26.12.08

uma noite calma.

apareceu quando não havia luzes,
caminhando em passos leves,
procurando um coração sincero.

a noite, dama sem pudores,
não o advertiu... divertia-se,
no entanto, com o visitante.

e, num relance, descobriu as
minhas pálpebras, os meus olhos
agudos sofrendo calados.

invadiu meu sonho...
que não era bonito também,
apenas uma ilusão qualquer
para dar graça ao sono.

quem é? - não houve resposta.
quem é? - a minha pergunta vagando
(sutilmente) pela brisa de verão.

acordei assustado, suando,
uma lágrima pendendo do olho.

e vi a silhueta no vulto.
escutei a voz no que era mudo.
contemplei a lembrança estampada
no móvel - um passado, o sorriso...

quem sou?

responde-me aos poucos,
gotejando as palavras
para afixá-las em mim.

eu sou a sua vontade mais intensa,
o seu sentimento sem sentido...
eu sou o dilema ao pé da estrada
entre o futuro e o passado:
de vez em quando, me chamam saudade.

21.12.08

moinhos de concreto.

do pedestal em que me encontro,
tudo parece mais bonito.

a beleza, presa dentro dos corpos,
liberta-se entre os vãos.
vejo os seres correndo em forma
de fragmentos, quem sou eu
para julgá-los? corri, um dia.
eu também corria por cima
das pedras silenciosas da calçada.

escuto o eco do tempo, do vento,
de mim, de tudo - são vozes bonitas
que passeiam lado a lado nas
passarelas de São Paulo.
tornam-se uivo pleno e confuso,
perturbador à minha consciência frágil.

daqui, onde as mãos não me agarram,
a plenitude é minha e sou dono do próprio
destino (desenhado em terra molhada,
outro dia mesmo, pelas minhas pegadas).

manipulo aqueles que cismavam em
prender a minha criatividade em nó italiano
de gravata, terno um pouco curto.

agora, sou livro...
sim, agora sou livro, pois a liberdade
não me importa mais.

livro cheio de figuras, enredos,
onde o verossímil não importa,
crio-me em personagens
(dane-se a esquizofrenia!)

sou eu, sou... sou tudo!
sou esse uivo pleno e confuso que
margeia a minha história,
enquanto os figurantes brincam de rotina.

esse pedestal, no alto da humanidade,
não é real, palpável, mas não chega
a ser teatral, figurativo.
também, não há salto...
apenas sonhos, ilusões, vontades, delírios.

sou Dom Quixote, entre o cinza claro
dos moinhos de concreto,
dos leões em forma de estátua,

e o meu cavalo, madeira nobre e podre,
nunca aprendeu falar inglês.

15.12.08

stalingrado.

a neve suavemente branca
jaz sobre os trilhos sujos
e encobre toda a realidade
estendida aos meus lados.

não há nada mais para ver
além do céu sem nuvens
e a certeza eminente de
que o trem está vindo.

um trem bonito,
muito melhor que aquele
usado para me levar aos
campos de trabalho forçado.

meus olhos polacos
esperam ansiosamente
por esse novo trem:
a redenção.

agora, a morte não vive
mais ao meu lado:
ela corre a minha frente.

e o meu fôlego da vida
pode acabar a qualquer
instante: basta saber
quanto tempo a morte
precisa para me alcançar.

rodas enferrujadas rangem
murmúrios secretos no
fundo dos meus ouvidos.

na neve suja de graxa,
respingam porções cálidas,
pulsantes, minhas.

vejo a luz - sim, uma luz!
e suspiro, enfim... paz.

a noite chega para somar
mais um fantasma:
vulto congelado.

14.12.08

córtex do tempo.

Apago um texto inteiro.
Releio minhas palavras velhas
e sinto o escroto gosto de nostalgia.

Não gosto da minha nostalgia.
Não gosto do meu ontem.

Pois ontem passaria a eternidade
sem colocar o meu silêncio no papel,
mas hoje acordei prolixo.

Não apenas de palavras,
mas de sentimentos, gostos e gestos.
Ontem eu aceitaria viver
os mesmos erros em todas as manhãs,
mas hoje criei coragem para aceitar
a minha palpável realidade e,
de alguma maneira quase humana,
sonhá-la debaixo de cobertas pesadas.

Ontem eu odiaria cobertas e amores,
pois os dois esquentam demais
essa minha alma quase cor de gelo.
Hoje eu quero almoçar em família
e abraçar meus avós para dizer
a falta que eles me fazem.

Hoje eu quero não-sentir o peso
das dores de todo o mundo.
Quero a felicidade plena dos
astros solitários que cintilam
em todas as noites sobre
nossas mentes quase-pesadas.

Hoje eu quero a certeza de não saber
onde o infinito do horizonte pode acabar.

Ah, o hoje chegou junto ao
meu sorriso mais breve, sincero, belo e único!

Ontem eu aceitaria ser presenteado
com um pequeno espelho de sentimentos.
(espelho turvo para dissimular essa
minha falsa-sensação de bem-estar).

Mas hoje eu quero um canhão de palavras.
Munido como atiradores de rosas
numa guerra mundial.

Hoje pretendo lançar nos outros
essa minha lógica pobre e honesta,
essa minha razão simples e ingênua.

Hoje eu quero fazer dos sonhos
a nossa mais perfeita companhia.

7.12.08

refúgio meu.

cá estou - de novo.
as mãos submersas
nesse refúgio impalpável.

suor frio na testa
e olhos de garrafa
beeeeem fundos.

outra e mais uma
vez, cá estou.

e não há nem
indícios da sua
ilustre presença.

é um sonho ruim,
mas não chega
a ser pesadelo.

a noite é bonita
e cai completamente
do outro lado da porta.

rituais, somente isso.
vivo na eloqüência
dos rituais velhos.

esses que aprendi
com a vida,
esses que me calam
os murmúrios
quando o espanto
me chega perto:

você.

cá estou - de novo.
e da mesma forma
como em todas
as outras vezes,

os segredos da
pálpebra são mais,
beeeeem mais
bonitos que a triste
e imutável vida.

dane-se a falta de sorte,
hoje, à noite, sozinho,
na cama, debaixo da colcha,
você, só você é minha.

e o amor é
deliciosamente sonhável.

30.11.08

três irmãos feios.

o passado, o presente e o futuro
são três irmãos feios e solitários.

o passado sabe que é feio,
mas não aceita sua condição.
por isso, vez ou outra, cria
uma porção de máscaras

(ou memórias, se preferir)

e volta em nossas mentes
a fim de apagar a nossa
lembrança de sua feiura.

o presente possui espelho.
vê seu reflexo horrível,
senta no chão da eternidade,
chora por sua falta de sorte,
mas não faz nada para mudá-la.
espera, no entanto, que façamos
algo de notável com sua
imperfeita existência.

dos três,
o mais perverso é o futuro.
apesar de sentir-se horripilante,
faz de tudo para que
sintamos medo absurdo.

quando nos deparamos com ele e
percebemos quão inferiores somos,
inventamos os sonhos:

uma forma meio besta de tentar
enfrentar e amansar o monstro
de setenta pés, que nunca
conseguiram dominar.

somos, no fundo, a porção de
rara beleza na brincadeira do tempo.

10.11.08

delírio datilografado.

escrevo.

e as palavras jorram
e molham minha roupa,
inundam a sala,
lavam meus pés
(cheios de sangue).

afogo-me nas palavras,
enquanto me entorpecem,
desejam e esquecem.

escrevo.

e meu coração aperta numa
agonia inflamada de ódio.
há um mundo inteiro que
me rodeia e abraça, mas há
um medo irracional que
me aprisiona nessa gaiola
de paredes translúcidas.

escrevo.

e a caneta chora implorando
piedade, meu pulso cala calúnias
dentro de sua tinta espessa.
máquina, delíro ainda minha vida
por cima da folha e relembro
ecos de memórias quentes.

escrevo.

e nos olhos uma sensação
nostálgica turva o sol
que se põe cheio de cores,
sem nenhum pecado.
enquanto eu, aqui,
poeta sem opção,
padeço cheio de culpas
e não nego meu martírio eterno:

o que me dói e fere é escrever.

7.11.08

desabafo surdo.

sinto o peso do mundo
Nas minhas costas.
sinto as conseqüências dos erros
E de todas essas decisões.

sinto que há um caminho,
Uma trilha esboçada e
Totalmente certa.
Mas sinto que todas
As portas estão fechadas.

sinto uma vontade louca
De adiar o amanhã,
Só para brincar com todas
As facetas estranhas do hoje.

sinto uma porção de coisas,
Só não sei quantas eu
Realmente sinto,
E quantas eu finjo sentir.

sinto não-querer sentir.

4.11.08

cambalear na vida.

O futuro me ensinou
que há ainda muito tempo.
mas que em todo tempo
haverá invernos e alguns amores.

O passado me contou
que nenhum tempo volta.
mas que sempre haverá
tempo pra gastar com despedidas.

O presente não me diz nada.
Entrega-me um bilhete e
me manda cambalear na vida.

Abro o papel e entendo a minha,
nossa, sua, vossa, tua sina:

O tempo é cruel
e, às vezes, dói.

Mas o tempo só mata
quem não conseguiu
ser eterno em cada manhã.

3.11.08

outra história meio igual.

Lá em cima da mangueira,
lia uma vida em branco.

Aprendeu a ser gente grande
com dois passarinhos mortos
e um estilingue na mão.

Queria ser caçador,
mas acabou virando poeta.

Trocou as suas presas
por papéis e vírgulas.

Trocou a árvore e o quintal
por um escritório pequeno.

Trocou uma manhã de infância
por uma tarde na cidade.

Só não conseguiu esquecer
seu caçador-interno:

Decidiu matar personagens.

16.10.08

dois momentos distintos.

1º:
Diante do futuro, as nossas certezas não parecem tão sólidas, como eram no momento de suas concepções. Para todo castelo de areia, há um vento suficientemente forte para derrubá-lo.

2º:
Vim com a noite, mas não estou por muito tempo. Absorva as minhas palavras e entenda meus movimentos. Já estou de partida, ou de chegada - a outro lugar. Viver é perder-se em cada encontro.

11.10.08

solitárias estrelas.

depois que inventaram a bússula,
as estrelas perderam sua graça.

hoje, eu olho para o céu, vejo
bolas de fogo cintilando sozinhas
e brinco de ligar os pontos.

antes, olhavam para as estrelas
e desvendavam o mundo inteiro.

5.10.08

no fundo, a verdade.

todas as
palavras,
no seu
ínterim,
são ocas.

por isso,
é função
de quem
escuta
enchê-las.

com
frag
men
tos
intactos
de nossos
sentimentos
escondidos.

3.10.08

pra não falar.

não vou falar de amor.
pronto, não falo.

(...)

se bem que sou incapaz
de falar de outra coisa.

pois eu amo,
amo muito e
me deixo consumir
por esse amor
maior do mundo.

mas se não vou
falar de amor,
deixo a folha em branco.

e sigo o cheiro de
torta pronta,
vindo da cozinha.

como quieto.
vivo quieto,
nas beiradas,
procurando
um jeito de não
ser romântico.

quieto, só assim,
encontro a resposta:
sou todo não-amor.

dro!ga.

2.10.08

olhos amargos de canção.

enquanto houver
poesia nesses meus
olhos amargos,
irei gritar o seu nome.

caso você, algum dia,
em qualquer lugar,
encontre o meu
lamento, peço que
mande resposta.

resposta como vento,
uma brisa gelada e fina,
para chocar no meu rosto
e secar essas lágrimas:

esse rio translúcido
impregnado na minha pele.

mande sua resposta
como tempestade e
derrube essa minha
armação de sentimentos.

cansei de dissimular canções.

