diversas especializações cirúrgicas e alta cadeira na UFBA (Universidade Federal da Bahia), como coordenador livre-docente do curso de medicina.
Tudo caminhava em seu perfeito estado de paz até semana passada, quando saíram os perversos resultados do ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) para o curso de medicina e, fatídicamente, dentre os piores desempenhos estava o da UFBA. Os repórteres que não são bobos nem nada, se apressaram em questionar Dantas sobre o péssima nota tirada pelo curso e a resposta dada por ele assombrou o país:
"Há uma inferioridade dos alunos baianos em relação aos outros. A prova foi uma mostra disso. O baiano é uma pessoa igual a qualquer outra, mas talvez tenha déficit em relação a outras populações. Não temos aquele desenvolvimento que poderíamos ter. Se comparados com os estados do Sul, vemos que a imigração japonesa, italiana e alemã foram excelentes para o país. Aqui ficamos estagnados. O povo baiano tem baixa de QI que é uma doença hereditária". E para acabar de vez com o assunto soltou a brilhante piada: "O berimbau é o tipo de instrumento para o indivíduo que tem poucos neurônios. Ele tem uma corda só e não precisa de muitas combinações musicais".
Obviamente, a população baiana não aceitou quieta essa chuva de elogios e pouco depois o governador baiano, Jaques Wagner, declarou que o professor Antonio teve um surto de imbecilidade.
Todavia diante de tudo isso, chegamos a um beco sem saída: onde ficou a eduação? Pois o que vejo são duas declarações agressivas que não passam de explosões sentimentais, o que prova que ambos não sabem aceitar uma crítica sem cair do salto (e "cair do salto" aqui não é só ficar nervoso, mas é mostrar, também, não ser digno de ocupar o cargo no qual está). Claro que dirão que tiveram motivos para dizer tais coisas, mas não importa: não importa se é um comentário racista ou não, uma nota ruim ou não - o carater e a dignidade devem ser maiores que números e palavras.
Não vamos aqui colocar a carreira de Jaques na mesa - esse que teve grande influência nos movimentos estudantis e ajudou a fundar o PT. Apenas seria de bom tom que ele soubesse devender seus eleitores (que o puseram no governo com 53% de votos) sem precisar descer ao nível de quem os ofende.
Quanto Antonio Dantas, seria razoável que analizasse melhor seu comentário, afinal ao criticar seus comterrâneos, assumiu uma postura racista (que é crime) e, caso não tenha percebido, se chingou de burro (ou ele é o único isento do baixo QI hereditário?). Por sinal, atualizar seu vocabulário deixaria seu argumento menos ridículo: QI é um termo extinto na psicologia moderna.
Claro que não pode-se extender a característica de ser mal-educado a todos os baianos, todavia preocupa saber que um estado é representado por pessoas que não sabem manter um discurso sensato e politicamente correto quando postos contra a parede. Espero que esse caso abra os olhos dos baianos: ovelhas alvas também possuem suas manchas escuras.

5.5.08

partida.

olhos fechados:
procuro no escuro
o eu que fugi para o nunca.

4.5.08

plano perfeito - parte final.

[ler parte 1, parte 2, parte 3, parte 4, parte 5, parte 6, parte 7]