28.9.08

mocassins novos.

queria calçados novos,
iguais àqueles da revista,
mas minha mãe ainda
não quer me dar outro.
embora eu até chore
(baixinho, no banheiro,
debaixo da água gelada),
a mágica dos livros não
acontece comigo:
não há fada dos sonhos
pra por dinheiro dentro
da fronha do travesseiro.
mamãe não tem culpa,
eu também não tenho.
pra falar bem a verdade,
ninguém assume a culpa.

o presidente diz:
O problema tá no estado!
o governador diz:
O problema tá no município!
o prefeito diz:
O problema tá na comunidade!
e a gente diz...

não, a gente nunca diz nada.
sempre calamos a boca
cheia de verdades cruéis.
se alguém fala qualquer coisa,
perde a merenda dos filhos.
e se fica quieto,
tem que usar o mesmo
sapato o ano inteiro.

eu queria calçados novos,
porém nessa terra,
onde os sonhos são proibidos,
o dinheiro acaba num
pastel de feira com groselha.

droga, agora tô com fome!
não há nada na geladeira,
nem sobras de ontem.
dá mais raiva saber que
o dinheiro do feijão virou
doses de cachaça -
pra curar a alma
(esfarelada) do meu pai.

vou orar pra ele não
bater na mamãe, hoje.
se não eu mando uns
amigos lhe ensinarem
uma lição das boas.

é hora de trabalhar.
tem uns moleques ricos
atravessando a rua,
tão indo pra escola.
dizem, lá no morro,
que escola é lugar pra
gente que tem futuro.

eu quero um futuro,
mas não sei onde compra.
juntei até uns dinheiros,
acho que dez reais dá
pra comprar um dos bons.
vou perguntar pro Marcão,
ele sempre sabe as novas
do mercado negro paulista.

mas agora tá na hora:
o sinal tá fechado.
preciso ganhar alguma grana,
mas os meus malabares
estão muitos feios.

ah, um dia vou possuir
malabares de circo -
bonitos e vistosos!

talvez trabalhe num circo;
fuja com uma trupe de artistas
prum mundo tão belo,
cheio de hipérboles e sorrisos.

eu nunca recebo sorrisos,
quiçá, não ganho esmola.

hoje, consegui apenas um real:
guardo na meia social.
(acho muito chique usar
essas meias finas e pretas).

e no bico dos meus
sapatos mocassins,
ajunto uma porção
de não-presenças:
as calçadas sujas;
as folhas de outono;
as penas sem vôos.

a falta de sorte
nessa história,
não impede os
sonhos de fluirem.

ainda quero sapatos novos
ou, então, realidade nova
pra pisar com meus
mocassins velhos.

17.9.08

felicidade grande.

antes de ludibriar
o mundo e procurar
riquezas, entenda
que o único caminho
para alçar felicidade
é conseguir ser feliz.

16.9.08

falta de identidade.

no meu documento de identidade
tem uma foto pequena e velha.
dizem, umas vozes de parente,
que aquele rosto é meu.
- como você era gordinho,
olha que bochechas grandes!

minha avó não cansa de limpar
as lentes dos óculos para
observar melhor a fotografia.
- parece seu avô, que saudade.
não pareço, me convenço depois,
mas não digo isso para ela,
faz tão bem para seus sentimentos
ver em mim um outro amante.

e o retrato permanece me flertando:
meio sem jeito, com um sorriso
antiquado e um futuro embaçado
dentro e quase fora dos olhos.

recuso, mas depois aceito vagarosamente
que, a despeito de todas as minhas
pedras no sapato, o futuro-presente
da foto, é totalmente meu.

guardo o documento na gaveta,
junto ao meu caderno de notas cheio
de atalhos para minha estrada-vida.

ainda permaneço eu aqui:
dividido e ímpar na carrapaça de gente.

15.9.08

mãos nos olhos.

nas curvas percebemos a delícia de
estar longe das estradas, do volante,
das direções, quase sempre,
contrárias aos nossos pensamentos.

só com as mãos na frente dos olhos
e a fuga dentro do peito,
encontramos paz em ser foragido.

eu nunca corri fora do quintal,
sou pássaro engaiolado no meu
medo-próprio de não-acertar.
de cair em alguma armadilha,
antes de perceber a delícia de
ser livre pro vento.

totalmente livre para correr
a favor da direção errada e
perceber que não sou capaz
de viver sem o peso de estar
voltando para casa.
voltando de outras casas.

na volta, há fuga.
há curvas, somente.

11.9.08

mundo de cores.

passeio por aí e,
mesmo com o passo
rápido com que ando,
posso vislumbrar um
turbilhão de cores.

todas linda, algumas soltas,
várias caminham alinhadas.

eu, cheio de sorrisos,
cumprimento todas com
sorriso grande e alguns
versos que sei de cabeça.

por serem muitas,
não consigo listá-las, com
certeza, em ordem alfabética.
na verdade, não sei nem o
nome correto de todas elas!

mas não desdenho nenhuma -
nesse mundo tão cinza,
qualquer cor merece ser tratada
com grande reverência.

cores estavam aqui antes de
todo resto e não morrem nem
conosco, nem com coisa alguma.

cores não tem alma, não sofrem,
não amam, não velam outras cores.
apenas têm a inebriante função
de fustigar nossos olhos.

e nós, seres mortais e cheios de
sentimentos, temos a pequena
função de enxergá-las com olhos
marejados e acolhê-las com amor.

mas, às vezes, apenas deixamos
que definhem em cantos medonhos,
entre ervas daninhas e muros,
no escuro, no fim (do dia, da vida).

e antes de deixarmos que sumam
de nosso planeta, para dar lugar
ao não-cor nublado de nossos
corações cada vez mais machucados,
devemos lembrar que cores
são a mais bela e simples
representação dos nossos sonhos.

sem cores não há.
sem cores não somos.

9.9.08

lógica do mundo.

para algumas perguntas,
não há respostas.
nem medos.
nem lógica.
não há nada.

existem coisas passíveis,
apenas, de serem aceitas:
sem questões, sem intrigas.
um mergulho de cabeça ao
incerto mundo das emoções.

respostas não foram feitas
para serem dadas aos montes
sem nenhum propósito -
para cada resposta cedida,
regredimos dois passos.
mas para cada pergunta nova,
avançamos dois metros.

agora, feche os olhos para enxergar
todo o universo e sua vastidão
recoberta de nada. E tudo.
talvez esses sejam os dois conceitos,
para os quais nunca haverá explicação.
não por sua abstração - o homem vê,
crê, ama e vive coisas mais abstratas,
mas por sua infeliz presença em nós.

sim, estamos repletos e somos feitos
de tudo. nada. tudo. nada. essência.

e, por maiores que sejam os esforços,
não há meio algum de explicar o
próprio ser-humano.

por isso, estamos no mundo
para descobrí-lo, não para desvendá-lo.
sim, meu caro, há uma enorme
e vaga diferença entre os dois
(basta querer vivê-la).

8.9.08

frágeis amuletos.

o retrato na parede tem a mesma
fisionomia dessa outra foto
que guardo comigo, no bolso,
junto de outros papéis, perto da
carteira e longe da alma.

guardo por força do hábito,
para não perder a prática de
segurar seu rosto dentre as mãos
antes de cada manhã de trabalho.

e na sala, ainda deixo o seu
perfil para enfeitar e dar graça.
quando perguntam, digo que é
uma velha conhecida, amiga
de infância e brincadeiras de rua.

e, assim, permuto você em mim,
como um amuleto - sem sorte.
como santo de papel - sem santidade.
como mocinha de cinema - sem filme.
como você - sem você mesmo.

somente um rosto ingênuo para
ludibriar a realidade - uma tentativa
de esquecer a fragilidade de estar só.

7.9.08

para cada dia bom.

queria poder tirar fotos bonitas,
iguais, ou parecidas com as de revista.
mas, meus olhos não têm flash,
nem botão pra congelar a nossa
fugaz e mágica realidade.

por isso, para cada coisa boa que vejo,
extraio seu suco mais concentrado:
minhas queridas palavras.

e mesmo sem poder levar, dentro
de uma pasta, retratos dos meus
momentos felizes, encho um caderno
com poemas para alegrar as nuvens
cinzas de tempestade.

6.9.08

algumas prioridades.

preciso d'um beijo quente
e um café meio gelado.
d'uma história quase contada
e um personagem real.

preciso me fortalecer
na essência e esquecer o raso.
d'uma alegria intensa pra
enfrentar meus medos.

preciso de um uivo de vento
pra me dizer que a vida
só está começando.

preciso de um sonho inteiro,
d'uma poesia secreta para
me ensinar que pesadelos
não passam de fábulas.

5.9.08

eternamente sozinho.

vai-te e nunca mais me culpe
por um pecado não cometido:
nunca disse que amava-lhe,
enquanto meu sentimento
não era puro e verdadeiro.

vai-te e leve a certeza de que
as palavras um dia vão embora.
nos dias bonitos com sol, flores.
ou cheio de amigos e sorrisos.
palavras só servem para nos
fazer sentir o que não somos:

sentimentos.

sentimentos, ao contrário de
palavras, são para sempre.
eu, nunca amante de sentir,
sinto, agora, a falta de todo
amor existente no mundo.

ou de qualquer sentimento,
algo que me preencha e sirva
de desculpa para lágrimas frias.

quem dera, nós - humanos -,
feitos de palavras e sentimentos,
sermos eternos também.
se bem que a eternidade é muito
para ser gasta com erros singelos.

mas, agora, depois de tudo isso,
vai-te, já disse muita coisa.
bem mais do que queria.
bem mais do que devia.

não sou esse tipo de vidente,
pra revelar os seus segredos,
mas posso lhe contar os meus:
essas perguntas engasgadas,
aflitas e mal elaboradas,
nunca feitas para você.

mas, vai-te.
não tenho tanta vontade de
contar estrelas, enquanto
desenha o meu busto em
sua pele-eternidade.

ah, como a eternidade me
persegue! queria esquecer
que nosso amor supérfluo
não é eterno, nem bonito.

agora, vai-te e nunca mais
me condene pelo pecado
que nunca tramei.
nem pelas palavras,
nem pelos sentimentos.

nem pelo fim de nossa
eternidade.

3.9.08

nona sinfonia.

entre notas e lágrimas,
criou sua mais bela sinfonia.

músico e homem.

com as mãos cheias de
sangue, essa essência
pura e nostálgica,

gravou nas brechas
da poesia, seu nome
(com letras garrafais).

poeta e rei.

dentro da tinta seca
de nanquim, escondeu
seu mais forte e belo
grito de esperança.

na música, vingou
o martírio de ser.

2.9.08

mentiras sinceras.

e diante de Cronos,
escutei a única filosofia
que meus ouvidos
recusaram crer:

- a vida é um
inebriante
ciclo vicioso.
amor também.

28.8.08

num dia da rotina.

A mãe fazia o almoço
apressadamente,
enquanto o pai amava
o colo d'uma morena
e o filho mais velho
matava aula de física
pra comer pastel de feira.

Deu meio-dia.

O menino chegou em
casa fazendo cara de
doença para a comida
posta em seu prato.

O pai ligou meio tarde
avisando que tinha
trabalho por fazer e
pouco tempo pra
almoçar em casa.

O filho mais novo
tinha ido pra creche.

E a mãe sentou-se só
à mesa para devorar
um prato fundo de sopa
de letrinhas, cheia de
palavras bonitas que não
faziam nenhum sentido.

A única frase que seus
ouvidos gostariam de
ouvir, precisava ser dita
Por olhos sinceros:

- Muito obrigado por tudo.

25.8.08

alguma certeza.

CONCRETO
T
CONCRETo
CONCREto
TE
CONCreto
TEM
TEMP
Concreto
concreto
TEMPO

depois de enDURecidO,
um (coração)

qU
e
B
rA

fácil;MENTE.

18.8.08

14.8.08

esfinges de luz.

não venho falar do abstrato,
mesmo com as filosofias
mais bonitas, não posso explicar
nem sequer um único
espectro de luz.

não venho falar de sentimentos,
nem de números, ou metafísica.
esse tipo de coisa não se explica:
deve-se acreditar em
sua estranha e bela existência.

cor, por exemplo, está diante
de nossos olhos, no entanto
não há como guardá-la no bolso.
mas ela nasce nas fendas,
brechas de qualquer lugar,
como pequenas flores.

ah, eu posso falar de flores:
quantas dessas já mandei
para mulheres amadas!
amor é assim:
o amante faz-se em presentes,
olhos brilhantes e fogo,
no entanto, em troca,
recebe, de vez em quando,
uma palavra, um sorriso -

nunca ganhei nenhuma poesia.

(...)

caberia aqui uma estrofe inteira
sobre poetas, sociedades anônimas,
se esses não fossem
concretamente-abstratos
para fugir de meus dedos.

em algum lugar, guardei
um discurso sobre o homem
e sua inebriante
dádiva de poder viver.
acho que perdi, se não poderia
recitá-lo inteiro e sem aplausos.

eu poderia falar de tanta coisa,
mas atropelo as idéias e
acabo não-falando de nada.

calo-me.
e tento decifrar
esfinges nas nuvens.

13.8.08

sussuro surdo.

silêncio solene, sereno,
sepulcro selado.
súbito sorriso sóbrio.

súditos seguem seus
sacerdotes sob céu
cintilante, cegamente,
sem certeza sobre
suas sinas secretas.

sábios segredos
sombrios secretados,
subitamente, cessam.

sussuros surdos.
cessam.
sussuros surdos.
cessam.
sussuros surdos.
cessam.
sussuros surdos.
rezam.

suas sinas, seguem.

6.8.08

fim da linha.

Passei dias procurando frases perdidas, alguma coisa ainda não-dita para por no papel em branco, mas não havia nada em mim - nem sequer um conselho meio irônico. O silêncio mais-que-breve estava instalado aqui dentro, não sei porquê - eu, antes cheio de palavras, agora sentia sua fuga dos meus dedos, como areia bem seca.

Se-ca.

Bem seca estava minha alma, perdida n'um labirinto tão escuro como noite de lua nova. Não, não havia lua, nem astro algum por aqui. Não havia nenhuma palavra também, por mais que as procurasse incessantemente - estavam todas com medo da pouca-chuva e céu nublado que insistiam em rondar a minha esperança. Inútil e pobre esperança que mal vazava das idéias. Droga, não há idéias por aqui. Apenas tentativas, receios. Sentimentos comprados em feira aos montes, com o dinheiro que sobra de troco.

Tro-co.

Eu troco essa minha esmola (um pouco esquecida) dentro do bolso por qualquer inspiração. Ou, se preferir, podemos estreiar um mercado negro de palavras - se você as possuir aos montes e inesgotavelmente, claro. Também posso procurá-las nos rascunhos perdidos no lixo.

Li-xo.

É como eu me sinto. Sem palavras.

Pa-la-vras.

Não há mais nada aqui além d'um antigo e esgotável ego.

2.8.08

efeito caleidoscópio.

dê-me a paz das
mariposasdoriodejaneiro
e verei a resposta do
enigmamaisqueperfeito
do nosso tempo.

pro caleidoscópiodavida,
quem não tem visão
vira gente.

1.8.08

ensaio sobre meninos perdidos.

explodiu como se fosse bomba,
a nossa estranha pomba da paz
e mesmo sem surtir efeito,
desapareceu solenemente
sem pedir qualquer aplauso.

haveria alguma lembrança
no pouco-vento quente e pesado
daquele faroeste perdido no tempo
se, naquele instante, bem depois
da morte súbita da esperança,
alguém gritasse o nome
singelo de sua mãe.

mas não houve nada, além de
um lamento breve, um sussuro
gélido e meio cinza de adeus.

não.

não foi um sussuro de adeus,
apesar de ter sido gélido.
e meio cinza.

era um suspiro de alívio ao ver
a única pomba, que jamais teriam,
voar para um vazio distante dos
livros de velhas poesias.

explodiu como se fosse bomba,
a velha e inútil sina das crianças
perdidas, as quais mal sabiam
o que era essa tal de paz.

31.7.08

apriori da nossa vida.

apriori, temo em contar-lhe que do
meu nome muito pouco irá saber:
não tenho medo, identidade,
incertezas ou cidade.

eu vivo onde há brechas e
durmo onde convém aparecer.

poderia detalhar o meu passado,
retalhar as vestes do meu segredo velado,
mas não vale nenhum pouco a pena.

quanto mais se sabe sobre mim,
mais percebe-se não haver nada
aqui dentro válido de ser conhecido.

submersos nesses olhos sofridos e nus,
cala uma história triste e seca.

assim como a minha garganta.
cansada do grito.
do medo. do fogo.

cansada de tentar dizer quem eu sou.

21.7.08

cadência para berimbau.

vou jogar nas pedras da rua
as conchas do meu martírio,
o fogo que arde nas minhas costas
e a tristeza que rasga meu peito.

mesmo sem haver cura,
passo um tempo procurando
remédio ou vento fresco
para as minhas feridas abertas.

e dessa minha moléstia,
extraio o meu canto mais doloroso -
um uivo melancólico para
para todas as madrugadas.

e mesmo rouco ou devastado,
irei repetí-lo em todas
as fases da lua, até sentir
que do outro lado do oceano
uma voz quebrada se calou.

19.7.08

essência dos sonhos.

dizem que poetas
sonham mais e
mais bonito.

eu nunca tive um
sonho que durasse
mais de uma noite.

para sonhar não basta
desvendar as palavras,
muito menos saber
usá-las ao longo das linhas
sinuosas da vida.

para possuir sonhos,
aos montes e do tamanho
da sua felicidade,
é necessário entender
que sem eles não há
graça no amanhã.

e sem amanhã, meu caro,
não há razão nenhuma
para dar o próximo passo.

18.7.08

silêncio em branco.

o silêncio não se compra
com moedas de ouro.

não se faz com
lápis de cor e papel em branco:
não há arte, canção ou corpo
para expressá-lo.

não se encontra
no meio das folhas velhas de
uma manhã nublada
cheia de poesia.

o silêncio, esse que acende
um brilho estranho nos olhos,
está vivo e morto aqui. agora.
ao meu lado. ao seu lado.

mas só poderemos sentí-lo
depois de uma noite inteira
fingindo ignorá-lo.

17.7.08

donos da nossa noite.

Dirigia na contramão da avenida, estava alcoolizado e ria daquela travessura quase infantil. Tragava um cigarro barato comprado com dinheiro roubado, as pressas, da carteira do pai. Seus amigos gritavam de prazer com o ar gelado da noite batendo nas suas caras sem barba: era uma aventura dirigir o carro do irmão do Dinho - escondido, é claro. Leonardo guiava, por ser o mais velho: dezessete anos e duas surras bem dadas.
Essa era a grande aventura daqueles cinco meninos: fingir-se de bons moços durante o dia para seus pais e, pouco depois da meia-noite, pular a janela de suas casas, afim de tornar-se quem queriam ser: os donos de suas próprias vidas adolescentes. Seus nomes, seus pudores, seus medos, suas faces perdiam-se nas pedras do asfalto. A noite era o habitat deles e da noite eles eram escravos por opção. Ali, dentro daquele Punto quase novo, não deviam explicações para ninguém e podiam fazer exatamente o que queria. Uns chamam isso de liberdade, outros, de covardia. De qualquer jeito, lá estavam adolescentes sentindo-se homens.
Guigas abriu outra garrafa de vodka.
- Um brinde aos Laranjas Mecânicas!
Riram. Uma risada seca, acompanhada da tosse de pulmões mal-acustumados à fumaça do cigarro barato. De certo modo, todos eles eram Alex, exceto por jamais terem estuprado alguém, batido em um idoso e sido presos.
Ingeriram fartos goles da bebida importada.

***

Dirigia na contramão da avenida, estava alcoolizado e ria daquela travessura quase infantil. Tragava um cigarro barato comprado com dinheiro roubado, as pressas, d'uma senhora de idade. Seus amigos gritavam de prazer com o ar gelado da noite batendo nas suas caras sem barba: era uma aventura dirigir um carro - roubado, é claro. Crico guiava, por ser o mais velho: dezessete anos, duas noites na prisão e três surras bem dadas.
Essa era a grande aventura daqueles cinco meninos: trabalhar o dia todo afim de obter o sustento dos irmãos e, pouco depois da meia-noite, pular a janela de suas pequenas casas, afim de tornar-se quem queriam ser: donos da cidade. Seus nomes, seus pudores, seus medos, suas faces surgiam das pedras do asfalto. A noite era o habitat deles e da noite eles eram escravos por opção. Ali, dentro daquele Corsa quase novo, riam da cara espantada da velha que assaltaram e podiam fazer exatamente o que queria. Uns chamam isso de liberdade, outros, de covardia. De qualquer jeito, lá estavam adolescentes sentindo-se alguém.
Dérique abriu outro saco.
- Bala pros Parceiros!
Não riram. Nem uma risada seca, não havia palhaço ou graça naquela ocasião. De certo modo, não deve haver riso enquanto alguns jovens perdem sua vida em busca de prazer.
Ingeriram pequenas doses da droga nacional.


***

Leonardo freiou bruscamente, fazendo Théo derrubar a garrafa de bebida quase cheia. Uma parte molhou o tapete do carro.
- Você tá loco, Léo? Se meu irmão sentir cheiro de bebida no carro ele vai perceber que a gente pegou o carro escondido! - Dinho espumou em raiva.
- O guarda, velho. O guarda!
Lá longe, na mesma pista que eles, mas em sentido contrário, vinha o famigerado Gol 1000 da segurança. Sempre que havia guarda novo, Leonardo fazia cara de santo e mostra sua carteira de habilitação falsa, porém se fosse o Seu Luiz...
- É o Seu Luiz, cara! - Nando balbuceou.
O carro do guarda noturno, parou ao lado do Punto. Ambos abaixaram os faróis e os vidros. Seu Luiz tinha idade para ser avô daqueles garotos, mas seu cabelo comprido não negava a sua participação nos movimentos hippies. Ele parou bem perto do carro dos garotos, pôde sentir o bafo de álcool e cigarro.
Todos riram.
- Vocês são fogo, hein? Não escapam uma noite! Toma cuidado pro guarda novo não pegar vocês!
Outras risadas.
- Entra aí, parceiro. Quer um gole?
- Não posso, tô trabalhando. Bom proveito! Se cuida, vê se não bate esse Punto, hein Léo!
- Pode deixar companheiro.

***

Crico freiou bruscamente, fazendo Brito derrubar uma carreira inteira.
- Você tá loco, mano? Você vai pagar outra pra mim, se não vai tê treta! - Brito espumava de raiva.
- PM, velho. PM!
Lá longe, na mesma pista que eles, mas em sentido contrário, vinha a famigera GARRA.
- Corre, cara, corre! - Nirso balbuceou.
O motorista estava muito drogado para fazer manobras bruscas. Tentou virar o carro, mas na primeira oportunidade colidiu com um poste, como a velocidade não era grande, a lataria estragou, mas os cinco garotos sobreviveram. O carro da polícia continuava se aproximando.
- Deu cana pra nóis!

***

Dentro da viatura estavam Humberto e Freitas. Escutavam uma música eletrôncia da rádio quando o carro dos garotos bateu. Eles sabiam as suas obrigações: estacionar ao lado do acidente, descer do carro, verificar se eram ladrões e depois ajudar. A primeira parte eles até fizeram.
- São adolescentes. - havia um descontentamento na voz do policial.
- Vamo embora, tem coisa melhor por aí. Eles se viram.
Os policiais Freitas e Humberto não gostavam de trabalhar a noite, muito menos de prender pirralho.

16.7.08

amargo dia de ontem.

sempre haverá dia em algum lugar,
mesmo que do seu lado do globo
só pareça haver trevas sem estrelas.

15.7.08

erro de concordância.

chega de gente morrendo
por ideais e virtudes:

o mundo precisa de mais fé
e menos promessa.

14.7.08

ronco de barriga usada.

bateu dois dedos pequenos
no vidro escuro do carro:
queria esmola.

mas a mulher fingiu
não escutar nada.

havia uma barriga roncando
e o ronco do motor do carro
recém-comprado.

bateu dois dedos pequenos
no vidro escuro do carro:
queria carinho, afeto.

queria ver um sorriso,
mesmo que fosse amarelo.
queria sentir-se importante.

mas a mulher preferiu
não olhar, nem por um minuto,
para os olhos negros, brilhantes
e partidos daquela criança magra.

era difícil enfrentar a sua presença míope.

13.7.08

novos botões.

preciso de novos botões
para conversar.
esses, desse paletó desbotado,
já não me dizem nada.