Chegamos ao fim e, a partir de agora, tudo começa a fazer sentido. Eduardo era só um analista de sistema que, com fins de diversão, criou um perfil falso no Orkut para conquistar algumas mulheres e depois desiludí-las, mas não esperava se apaixonar logo pela primeira escolhida. Depois de praticamente duas semanas que se conheciam, marcaram de se ver no shopping. Ela esperava encontrar Carlos Alberto de Silva e Silva, já ele torcia para que a reação dela, ao saber a verdade, não fosse ruim.
Quando se encontraram naquele sábado à noite, Eduardo precisou usar seus melhores argumentos para convencer Vera de que seu amor era verdadeiro e puro (independente de qualquer "porém" que houvesse na história). Por fim, ela o abraçou - ele estava perdoado. Seus corações estavam quentes e pulsantes, praticamente vulcões prontos para explodir. Os braços foram se soltando vagarosamente e os rostos, que antes estavam lado a lado, se juntaram em um único beijo - o primeiro, o mais desejado e o último.
Para infelicidade dos dois, ele sugeriu que jantassem num restaurante que ficava na parte de fora do shopping. Azar mesmo foi quando ela aceitou o convite. Getúlio e Vargas, que observavam o casal de longe, os seguiram até saírem do shopping. Se aproximaram e, discretamente, encostaram a boca de suas armas nas costas das vítimas.
- Não façam nenhum sinal, não demonstrem desespero. Venham conosco, agora.
Eduardo e Vera pararam por um segundo, pensaram em fugir, mas não daria tempo. Seguiram as ordem e foram caminhando de mãos dadas até o carro dos matadores.
Um foi guiando o carro, o outro sentou-se no meio dos seqüestrados. Pararam no meio da estrada. Obrigaram as vítimas a tomar um líquido que cheirava a veneno de rato.
- Para vocês dormirem melhor.
Ele foi jogado barranco abaixo. Não tiveram coragem de fazer o mesmo com Vera, porém metros adiante a deixaram meio de um matagal.
Chovia forte.
Pronto, o amor acaba por aqui. Não o amor dos filmes que é terrivelmente perfeito e chato ao mesmo tempo, mas esse da vida real que é estranhamente belo.

*** *** *** *** ***

Shopping, 23/02/08
Sábado, 22:00

Mariana foi embora sozinha mais uma vez: Henrique era só mais um desses caras que mentem na idade, na altura, na beleza. Definitivamente ela não tinha sorte no amor.

fim.

3.5.08

plano perfeito - parte sete.

[ler parte 1, parte 2, parte 3, parte 4, parte 5, parte 6]

Cambuí, 23/02/08
Sábado, 19:40

Abriu a porta do carro, sentou-se, respirou fundo e bem devagar, fechou os olhos e sorriu apreensivo - era o grande dia. Metade de Eduardo estava pulando de felicidade, pois iria encontrá-la, mas a outra metade estava apreensiva tentando imaginar a reação dela ao descobrir que Carlos não existia.
Deu a partida e percebeu que não havia mais volta: estava mergulhando de cabeça no desfecho imprevisível que criara sem saber.

*** *** *** *** ***

Shopping, 23/02/08
Sábado, 20:00

Mariana estava sentada em frente ao cinema (como haviam combinado). Da mesma forma que em qualquer outro encontro, ela imaginou que ele não viria. Batia as botas no chão e tomava seu choco-cappuccino vagarosamente para não parecer nervosa. Esbarrou, sem-querer, seu cachecol no chantilly do drink.
- Droga, logo agora!
Salivou em dois dedos e tentou limpar, mas continuou um pouco sujo.
- Quer ajuda, Mariana?
Estava tão entretida com a mancha que não percebeu quando ele chegou trazendo uma caixa de bombons. Ela continuou olhando para baixo, com vergonha de fitá-lo nos olhos.
- Você... você... veio.
Estavam bobos como adolescentes que acabaram de descobrir o amor.

*** *** *** *** ***

Brasília-Campinas, 22-23/02/08
Sexta-Sábado, 09:00-20:10

Getúlio e Vargas eram extremamente profissionais: sabiam que ordens eram ordens não importava o dia, a hora e a vítima. Na sexta-feira, quando Ricardo comunicou-os sobre um "serviço" em Campinas, sabiam que deveriam embarcar no primeiro vôo rumo ao aeroporto de Viracopos. Possuíam todo material necessário: arma, passaporte, passagem, fotos das vítimas, lugar de encontro e horário - esse tipo de coisa que os matadores sempre têm, mas ninguém sabe de onde eles conseguem.
Chegaram em Campinas na madrugada de Sábado e tiveram o dia livre para conhecer a cidade - que ironia, talvez você tenha esbarrado, na rua, com um matador profissional. De noite, duas horas antes do proposto, já estavam no shopping. Jantaram na praça de alimentação, viram algumas vitrines e aguardaram o momento certo. Ela chegou antes e não demorou muito para Eduardo a encontrar - estavam sem-jeito e totalmente apaixonados. Getúlio e Vargas gargalham de cena patética que observavam.
- O amor é uma droga: você ama para morrer. - Vargas disse por fim.
Getúlio concordou com a cabeça.

[ler parte final]

2.5.08

plano perfeito - parte seis.