às vezes falam, mas suas
palavras mal saem do
seu plástico barato.

em outros tempos,
eles eram os mais bonitos
de toda a cidade
e ainda havia cor
nas suas superfícies.

em outros tempos,
eu não precisava de novos
botões para me sentir mais jovem.

12.7.08

roubar livros.

poderia roubar um livro,
talvez dois ou a biblioteca toda.
ninguém notaria a falta de um
encadernado de Cervantes,
d'um exemplar de Jorge Amado.

"Não tenho coragem", grito para
dentro da boca calada.

ah, se a coragem não estivesse
tão longe de mim, sairia daqui
rasgando as calçadas como
um trovão em tempestade.

mas não chove.
nem dentro, nem fora
de mim.

e por isso, guardo Fernando,
Cecília, Drummond e Machado
de volta na estante.
até que, num belo dia de Outubro,
um deles venha ceiar comigo.

ou dormir comigo.
ou viajar comigo
para um mundo secreto
(mudo e belo)
escondido entre o prólogo
e o epílogo da suas antologias.

11.7.08

black tie.

vestia smoking
e ceiava dinheiro.

podia comprar a
felicidade com
corpos avulsos
em países pobres
da África negra.

controlava o preço
do barril de petróleo
com o toque sutil
de seu dedo indicador.

mas morreu numa
quinta-feira, atropelado
por um motoboy apressado.

10.7.08

cicatriz.

o que era vermelho,
aos poucos, tornou-se
preto e denso.

toda ferida sangra,
mas, um dia, fecha.

é a lei da vida:

pra toda cicatriz
deve haver uma
história.

7.7.08

entenda como quiser.

o mundo é perfeito
para quem não sabe
que viver não possui
apenas cinco letras.

6.7.08

ao juvento eterno.

não há nada além de morte
no seu futuro, meu caro.
toda a sua vida já está pintada
na parede da sala,
debaixo da coberta,
entre a moldura bela,
basta ter coragem de enfrentá-la

(uma tarefa muito difícil para alguém
que sempre buscou evitar a realidade
teatral do mundo).

a coragem é a maior e única virtude
jamais alcançada em toda a sua
existência eloqüentemente trágica,
mas ainda resta um pouco de inverno,
caso queira buscá-la de dentro dos prazeres.

peço, apenas, meu caro, que seja breve,
pois é chegada a hora de um de nós dois.
ou eu, o tempo, eterno na minha
dança mágica de ponteiros
ou você, humano, trajado de
vestes imortais e límpidas,
deverá afogar-se no escuro
e frio avesso da realidade.

de agora em diante,
a sua arte é absolutamente inútil
diante do meu punhal de palavras.
o fim chega para todos, Dorian.

5.7.08

polaróide.

tenho medo de olhar
para a foto colorida
e me encontrar
antigo e desbotado.

as polaróides não mentem.

4.7.08

ser, quem sabe, não-ser.

queira não-ser poeta
para não-ver o lado
ruim do que é bom.

ou, talvez, quem sabe.

queira ser poeta
para achar o riso
escondido dos
dias nublados.

tudo depende do tamanho
da esperança que adormece
escondida em você.

3.7.08

temo em contar.

Caro Watson,
temo em contar,
mas chegaram as férias.

e seus dias vagos.
e sua imprecisão.
e seu tédio.

e seu medo do futuro
cheio de não-férias.

bem-vindo.

2.7.08

um estranho no ninho.

Muito antes de Albert Einstein, Gandhi, Isaac Newton e Leonardo Da Vinci, no meio da selva, Tarzan foi o primeiro Homo sapiens sapiens vegetariano. É certo que, para suprir as necessidades da colônia, na qual vivia, além de colher frutos e vegetais, ele caçava, pescava e fingia comer a carne - esse terceiro era mais em função da honra de sua família.
Para quem não sabe, a família do Tarzan sempre governou a tribo Tupurupiã, ou seja, seu tataravô fundou-a, seu bisavô governou (por longos 70 anos, como dizem as lendas), seu avô, apesar de vivo, sofre do Male de Potiguara (que ninguém sabe direito o que é), por isso seu pai, mesmo sem idade para ser cacique, mandava e desmandava na região. A família Tipirajuara estava fadada ao "trono" até que não houvesse mais nenhum herdeiro - ou até todos os herdeiros serem do sexo feminino.
Tarzan não tinha filhos, mas namorava - o que já era alguma coisa, tratando-se dele, pois nenhuma das outras namoradas suportou seu bafo de cebola, alho e ervas, por mais de uma semana. Uns afirmam ser, essa moça, desprovida de olfato, para todo caso, estavam juntos há dois anos e pretendiam casar no fim do outro mês. Como de costume secular, o noivo só poderia conhecer os pais da moça um mês antes do casório numa grande festa dada por eles.
Depois de dias preparando os quitutes, montando mesas e cadeiras, limpando a casa e fazendo danças para não chover, chegou a tão esperada noite da festança. Tarzan chegou montado num elefante, ambos enfeitados com penas coloridas, seus pais vinham a pé do lado do animal. Umas más línguas afirmam ele ter escovado os dentes naquela tarde, pode ser verdade, pois nenhum presente da festa relatou tapar o nariz, assim que ele começou a discursar.
Todavia, nem tudo estava destinado a ser alegria na festa: todos as receitas preparadas possuíam carne. De cavalo, para piorar. "Posso não comer ou fingir comer, não haverá problema!", pensou antes de se lembrar de um pequeno detalhe sobre essa comemoração: o pai da noiva e o noivo deveriam encher suas cumbucas até o máximo e depois disputar quem terminava primeiro. Se o moço ganhesse, estava pronto para se casar. Um tremor percorreu seu corpo, pois sabia não haver um jeito de livrar-se da comida.
Começaram as comemorações. Antes de tudo, houve o grande momento do encontro: Tarzan beijou a mão do pai da Jane e ofertou lindas flores para a mãe, mas, em troca, nada recebeu, além de um sorriso amarelo dos dois. Depois, vieram o mágico e o truque da noz que cai, os adestradores de macaco e papagaio, as dançarinas e suas cobras enfeitiçadas, os discurso e, por fim, para temor de Tarzan, o duelo da comida. Duas bonitas moças trouxeram as cumbucas amontoadas de virado de carne com mandioca e nabo. O cheiro era muito agradável, mas causou enjoo nele. "Não tem jeito, não tem volta. Agora você vai comer isso aí!"
- Um! - começaram a contar.
Tarzan respirou fundo.
Tupiranbá respirou fundo.
- Dois!
Tarzan fez cara de nojo.
Tupiranbá lambeu os beiços.
- Três!
Não importa quão demorado foi ou deixou de ser, o importante é que Tarzan terminou primeiro seu jantar. Detalhe importante: ao término, seu oponente ainda estava na metade! Era um novo recorde na tribo! Todos os convidados o aplaudiram de pé, enquanto o pai ofertava sua filha a ele.
- Obrigado, Tupiranbá.
- Eu sei que você a fará feliz.
Com um beijo, os noivos selaram a união. Poderia ser mais romântico se, nesse exato momento, a carne de cavalo não tivesse surtido efeito, fazendo-o soltar um dos mais sonoros arrotos de sua vida, para azar dele, é claro, pois arrotar depois da refeição significava que você quer mais comida.
- Tragam outra cumbuca! O vencedor quer uma tupirupurã!
"Ah não!", Tarzan pensou ao ver o tamanho da caldeira que vinha ao seu encontro. Se você não sabe, Tupirupurã significa passar a noite comendo, até um dos dois desistir.

1.7.08

em outras fronteiras.

A estrada de pouco asfalto e muita terra, levantava uma alta nuvem de poeira para cada carro de passava, fosse ele grande ou pequeno, novo ou velho. Assim aconteceu por horas, até um Monza vermelho parar com um dos pneus furado. O motorista desceu xingando todas as gerações possíveis do automóvel, uma mulher tentou consolá-lo com um abraço, duas crianças gritavam incessantemente no banco traseiro.
Ali perto, sentado no acostamento, apoiado nas malas, Juan observava a cena. Ria muito por dentro, porém mantinha uma fisionomia sem-graça por fora. Apesar do desespero do casal, ele nem fez menção de levantar-se ou de ir ajudar. Apenas observava a cena, acompanhado de seu chapéu de palha e capim na boca.
Desesperada, a moça olhou para todos os lados e encontrou apenas sol, cana e, possivelmente, milho, nada havia naquela região. Avistou Juan. Fitou-o. Fitou-a. Uma gota de suor escorria pela testa dela, limpou-a com um dos dedos sujos. Uma mosca orbitava pela cabeça dele, matou-a com um tapa (que acertou seu rosto também). Olharam-se por segundos longos e angustiantes. O sol queimava a cabeça nua do homem metralhando palavrões.
Uma das crianças anunciou sede. "Quero água, mamãe! Quero água!". Os gemidos mal chegaram aos ouvidos maternos, afinal sua cabeça estava inteira voltada para aquele rapaz. "Quero água, mamãe! Eu quero!", agora elas vazaram o consciente da mãe.
- Não tenho água, pede pro seu vô que não pára de falar coisas feias! - gritou.
"Vô, eu quero água!", disse uma dela. "É, Vô, a gente 'tá com sede!", completou a outra, mas ele não deu ouvidos a nenhuma delas, exeto aos milhares e milhares de xingamentos que jorravam na sua mente a cada milésimo de segundo.
A moça continuava com os olhos fixos em Juan e ele fazia o mesmo. Por falta de idéia ou saída melhor, ela correu em sua direção. Não, não correu - isso quebraria totalmente o drama da cena, por isso ela foi andando com passos longos, grandes e decididos. Seus olhos meio fechados e nervosos ainda estavam fixos nele.
- Você fala português?
- Yo sólo hablo español.
Elizeth percebeu quão difícil seria comunicar-se: sabia muito pouco de espanhol, por mais que acabasse de cruzar a fronteira para a Argentina.
- Por favor... usted conoce...
Salivou procurando as próximas palavras e demorou algum tempo até achá-las.
- ¿Cualquier... mecánico... de aquí?
- ¿Mecánico?
- Sí!
- Yo soy mecánico!
- ¿De verdad?
- Sí!
- ¿Usted podría ayudarnos?
- Yo no trabajo el sábado, perdón.

30.6.08

amélie poulain.

e com um último
suspiro
(nos olhos
e entre os dentes)
encaixou a tampa.

enfim.

a caixa de pandora
estava lacrada
mais uma vez.

quem dera,
para sempre.

29.6.08

inverno de 1963.

Dezembro, 1963.
Londres parece
um deserto alvo.

os flocos de neve,
voando pelo ar
denso dessa
noite e iluminados
pelos postes de luz,
parecem ínfimos
cometas pousando
sobre o Tâmisa
(congelado e só,
como os garotos
dos bairros pobres,
brincando de fazer
anjos na neve).

eu, que nunca gostei
de invernos, não saio
de casa, mas observo,
da minha janela turva,
as crianças correndo.

elas riem.

e eu, velho, lembro da
infância e sinto paz.

uma paz que só é
encontrada no fundo
das xícaras de chá
com leite e no silêncio
das lembranças antigas.

28.6.08

seu gosto.

enquanto o seu beijo
tiver gosto de paixão,
guarde-o na boca.

dê-me apenas o que
tem cheiro de saudade
e saberei o tamanho
do seu amor por mim.

27.6.08

ínfimo.

gosto
de antíteses
e poemas
extremamente
pequenos.

assim
como
gosto
de dar
banho
no meu
gato.

26.6.08

se você quiser.

Eu volto numa noite estrelada
pra gente dividir o cometa Harley.
Se você quiser, é claro.

Eu volto numa manhã de sol
para contar como vão as coisas.
Se você quiser, é claro.

Eu volto numa tarde de outono
pra pisar umas folhas velhas.
Se você quiser, é claro.

Mas se você não quiser,
eu posso não voltar.
E lhe deixo com todas as estações,
mas sem nenhum amor.

Basta querer.

25.6.08

matinê.

quando tudo isso acabar,
ainda haverá sol no céu
e tempo para pegar a
última sessão da matinê.

mas antes,
tudo isso precisa acabar.
do jeito certo, é claro:

cheio de reticências
(...)
e poesia.

como nos filmes estrangeiros,
de mocinhas, bandidos e finais
- felizes, quem sabe.

está na hora:
começaram os créditos.

24.6.08

mosaico.

o brilho das estrelas reflete
no superfície transparente
do vidro da janela:

forma e desforma mosaicos
de luzes distantes e cores
sóbrias, cinzas e chuvosas.

mas não chove.
é uma noite bonita.
há um bom poema na mesa.
uma idéia banal na cabeça.
e um café frio dentro da boca.

engulo o café. a idéia. o poema.
engulo a noite. a janela. as cores.
engulo tudo que preencha esse
vazio humano no meio do peito.

23.6.08

rasgado na pele.

me faltam unhas e
sobram dedos:
todos eles ainda inteiros.

unhas pela metade,
cortadas à deriva de
meus dentes cerrados.

uma marca impressa
e rasgada na carne de
que ainda faz falta.

qualquer coisa faz falta
e me deixa ancioso com
a sua possivel volta
num dia de verão.

rôo mais uma.
e outra. e outra.

tudo que mais quero
é trocar o sem-sabor
das unhas velhas e
conhecidas pelo regresso.

não importa de quem,
do que ou por que.
desde que regresse e
me encha a boca de
sentimentos,


eu aceito.

22.6.08

caminho das pedras.

preciso aprender o caminho de volta pra casa,
encontrar as pedras que marquei.
preciso aprender o caminho das pedras,
encontrar as pistas que deixei.

e até onde eu for, espero que você me veja.
e até onde eu for, espero que não seja

noite entre nós.

preciso entender a lógica do mundo,
o não-porquê das coisas.
ficar cara-a-cara com a verdade,
por um minuto, um segundo só
e perguntar:

se estamos cegos.
o que é certo.
o que há de errado para nós.

preciso aprender o caminho de volta.

pra você.

21.6.08

leis da física.

amor doado
=
amor recebido.

pena que em toda
troca de energia,
parte dela nunca
chega ao destinatário.

20.6.08

terráqueos? - parte final.

[ler parte quatro].

A sigla NASA, para os Treptozitóides, significa "Nüastw Awtz Soliberum Aytrutza" - dessa vez sinto-me na obrigação de traduzí-la para vocês: "Favor Deixar a Esposa na Caixa". Antes que seres femininos, de todas as partes possíveis, se revoltem contra mim, permita-me explicar: no planeta Treptozito há uma fábrica para solteirões de meia-idade, a qual projeta e cria esposas-andróide perfeitas para cada caso, porém, para recarregá-las, favor NASA.
Depois de toda essa explicação, vamos ao que interessa. Tirando os historiadores de Subeta-19 e os terráqueos, nenhum outro ser deve saber que NASA é, também, uma sigla para National Aeronautics and Space Administration, uma agência do Governo dos EUA - país da Terra -, criada em 29 de julho de 1958, responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial. Foi a mesma que mandou a espaçonave para Klaptozioôn, num projeto coordenado pelo astrônomo Henry F. S. Terry e por uma vasta equipe de técnicos e astronautas.
Desde que enviaram-na para 2003-UB313, há três anos, trinta e dois dias e vinte e três horas, a expectativa para desvendar o tal planeta é gigantesca. Milhares de contas e previsões já foram feitas e, na sua maioria, não deram em nada: pouco se aprendeu sobre a nova descoberta. Na verdade, não obtiveram nenhuma informação relevante e nova. Chegamos a parte, imagino eu, esperada por vocês: o apontador.
Geralmente, essas milhares de contas e previsões eram feitas em cima de uma mesa redonda, de vidro, situada no meio da sala de controle mais importante da NASA, por um matemático-físico-engenheiro totalmente excêntrico, Oswald Sompyà, o qual arrumava sistematicamente seu local de trabalho, todos os dias de manhã - uma lapiseira 0,7mm e uma caneta azul esferográfica do lado direito, no centro as folhas pautadas para cálculos e, do lado esquerdo, a borracha verde e um apontador elétrico.
Todos os dias, pouco depois de limparem a sala, Oswald chegava com sua pastinha de couro preto, trocava a borracha, jogava fora toda a sujeira da reservatório do apontador e, por intermédio de uma extensão, ligava-o no painel de força centrar. Cronometrados quatro minutos depois, os primeiros astronautas começavam a chegar.
Porém, nessa manhã, seu carro resolveu pifar, o táxi atrasou, havia congestionamento (por causa de um acidente) e ele chegou vinte minutos atrasado ao trabalho. Desnorteado pela seqüência de acontecimentos, Sompyà esqueceu de ligar o apontador. Ele estava tão desnorteado que, apenas treze minutos antes do tão esperado encontro entre a nave espacial e a o órbita do novo planeta, ele pôde perceber os rituais não realizados. Para muitos, isso não teria importância, afinal a equipe inteira estava amassada nessa mesma sala, fazendo a contagem regressiva.
- Doze minutos! - Henry F. S. Terry gritou animado.
Mas, para Oswald, ver aquela tomada desligada começava a deixar-lhe apreensivo e, de um segundo para outro, passou a desejar ver a nave explodir, caso não ligasse aquele plug. Tentou manter a calma, respirou fundo, fechou os olhos, os punhos, os lábios, cerrou os dentes, mas nada fez seu corpo aquietar-se.
Vários e vários e vários quilômetros dali, num planeta roxo em quase-extinção, Yülitz Gagarin preparava psicológicamente todos os conterrâneos para o fim próximo. Uns klaptozionios enchiam os tanques da "Fantástica Máquina da Implosão Total" com combustível atozônico. Famílias ceiavam a última refeição, jovens solteiros buscavam qualquer menina para namorar e uns velhos jogavam a derradeira partida de bötzslhe (ou bocha, para os terráqueos).
- Retzelis minutos para o encontro! - Yülitz Gagarin gritou, apenas.
- Três minutos para o encontro! - Henry F. S. Terry gritou animado.
Oswald não conseguiu se conter e, com a fúria de uma dúzia de touros artrídizianos, correu, esbarrando e desviando de todos outros, em direção ao Painel de Força Central. Mais furioso ficou, ao ver, no lugar onde deveria estar conectada a sua tomada, uma outra - totalmente desconhecida.
- Quarenta segundos para o encontro! Contagem regressiva! - Henry F. S. Terry gritou animado.
- Trewqa segundos para o encontro. Contagem regressiva. - Yülitz Gagarin gritou, apenas.
Num ato totalmente insano, Sompyà desligou todas as chaves elétricas e desconectou tomada por tomada até deixar o painel nu. Logo, brotaram pessoas afim de pará-lo e tentar concertar o seu erro.
- Não! Não pode ser! - Henry F. S. Terry gritou angustiado.
- Adeus. - Yülitz Gagarin sussurou para si mesmo, no exato momento em que seu planeta desapareceu, como mágica. Havia chegado o fim.
Poucos segundos depois, os computadores da NASA foram religados, mas, para infelicidade geral, não viram mais nada: nem planeta, nem descoberta, nem perspectativas futuras. A nave espacial continuava voando rumo o infinito.

Existe uma teoria muito antiga num lugar bem distante do Sistema Solar, feita por um metafísico meio biruta, que diz: "Se um planeta implodir-se num ato heróico e belo, a fim de salvar toda a sua população de uma crise, então ele resurgirá numa galáxia bem mais distante que essa. Sem nenhum dano, sem nenhum arranhão", pena que ninguém sabe se é verdade.

fim.

19.6.08

terráqueos - parte quatro.

[ler parte três].

Um apontador, esse foi a grande - ou pequena - salvação de Klaptozioôn. Pronto, está (quase) dito o fim da história, se quiser fechar essa página, partir para outros textos, lugares e vizinhanças, eu deixo. Só não diga que eu não avisei: a partir daqui está tudo decifrado. Sim, está tudo decifrado por causa de um mísero apontador de lápis. Dessa vez, eu não estou falando de alguma arma atozônica, mas desse utencílio terráqueo de fazer ponta nos lápis. Veja dentro de sua gaveta se você não possui um exemplar, não importa a cor, o tamanho, o cheiro, o gosto, foi um parecido que salvou o Universo inteiro de um grande colapso.

A nave terráquea ia em direção do planeta recém-descoberto com uma velocidade excessivamente alta para os seus padrões, mas excessivamente baixa para qualquer nave meia-boca de qualquer outro planeta meia-boca, o qual soubesse alçar a velocidade da luz, ou seja, todos os outros tirando a Terra e uns planetóides.
Fazendo os devidos cálculos, até chegar ao 2003-UB313 seriam necessários três anos e trinta e três dias humanos ou, na contagem de dias klaptoziônico, übertid anos e keleft dias. Nos dois casos, tempo suficiente para algum klaptozionio matutar uma forma de impedir o tão esperado encontro entre o antiquado robô terráqueo e a civilização extraterrestre. Claro, um tal Yülitz Gagarin descobriu uma forma heróica e bela de nunca serem descobertos: implodir o planeta com todos os seus moradores. No começo, ninguém aceitou a idéia um tanto quanto irracional, mas depois que Yülitz discursou dizendo que era melhor desaparecer como uma raça brilhante à se tornar alvo de despreso universal, a avassaladora maioria dos seu conterrâneos o apoiou e, num multirão, ajudaram-o a construir a "Fantástica Máquina da Implosão Total", a qual ditaria o fim de uma existência sem-graça dos fazedores de tortas de doce de Ypegife.
- Amigos, daqui há dois meses uma nave terráquea brega colidira com nossa órbita - discursava Mr. Gagarin na inauguração da "Fantástica Máquina da Implosão Total" para todos os habitantes de Klaptozioôn -, mas nesse exato momento, sem que eles estivessem esperando, uma implosão ultra-sônica fará nosso planeta desaparecer como mágica e, todas as mãos terráqueas, prontas para aplaudir a aterrissagem, vão guardar-se no bolso aflitas pelo sumisso do, por lá conhecido, 2003-UB313. Viva a sabotagem à Terra!
- Viva! - bradaram as vozes enlouquecidas dos espectadores.

Mas lembre-se: havia um apontador de lápis em cima da mesa e um outro destino para o planeta Klaptozioôn.

[ler a última parte].

18.6.08

terráqueos? - parte três.

[ler parte dois].

Henry F. S. Terry nunca foi o mais querido da turma, nem o mais bonito, porém sempre foi o mais inteligente - daqueles petulantes que adoram contestar o professor no finzinho da aula. Mesmo quem não o conhecia só de vê-lo podia chutar que era o maior nerd da escola: calças social, cabelo despenteado, meias erradas, all star gasto, cheiro de falta de banho, óculos redondos e, para completar, era ruivo. Apesar de tudo, ele não era um coitado, muito menos um pobre-coitado, para falar a verdade, se sentia muito melhor e mais importante que todos aqueles garotos vestindo grifes e jogando futebol americano.
Realmente, depois de dez anos, Henry é o maior astrólogo do continente, enquanto seus colegas de escola acabaram imersos em pilhas de papel, trabalhando na empresa de seus pais. Irônico, para alguns, justo, para outros, todavia os Vegeveggetis diriam: "Txi yürowm ëloem traosn kïlowdi" - eu sei, eu também me emociono com essa frase.
Ontem mesmo, um antigo colega de classe do astronomo Terry ficou de queixo caído ao ler num famoso portal de notícias:
Gênio da astronomia
Henry F. S. Terry fotografa o nascimento de um novo planeta.
Pena que os klaptozionios não ficaram tão felizes ao saber que um terráqueo, sem importância alguma tanto para a galáxia quanto para o Universo, havia tirado fotos - e com alta resolução - da desastrosa explosão de sua cápsula de invisibilidade. Não demorou para a notícia correr todos os planetas e, de uma hora para outra, Klaptozioôn virou a grande piada de todos os outros povos e piadas, como "Yts lëirov opôat astrubs mundünd" tornaram-se comuns nas festas de família, nas mesas de bar, no recreio das escola, na sala dos professores e até nos parlamentos.
O pior de tudo foi quando uma nave terráquea cruzou o espaço, afim de instalar, no tal 'novo planeta', uma sonda. Foi um grande choque para todos, por dois grandes motivos:

1) Um possível ataque terráqueo com armas de oxigênio
2) Será que os klaptozionios revelariam a existência dos outros planetas?