[ler parte um, parte dois, parte três, parte quatro, parte cinco]

Brasília, 21/02/08
Quinta, 15:00

O detetive Torres não era bom - era o melhor de Brasília, foi ele que desmascarou o Collor na época do impitchman e a maioria das CPIs conta com sua investigação. Dizem que não há obstáculos para ele: descobre senhas de cofres, entra em qualquer lugar, quebra sigilo telefônico e bancário, descobre qualquer pessoa atráves do número IP. Tudo isso sem deixar rastros que passou por ali. Para isso, utiliza de muita tecnologia - igual ou semelhante às apresentadas nos filmes americanos de espionagem.
Foi por tudo isso e alguns outros motivos pessoais que Ricardo o contratou. Não foi preciso muito tempo para que Torres tivesse as respostas (era um caso simples de ser resolvido): o sujeito que se apropriara do nome Carlos Alberto de Silva e Silva se chamava Eduardo Mendes e morava na cidade de Campinas.
- Para que ele está usando o nome do meu pai?
- Por enquanto, Ricardo, ele só se comunicou com uma mulher. Acho que é só diversão.
- Diversão? Diversão? Quero ver ele gargalhar quando o Getúlio e o Vargas estiverem na cola dele.
- Precisa disso?
- Sim.
Pra quem não sabe, Getúlio e Vargas não são bons - são os melhores matadores de Brasília.

*** *** *** *** ***

Cambuí, 17/02/08
Domingo, 7:00

Eduardo não dormiu a noite inteira, ao invés disso sonhou acordado com a mulher amada que nunca vira. Amava-a e podia sentir que pelos fios do computador chegava um sussuro apaixonado de sua correspondente. Só que tinha medo. Medo de contar a verdade: não era Carlos Alberto de Silva e Silva, nem sequer as fotos que dizia ser suas eram realmente suas. No fundo, o medo era que ela amasse Carlos e não Eduardo.

*** *** *** *** ***

Taquaral, 21/02/08
Quinta, 18:00

Mariana recebeu uma ligação dele convidando-a para ir ao cinema. Após o convite, os dois se emudeceram - ele se sentia envergonhado e desejava desligar, já ela sentia reseio de dizer sim e parecer extremamente fácil.
- Ah... pode ser, acho que não tenho nada marcado.
Os corações de ambos saltaram dentro do peito, a pulsação acelerou, os olhos se umideceram, o mundo parou e ficou observando-os naquele momento de maior êxtase: marcaram o primeiro encontro.
Fazia frio e ela pôde ver o rosto dele desenhado na espessa nuvem que saía do chocolate-quente.

[ler parte sete]

1.5.08

plano perfeito - parte cinco.

[ler parte um, parte dois, parte três, parte quatro]

Taquaral, 12 a 16/02/08
Terça a Sábado, sem horário definido

Mariana sentia-se estranha: nada de enjôo, febre ou dor de cabeça (não estava doente). Primeiro achou que era algo que havia comido, mas parecia alegre demais. Aos poucos, se deixou perceber que seu problema era outro e tinha nome: paixão. Na verdade, não sabia se era amor, mas de alguma maneira aquele primeiro recado no Orkut e todos os milhares que se sucederam, deixavam-na boba, sem jeito e com cara de adolescente.
Apesar de saber que alguns dias são muito pouco tempo para se apaixonar, sentiu-se uma exceção a regra: talvez amasse aquele cara com quem jamais falara por telefone ou tivesse visto pessoalmente (a única forma de contato que tinham era por MSN/webcam e, via imagem virtual, pareciam um casal perfeito).
Chegou sábado e ela sentia-se tão íntima dele que resolveu passar seu telefone. Demorou alguns minutos para ele ligar, mas foi necessário muito mais tempo para desligarem - se pudessem ficariam conversando a vida toda. Tímido, ele propôs um encontro e, apesar de querer aceitar, Mariana preferiu desconversar - ainda não estava pronta. Sem jeito, ela preferiu desligar, porém se culpou o resto da noite por não ter aceitado o convite.

*** *** *** *** ***

Cambuí, 15/02/08
Sexta, 16:00

Eduardo pensava em desistir: seu plano iria dar certo, mas ele não sairia ileso.

*** *** *** *** ***

Brasília, 18/02/08
Segunda, 11:00

Ricardo ligou para o detetive da família. Havia gosto de vingança em sua boca.

[ler parte seis]