A bolsa trovteriana caiu 2% naquela tarde e inflação artrezulia subiu 10%. Começava a grande crise da Via Láctea.

[ler parte quatro].

17.6.08

terráquios? - parte dois.

[ler parte um].

Klaptozioôn não era conhecido por seu exértico, nem pelo seu governo (ótimo, por sinal), muito menos pelos seus oceanos de águas verdes (uma cor muito feia, por sinal). Nada disso era tão bom que não existissem melhores, porém as tortas de doce de Ypegife klaptoziônica eram as melhores no Universo, por duas razões:
1) Só havia essa fruta nesse planeta.
2) Só os klaptozianos sabiam como descascá-la.

Uma explicação rápida, a qual pode ser pulada sem que a história se altere. Primeiro, caso ainda não saiba, Ypegife é uma fruta azul, do tamanho de um punho fechado, cheia de espinhos e sua casca é tão resistente quanto concreto. Como em Klaptozioôn só existem dois tipos de fruta (essa e o morangóide, parecido com o morango terráquio), foram gastos muito dinheiro em pesquisas agrículas para conseguir fender a resistente casca da Ypegife.
Conseguiram, depois de muitos milhões de ziondólares, rasgá-la e, para decepção geral, encontraram lá dentro uma polpa viscosa meio amarela. Depois de várias discussões, decidiram quem seria o primeiro a experimentar a descoberta e, dessa vez para alegria geral, a cobaia adorou o sabor, a textura em contato com a língua, o cheiro. Era a fruta dos deuses!
Todo turista que experimentava a Ypegife queria levar um pouco para sua casa, mas como a polpa (sem a casca) apodrecia muito rápido e a fruta (com a casca) era inabrível, decidiram criar um doce. Tchanã, nasceu a Torta de Doce de Ypegife Klaptoziônica.

Voltemos a história. O que aconteceu foi que, após o isolamento dos planetas (devido as carapaças de invisibilidade) o PIB klaptoziônico caiu muito, pois não havia mais jeito de exportar o quitute tão amado. Entre as diversas idéias para aumentar o lucro do planeta, germinou uma que pareceu a mais sensata e científica de todas: secretar, ao redor das tortas, uma carapaça de invisibilidade e arremessá-las para fora do planeta, por intermédio de um canhão atozônico até seus compradores. Não pense: "Mas elas vão apodrecer no caminho", pois não irão - desenvolveram um método de mandá-las em gelo eterno para se conservar até colidirem com o destinatário.
Demoraram muitos anos até desenvolverem as tais tecnologias e, numa manhã clara do mês Dierryt, puseram o plano em prática e foi um tremendo fracasso, talvez o maior fracasso de todos os tempos: quando a primeira torta encostou na carapaça protetora de Klaptozioôn houve uma tremenda explosão - belíssima, similar as explosões solares, porém com menos fogo e mais brilho.

Num país desenvolvido da Terra, um astrólogo trancado em seu laboratório pôde ver a explosão e, aos poucos, viu surgir um planeta, o qual era grande, tremendamente roxo e cheio de fumaça da recém-explosão. Deu pulos de alegria pela descoberta.
"Talvez o Nobel seja meu esse ano" pensou quando seu coração chegou a boca.

[ler parte três].

16.6.08

terráqueos? - parte um.

Existe uma lei muito antiga num lugar bem distante daqui que diz: "Enquanto os terráqueos se acharem os donos de todo o universo, nenhum Neutrônion pode fazer contato (de qualquer forma) com eles".

Obviamente, os Austrugdes, os grandes invejosos da galáxia, copiaram essa famosa regra neutrôniana e, num piscar de olhos (não importa quantos você tenha), todos os planetas instituíram em seu regimento a proibição. Os governantes dos planetas que compartilhavam o Sistema Solar com a Terra, com tanto medo de serem descobertos pela mesma, mandaram construir imensos campos de invisibilidade - mantidos por energia solar e energia atozônica (nanoexplosões de ozônio), ao redor de seus planetas.
Apenas sete planetas não possuiam ziondólares suficientes para gastar com tamanha obra: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão (o planeta-mascote). Alguns historiadores do planeta Subeta 19, formularam a hipótese de que, quando o humano alcançou o espaço, todos os mercurinos, venuzianos, marciano, jupterianos, saturianos, urânios, neturianos e plutoôninos se esconderam em grandes dormitórios subterrâneos, mas por fatalidades acabaram morrendo.

Acho de bom tamanho explicar por que os terráqueos são tão rejeitados. Para começar, fazem guerras. Para muitos esse pode ser o maior motivo, para nossa história é o menor, já que os outros povos também fazem batalhas, com um mínimo detalhe: respeitam as ordens da Ronda Galáctica que manda os combates acontecerem fora das órbitas planetárias. Além de que conflitos entre Globertzes e Yuozos é comum, porém grupos de um mesmo planeta jamais travaram e poderiam travar uma guerra - essa é outra lei da Ronda Galáctica.
Todavia, os terráqueos não seguiram essas ordens e, assim que começaram as primeiras guerras, várias naves vieram ver o que acontecia na Terra, mas ao entrar em órbita, todas as espaçonaves pegaram fogo. Houve grande impacto na mídia tamanho acontecimento. Vários cientistas se empenharam em desvendar qual era essa arma secreta terráquea e, por fim, descobriram: oxigênio. Aconteceu um colapso nas bancadas científicas: O que é esse gás? Como produz? De onde vem? De que forma um povo tão primitivo (o qual achava que o círculo era forma mais complexa que existia!) podia ter tamanha tecnologia?
Temendo um ataque terráquio com sua arma-secreta, vários engenheiros de diversos planetas criaram freqüências resistentes a oxigênio, afim de mandar mensagens de paz aos humanos. O plano fracassou, pois, mesmo após dois mil anos de insistência em fazer contato, não obtiveram nenhuma resposta dos anti-sociaveis habitantes da Grande Esfera Azul. Todavia, o que nenhum Vogon (os seres mais inteligentes do Universo) sabia era que, somente muitos anos depois de pararem de tentar se comunicar com os terráquios, eles descobririam as ondas de rádio.
De qualquer jeito, não havia mais como reverter a situação: por medo do oxigênio e por birra dos seres-humanos, todas as outras formas de vida decidiram se isolar do tal planeta. Foi então que todas as tecnologias para deixar os planetas invisíveis aos olhos humanos foram criadas.
Como nenhum inventor conseguiu criar naves totalmente invisíveis, depois que a Terra passou a observar o Espaço, a liberdade se reduziu ao máximo: se tornaram raras as viagens de um planeta para outro e guerras foram proibidas - para não levantar suspeitas de vida extraterrestre. Os mundos estavam, praticamente isoladas, a única comunicação interplanetária eram os teléfragos-mentais, os quais faziam ligações telefônicas via transição de pensamento.

Até o ano de dois mil e oito (no calendário da Terra) ou ano 4000000002 (no calendário klaptoziônico), tudo funcionava em perfeita harmonia, mas, por um colapso energético, a carapaça de invisibilidade de Klaptozioôn explodiu e, por tremendo azar, pôde ser visto por astrólogos terráqueos, os quais - se achando, mais uma vez, os donos do universo, deram para ele o nome de 2003-UB313.

[ler parte dois].

15.6.08

antes de ir dormir.

as luzes no horizonte,
parecem estrelas:
cheias de graça brincando
de fazer cócegas no céu.

mas ninguém ri, quero dizer,
eu não escuto nenhum riso.
além do grunhido do meu gato,
do berro do papagaio e a
estranha voz da vizinha.

tomo outro gole do espumante
chocolate-quente que esfria-se
em cima da mesa cheia de papéis.

sinto o meu avesso aquecido,
diferente dos meus pés cheios
de meias de lã e minhas mãos
cobertas de luvas.

de repente.
vejo umas luzes se apagarem.
sinto o sopro morno do gato dormindo,
a paz do papagaio quieto e o silêncio
da vizinha portuguesa.

e sobram somente estrelas,
cheias de graça, brincando
de fazer cócegas no céu.
alguém ri.

eu rio, pra falar a verdade.
balanço a cabeça cheia de dúvidas.
fecho a janela, desejo boa noite ao gato,
ao papagaio, às luzes esquecidas,
à vizinha de voz estridente.

e durmo.
sonho com
estrelas.
e luzes.
e gatos.
e papagaios.

menos com a vizinha.
não gosto da voz dela.
que pena.

14.6.08

outros versos.

e no papel ficaram

i
m
p
r
e
s
s
a
s

palavras que jamais
farão sentido
se forem ditas -

sozinhas.

13.6.08

poréns e portantos.

temo, um dia, descobrir
que toda a minha história

(cheia de poréns e portantos)

caiba inteira dentro de
uma caixa de sapatos

velha, por sinal.

12.6.08

esfinge de concreto.

não importa:
quanto tempo passe,
quanto tempo dure.

sou e sempre serei
o que restou dos sonhos.

11.6.08

folhas em qualquer lugar.

Do lado de fora,
as folhas caem
das árvores.

Aqui dentro,
as folhas caem
das mãos.

direto na lareira.

e queimam
dentro e diante
dos meus olhos
molhados.

10.6.08

queridas teorias.

Dizem que, do outro lado do Universo,
há meteoros maiores que continentes,
viajando em nossa humilde direção.

Comenta-se também que, por sorte
ou azar, irão colidir na face de nosso
planeta azul num dia um pouco frio.

Depois, numa mágica fascinante,
o mundo (tanto material quanto abstrato)
tornar-se-á uma bela esfera de fogo.

O que restar, mesmo que seja poeira,
servirá de combustível às novas estrelas,
geradas nos últimos suspiros terráquios.

No fim, sobrará apenas um espaço vago,
sem lápide ou enterro, apenas lembrado
por solenes explosões do nosso velho sol.

E tudo isso dentro da lógica finita das
teorias humanas, as quais tentam
explicar até o não-porquê das coisas.

9.6.08

onomatopéia.

passou voando entre
nossos rostos quase
colados: zuaaaft.

uma brisa fria, dessas
de inverno, que uivam
na grade: vuaaaft.

e continuou seu curso,
atrapalhando beijos de
despedida: muaaaft.

até trombar de frente
com o poste: pruaaaft.

8.6.08

velho menino novo.

O velho menino, o qual esconde-se dentro de mim, decidiu sorrir mais uma vez. Jorrou d'uns poros meus, formou-se magicamente e pediu, com as bochechas em forte tom róseo, que eu me juntasse às suas brincadeiras. No começo, fiquei bravo, a ponto de achar que meu coração era panela de sopa em brasas, pedi que ficasse quieto e assumisse modos de criança adormecidamente educada - mas ele deu de ombros. Preferiu rir dos meus olhos bravos e saiu correndo o mundo de uma ponta a outra, afim de gastar todo o seu combustível. Para quem não sabe, combustível de criança é líquido proveniente de um mundo fantástico (no qual habitam sonhos e seres perfeitos), por isso não seca, não acaba, mas, pelo contrário, multiplicasse exponencialmente hora-a-hora.
Eu, que há muito tempo carrego décadas nas costas, senti a totalidade de seus pesos quando corri atrás desse pivete da minha própria imaginação. Deixo claro: corri atrás dele afim de capturá-lo e pô-lo de volta em sua estante, no fundo escuro do meu inócuo cérebro. Porém, não consegui nada além de degustar poeira, a qual era levantada das passadas ligeiras do perseguido.
Cansei, um dia, de andar contra-corrente tentando evitar o inevitável: queria voltar a ser jovem. Num colapso triste e lindo, deixe-me atar com cordas de sonho e pendi a cabeça para o lado direito - receoso de ser testemunha de um crime cometido contra mim mesmo. Foi então que aquele velho menino, o qual se escondia em mim, cravou seus pequenos, sujos, graciosos dedos infantis na minha barriga e (com precisão cirúrgica, olhos sádicos, sorriso perverso) fez cócegas. Desmanchei-me em rir, até pedir arrego e jurar em voz alta que nunca mais seria triste.

7.6.08

perto do sofá de três lugares.

azul.

não o mar.
nem o céu.

mas sim aquele quadro
exposto na minha casa,
perto do sofá de três lugares.

meu quadro, quero dizer.
monocromático e belo
para meus olhos pretos
de mulato estrangeiro.

a essência de uma única cor
junto a falta de criatividade
de um pintor inesperiente,
criou uma obra-prima:
mais minha e menos sua.

e dentro dessa moldura tosca,
comprada em loja de velharias
e pintada pela décima nona vez,
cabe, sem cortar as beiradas ou
retalhar a sua forma abstrata,
todo o meu deleite secreto.

azul. sublime. esquecido. meu.

6.6.08

explicações.

Passei só para dizer que as chaves,
postas debaixo do tapete, foram
trocadas por poeira e folhas secas.

Mas as janelas ainda estão abertas.

Obrigado.

5.6.08

giram, giram, giram.

De repente, entre uma e outra inspirada de ar, veio à minha minha mente a vontade de escrever sobre coisas incrivelmente redondas. Não, não há um grande motivo para tamanho desejo, ele veio e, por falta de coragem para suprí-lo por outro, decidi realizá-lo. Concordo que parece loucura e não deixa de sê-la, talvez as melhores idéias sejam essas, as quais aparecem do nada, não vão embora e lhe motivam a pensar.
E eu pensei sobre o assunto por alguns minutos. Primeiro, imaginei só a circunferência, depois a mesma cheia de qualquer coisa, depois a transferi para um plano tridimensional e vi surgir a Terra. Na verdade, poderia ser qualquer outro esfera, mas dizer que surgiu o nosso planeta, dá ao meu pensamento a importância necessária, afinal não é todo mundo que gasta tempo falando sobre coisas, como já foi dito, incrivelmente redondas.
É certo que "incrivelmente" só precede "redondas" pela complexidade desenhar um círculo, por exemplo, digo à mão livre, sem compasso. Pelo menos as pessoas normais não conseguem desenhar algo melhor que uma figura oval um pouco torta. Por isso, desenhar um círculo, foge à perfeição geométrica e passa a ser uma realização pessoal - há a possibilidade de você não se importar com geometria e achar tudo que foi falado agora uma tremenda besteira.
De qualquer forma, inegavelmente, o 'redondo' faz parte do nosso dia-a-dia, seja na roda do carro, seja na forma da maçã, seja na barriga grávida, seja na bola de futebol. Somos facinados por tal forma, somos forçados a aceitá-la como normal, praticamente como uma verdade indubitável - vivemos a mercê do círculo, o qual não tem cantos nem lados. Façamos um comentário a parte, nesse momento: não me venha falar do lado de dentro e do de fora, ainda estamos comentando sobre uma imagem plana.
Pronto, agora vamos à parte prática. Fiquei outro tanto de horas pra pensar qual a relação entre nós, seres bípedes pensantes, e as figuras, como você já deve saber, incrivelmente redondas. Nada a princípio. Nada depois de um tempo. Nada. Nada. Até que veio a luz e, geralmente, quando ela aparece fica tudo tão claro que não dá pra manipulá-la direito. É preciso fechar e abrir os olhos várias vezes até que, atravéz da nova iluminação, possa-se distinguir formatos e lugares. Então, depois de ruminar a idéia uma, duas, dez vezes, vem a conclusão, talvez óbvia demais para o tanto de tempo gasto gerando-a.
Poderia, agora, simplesmente, jogar a resposta nos seus ouvidos, até que ela eclodísse perto dos tímpanos, fazendo doer toda sua mente cansada desse papo, desse texto e de tantas outras coisas amontoadas desse dia. Mediante tal, separarei a respostas com reticências, pontos e vírgulas e você, por favor, leia-a da maneira certa, ou seja, sem ignorar as pausas. Depois dessas instruções, vamos ao que interessa, a resposta.
Nós, seres bípedes pensantes, gostamos tanto... das figuras, vamos adivinhe o que eu vou escrever agora, incrivelmente redondas... pois, é de nossa natureza... querer copiá-las. Nesse trecho, no qual a explicação fica muito complexa para ser didática, temo em informar: chegamos ao fim, diferente das circunferências que giram, giram, giram eternamente.

4.6.08

causo de uma família normal.

Dinei gostava de mármore. Por isso, quando se mudou para a nova casa, mandou trocar todo o piso da escada por exuberantes placas de mármore branco. A pedra, brilhante, fosca e bela - tudo ao mesmo tempo, representava riqueza para ela, talvez uma forma de substituir todo ouro e diamante que nunca possuiu. Pena que não dava para vestí-las ou serví-las à mesa para as visitas, mas ficavam à frente da casa, como tapete às solas sujas.
O tempo escureceu as pedras e presenteou Dinei com uma filha, Bruna, menina de cabelos loiros cacheados, pele clara, bochechas rosadas e gorduchas, podia dizer era bonita, mas não o faço, já que todas as pessoas levam em si a beleza e a feiura, está em nós a capacidade de ver uma ou outra. A rapariga que antes era a miss da cidade, por exemplo, pode vir a ser a velha mais feia e rabugenta do bairro, e nem assim a sua beleza de moça será esquecida. Por isso, não julgo Bruna, deixo que cada par de olhos, que cruzarem os delas, decida entre feia ou bonita. E quer saber? Isso pouco importa para mim, você ou quem quer que seja.
O que tem importância mesmo é vê-la sentada ao pé da escada, no canto, com as mãos enfiadas no meio das pernas e os pés descalços - não suportava sapatos. Toda tarde era possível encontrá-la nesse lugar fisicamente, já que seus olhos vagavam em fantasias ao fitar as mais diversas pessoas que passeavam na calçada. Às vezes, perversa, deseja que senhoras metidas a francesa caíssem, outras horas, enchiasse de compaixão e quase ia se desculpar por pensar o mal dos outros, porém não havia nada que pudesse fazê-la se levantar.
Na verdade, havia somente uma coisa, o cheiro de comida. Logo que começava a escurecer, podia sentir o cheiro de alho fritando e corria para a cozinha e despencava a contar tudo que tinha visto naquele dia à sua mãe. Dinei, com sua gigantes paciência materna, pedia que a menina fosse ter com o pai. A pequena hesitava um pouco, lembrava umas coisas de criança e corria para o colo do papai, o qual a abraçava e, cheio de alegria e cansaço, dizia sempre a mesma coisa:
- Você passou a tarde inteira naquele degrau, menina? Deve ter visto um bocado de coisas, mas antes de contá-las, você precisa de um banho!
- Mas pai, foi tão...
- Não querida, primeiro o banho, depois você me conta suas histórias antes de eu dormir.
É certo que ele dormia antes do fim do primeiro causo e ela enchia-se de risos, beijáva-lhe a bochecha e corria para suas cobertas. A mãe, dona-de-casa tradicional, ainda lavava louças e podia escutar a menina orando e pedindo pelos seus pais, seus amigos, seus vizinhos, seus desconhecidos. Dia sim, dia não, podia perceber que a menina pegava no sono bem antes de chegar ao Amém.
Quando terminava as suas tarefas, Dinei passeava uns segundos pelo escuro de sua casa, saía e ia à escada sozinha. Observava o canto mais claro do último degrau, onde a filha se sentava todas as tardes. O resto da escada permanecia empoeirado e cada vez mais escuro. Todo mármore, toda a riqueza que sonhou um dia, estava atrofiando aos poucos e a deriva do tempo. Caberiam algumas lágrimas aqui, mas ela não chorava, não sei se ficava alegre também, emoções vazam a parte exterior e só podem ser entendidas totalmente quando vista de dentro pra fora.
Para todo caso, gastava alguns bons minutos olhando as pedras e, antes de ir embora, depositava debaixo de seus pés, uma prece, um desejo, um sonho, um pouco de si, esperançosa de poder dormir mais leve.
Partia aliviada para ser quarto, mas antes deixava um beijo colado à testa da filha. Deitava-se e, ao som do coração pulsante, alçava o merecido descanso, enquanto o mármore frio, do lado de fora casa, cravava em si novas lápides.

3.6.08

sei que está aqui.

sinto no embalo do vento,
no coro das ondas,
nas fases da lua,
na fumaça dos carros,
no quente das cobertas,
no som do meu violão.

é um sussuro, algo que
impregina nos meus
ouvidos e não me
deixa aquietar.

soa igual a voz de
alguém conhecido, porém
não reconheço rostos e jeitos
nessa presença invisível.

mas eu sei que ela está aqui e
posso até escutá-la entre
os passos da minha caminhada,
no meio do meu almoço, no fim
das minhas lições, antes de ir.

ir embora, ir dormir, ir viver.

chego a achar que a voz vem de mim,
aqui de dentro, do vão dos sonhos.

acredito que ela nasceu junto ao futuro
e se renova todos os dias, nas horas
esquecidas que passo dormindo.

para mim, não importa sua origem,
sua intensidade, seu combustível.
importa mesmo a sua volta
para me dizer que as esperanças
não morrem durante as madrugadas.

2.6.08

plágio.

faço das suas palavras as minhas.
encho as mãos de um punhado delas
e devoro-as lentamente, saboreando
o quente, frio, salgado, doce sabor
dos seus paradoxos incolores.

cor não é tão importante como
sabor e conteúdo, os quais aguçam
o meu faro animal não-extinto.

e quando sobra somente suco
dentro da minha boca, imundo
a minha caneta de frases feitas
e as solidifico no papel calado:

a sua literatura tímida e esquecida,
toma poder e graça quando posta
junto ao meu nome, escrito às pressas.

1.6.08

preguiça.

- Você está aí? - uma voz conhecida ecoa do lado de fora.
Queria não responder para continuar mergulhado em minhas cobertas, mas não tenho coragem de mentir e me resolvo vivo. Atravesso todo apartamento até deparar-me com a porta.
- Lucas, você está aí? - a voz berra impaciente.
Observo as ranhuras da porta e sua falta de tinta, lembro-me que nunca a pintei - nem ela, nem as paredes, nem o quarto, nem minha vida. Gosto das coisas meio estragadas, cheias de marcas do tempo como prova das histórias que passaram. Ergo uma sobrancelha ao focar a maçaneta cheia de pontos escuros ofuscando seu brilho dourado, faz tempo que não limpo nada nesse velho apartamento herdado.
- Abre a porta.
O novo grito explode dentro dos meus neurônios vagos e lentos: vejo as cores da porta se misturarem lentamente. Achei que iria desmaiar, porém foi somente um susto, uma falha desse meu cérebro congestionado de tantos pensamentos ilógicos.
Dou mais um passo rumo à porta e lembro que estou de pijama. Em outros momentos poderia receber um conhecido, mas estar com esse roupa me lembrou que faz três dias que não tomo banho. Me sinto sujo, talvez mais que isso, sinto um manto de passado em mim.
O chão está frio, caso queira saber, e os meus dedos gorduchos mal relam os pisos, receosos de fazer qualquer barulho que conflite com minha respiração pesada. Falando neles, percebo que um dos assoalhos está solto. Desvio, esbarro na parede e chuto o rodapé. Dói, mas não falo nada, mais por preguiça do que por rouquidão.
- Você não vai abrir?
Ainda recostado à parede, me movimento uma distância que julgo ser um passo. Paro. Fecho os olhos e mergulho num sonho que é meu - talvez não faça sentido para você, logo não irei contá-lo. Mas me alimento dessa ilusão. Antes que pudesse decidir girar a chave na fechadura, escuto passos se distanciando e percebo que a voz foi embora.
Sorrio, não por alegria, mas por força do hábito. Abro os olhos, vejo um bilhete que passou no vão da porta. Peço que se faça vivo e leia seu conteúdo, mas nem ele, nem eu o faço.
Minha barriga ronca, eu ronco e o sono me leva, numa dança quase ensaiada, até a cama. Receio acordar só amanhã de tarde.

31.5.08

bandas do norte.

meus olhos áridos ainda
anceiam um milagre que
parece não acontecer por
essas bandas do norte:

chuva.

não somente ela, mas sua
mágica secreta de fazer
o que é marrom-terra
vir-a-ser
verde-mato e azul-rio.

faz tempo que não vejo
um trovão rasgar o céu,
anunciando uma esperada
e trágica tempestade.

sim, faz muito tempo que
esperamos ver todo esse
chão empoeirado tornar-se
barro de boa qualidade.

ah querida chuva!
volte para o meu abraço
cansado de lhe esperar.

30.5.08

xícaras de café.

- Não quero agradar nem gregos, nem troianos. - dizia-me com a voz carregada de bravura.
- Queres o que, então, meu caro? - perguntei entre uma linha e outra de meu livro.
- Não quero nada, pouco me importo com a opinião alheia. Prefiro vestir a roupa que me cabe a usar o terno da moda; gosto do meu cabelo desarrumado e não penteado com gel, igual aos personagens da novela. Procuro um agora do meu jeito, pintado da minha cor preferida, cheirando meu perfume preferido. Minto quando digo que não quero nada, pois quero apenas uma coisa e, quiçá, a mais difícil de todas elas: quero, mais que qualquer outra coisa, me agradar.
Busquei resposta no fundo da xícara de café, mas só encontrei açúcar.

29.5.08

ritual nostálgico.

envolto pelas badaladas
do meu coração,
crio, nas paredes
(do quarto),
os nossos corpos.

juntos, separados -
de toda forma possível.

até que pego no sono
pesado e profundo e,
vagando no mundo
dos sonhos, esqueço
se lhe amei a vida inteira.

28.5.08

capitu.

agora que estou cá dentro,
não me ofereça a porta de saída -
já está tarde para ir embora.

tudo que quero é mergulhar
um pouco mais nessa esfera oblíqua
e por aqui viver uma vida inteira.

desejo me alimentar do negro e
incerto mundo que se esconde
atrás desse brilho dissimulado
dos seus olhos de garota.

27.5.08

parênteses.

(ainda há chances.
basta encarar o mundo
com olhos marejados de
esperanças.

enquanto seu coração
bombear sonhos e
a voz não cravar nos
dentes, sim, ainda
haverá chances).

26.5.08

trôpego.

tropeço em alguns pontos,
atropelo algumas letras,
até encontrar seu nome
que não escrevi.

no meu poema.

25.5.08

meus dias.

no tropeço dos meus dias,
perco o pouco de medo que
guardei no avesso da minha razão.

24.5.08

em paz.

ali, debaixo da cama,
o novo amanhã adormece
esperando que esse dia
termine em paz.

23.5.08

fio de cabelo.

há um fio de cabelo
na minha sopa.

um fio escuro e denso,
boiando sozinho no
caldo amarelo quente.

por tempo, quis trocar
o prato, mas me acostumei
com a presença indigesta
daquele visitante.

com fome e coragem,
engulo às pressas gordas
colheradas, esperançoso
em afogar o pêlo e mágoas.

quero misturar à comida,
o seu cheiro, o seu gosto,
o seu rosto, o seu jeito,
afim de lhe esquecer.

pois o seu cabelo preso ao chão
da minha eternidade,
incomoda mais que esse
dentro da minha boca.

22.5.08

narrador, eu juro.

A noite entra pela janela impregnando todo o quarto. O vulto com aspecto de gente sentado à mesa, massacra palavras em folhas de papel, mas seus braços parecem não se cansarem de escrever frases e mais frases. De perto, iluminado pelo abajur, a sombra toma forma de uma mulher bonita, com olhos úmidos e corpo trêmulo. Gostaria de não ser narrador para poder abraçá-la, esperançoso de espantar essa carapaça de medos e incertezas que cobrem-na.

Conheci essa personagem outro dia, passando pela mesma casa, quando a escutei gritando com um homem, minutos antes dele ir embora com uma mala grande, cheia de roupas e ilusões. Passei por lá todo o resto da semana, porém ele não havia voltado - doeu algo aqui dentro ao pensar que, talvez, o mesmo nunca mais pusesse os pés naquela casa.
Hoje, um mês depois do ocorrido, senti (e narradores têm presentimentos mesmo) que algo de errado iria acontecer naquele lugar. Corri, medroso daquele misto de sentimentos que batiam no meu peito, desejei chegar antes que ela tomasse qualquer atitude impensada. Se aquela história era escrita por mim, poderia mudar seu roteiro quantas vezes fosse necessária.
Cansado, cheguei a tempo de vê-la sentar à escrivaninha, sua pele clara estava rosada por causa do frio e esquentáva-se com casacos e amores não esquecidos. Retirou da gaveta uma caneta, papel, ânimo e esperanças, todavia nada a afagava, não como o abraço perdido de amantes velhos. À meia-luz, seus olhos azuis, cheios de lágrimas presas, brilhavam como duas safiras polidas.
Antes de começar, sussurou um juramento quase esquecido: "Eu juro pelo meu coração apaixonado que toda lembrança sua me fará bem, que todos os nossos momentos viverão eternamente, que nos meus lábios só haverá lugar para o seu nome, que farei dos seus gostos os meus, que nada poderá tirar o seu sorriso da minha mente e os seus olhos dos meus, eu juro pelo nosso passado lindo e pelo futuro que desenharemos juntos".
Então, começou a escrever versos e versos desesperados e com caligrafia ilegível. Ora gostava e continuava, ora jogava tudo no lixo para preencher outras folhas virgens. Por fim, sangrou sentimentos em doze folhas. Levou as mãos aos cabelos, esses que escorriam no meio dos dedos como areia seca. Abriu uma outra gaveta.
Desculpa, mas aqui eu precisei intervir. Troquei o frasco que lá estava por um envelope, no qual ela depositou aquele longo poema recém-escrito. Fiz que endereçasse-o para o ex-marido que, com saudade e peso na consciência, estava à porta da casa, sem dinheiro, mas com flores. Não era o melhor amante que existia, porém o amor fazia dos dois o par imperfeito mais perfeito que já existiu. Ela o aceitou de volta, jogou o poema de despedida na lixeira e juntos recitaram, em todas as manhãs de suas vidas, aquele velho juramento quase esquecido.

Chegamos ao fim. Sem-graça? Talvez. Vá lá, deixo que boceje com essa narrativa romântica e desafinada. Todavia, entenda que fiz os ajustes necessários para não haver suicídios em nome do amor. Odeio matar personagens no fim da história.

21.5.08

pó de mármore.

cravo os dedos na superfície
alva e brilhante que fende-se
em milhões de pontos brancos,
como estrelas num céu de outono.

num misto de sonho e realidade,
vejo surgir cores e desenhos,
a cima, a frente, embaixo,
dentro de mim.

ajunto um punhado de fragmentos
entre as palmas grosseiras.
fecho os olhos e procuro a paz que
se esconde atrás das pálpebras.

encontro outros eus perdidos
pelas tramas da vida.
uma lágrima-cristal desenha seu
caminho no meu rosto.

sinto o abraço do vento
levando embora todo
mármore que se
prendeu à minha pele.

meus lábios sussuram um
discurso improvisado.
peço que o futuro não seja
tão escuro quanto parece ser.

grão a grão, minhas mãos
tornam-se nuas novamente.
a névoa de pó acalma e
assenta-se no chão.

lentamente, vou embora.
despido de pesadelos e incertezas.

20.5.08

abstrato.

me descobri vivo, hoje.
com sangue nos olhos
e coração pulsante.

foi como acordar
de uma outra
realidade, na qual
eu era só sonho.

às vezes acho que
nunca fui nada e
me calo com a boca cheia
de palavras quentes.
(como lava recém expelida).

mas me descobri vivo.

e se antes eu mal existia
no outro lado da realidade,
hoje posso cravar no
concreto da minha existência
as garras dos meus dias.

19.5.08

antítese.

os sonhos secaram.
os amores fugiram.
os olhos murcharam.
as palavras voaram.
mas eu fiquei.

eu fiquei sozinho e
não há mais nada em mim.

mas até que sou feliz.

18.5.08

porções.

comprei pilhas para reanimar
minha mente-brinquedo.

tento achar as respostas,
antes das perguntas.
quero verdades, mas
não esqueço os medos.

comprei uma porção de mim
para queimar no fogo da vida.

17.5.08

epitáfio.

sob as pedras da
calçada, entre a
terra e o cimento,

jaz uma poesia
que foi esquecida
no calor dos dias
e dos seus abraços.

16.5.08

naipes - paus.

outro dia,
construi um barco
para afundar no
mar das palavras.

barco sem vela.
somente casco,
timão e mastro,
onde eu coloco
a minha bandeira
que, por ironia,
tem a sua imagem.

15.5.08

naipes - copas.

certa vez, pediu uma
receita para espantar
coração quebrado.

disseram-lhe que
não havia método,
remédio ou médico.

coração quebrado
só se conserta com
boas doses de cal,
durex e poesia.

não necessariamente
os três juntos,
talvez um, ou outro.
talvez nada.

talvez seja melhor
afogá-lo num mar
de amores perfeitos.

14.5.08

naipes - espadas.

As gotas amargas escorrem
e me encobrem de um
manto vermelho.

Sinto-me rei e herói,
e, aos poucos, vejo
a realidade se apagar
dos meus olhos.

Onde havia cavalhos,
cavaleiros e espadas,
surge a escuridão
e seus fantasmas:

o passado, o futuro, o eu, o você.
Chamo seu nome, mas estamos longe,
como as estrelas e a imensidão
que nos separa delas.

Seguro as lágrimas dentro
das pálpebras fechadas
e o grito, embaixo do nó da garganta:
não há tempo para despedidas.

Cruzo as mãos sobre o peito
e sinto meu coração frio
(cheio de mágoas e livre de culpas).

Respiro, prendo o ar -
minha cabeça gira
numa dança que não ensaiei.

Enfim, puxo o punhal
de dentro do peito.
Um último ato heróico
antes de me tornar
busto de mármore
nos jardins de Atenas.

13.5.08

naipes - ouros.

sentado à beira
da estrada,
comendo poeira
das rodas,
jorrava palavras.

dizia ser sonhos
e vendia-os aos
nobres que não
sabiam sonhar.

fez fortuna assim:
trocando utopias
por esmolas.

com o tempo,
passou a viver
no palácio real
e, toda noite,
contava ao rei
os segredos do mundo.

por longos anos
metralhou ilusões
até que, numa tarde
sem-graça, morreu.

morreu montado
em denários de
ouro, rodeado de
sonhos e triste.

triste como se
nunca tivesse
sonhado.

12.5.08

cobre e azul.

a chama cobre e azul
encobre todo o papel.
aos poucos, vejo surgir
fuligem e nada.

parte das cinzas vêm
em minha direção,
mas a maioria voa
mundo a fora.
(em busca de algum
quintal limpo para sujar).

minhas mãos, trêmulas,
querem apagar a fogueira,
na esperança de encontrarem
cartas queimadas pela metade.

mal sabem que não é preciso,
pois o fogo queima tudo:
o papel, a lenha;
o álcool, a grama.
mas o fogo,

o fogo não mata as palavras.

11.5.08

amor de mãe.

Abriu primeiro o olho esquerdo, depois o direito. Olhou de um lado para o outro: seu pai ainda dormia. Escutou um barulho de xícara na cozinha e rapidamente saltou da cama de casal. O coração batia forte, foi até seu quarto e buscou, de uma gaveta, um cartão - as letras infantis mostravam que ele o havia feito. O pequeno coração batia acelerado ritmado pelo medo e pela ansiedade.
Revisou o discurso em pensamento, abriu um largo sorriso e desceu correndo a escada. Parou no último degrau. Avistou-a dentro da cozinha. Chegara a hora.
- Mãe! - gritou entre uma passada e outra - Mãe! Mãe!
- Filho, você acordou tão cedo!
Sentou-se no colo da mãe e forçou olhos de gente grande.
- Sabe, é que você merece! Você merece bem mais do que isso! Você merece todo o universo de presente! Feliz Dia das Mães!
- Brigada filho!
- Eu fiz pra você! - Eduardo disse ao entregar o cartão.
- Que lindo. Não precisava!
No fundo não precisava mesmo. Claro que presentes agradam e demonstram carinho, mas de nada adiantam se não vierem acompanhados de amor. Talvez só o amor baste - mães querem sentir que seu amor é recíproco.
- Eu te amo, filho.
- Eu te amo, mãe, assim, do tamanho do universo.

Mãe,
Não importa o que aconteça, quero que saiba: amo você, assim, do tamanho do universo e nada pode mudar isso. Feliz Dia das Mães.
Com amor,
Stefano.