10.2.08

antes do embarque.

- Há tanta coisa pra falar, mas me falta tempo: meu voô partirá em vinte minutos. Eu tenho poucos créditos no celular e não quero comprar um cartão para usar num telefone-público. Você não pode me ligar, pois não sabe meu novo número, roubaram o meu outro celular. Droga, há tanto coisa pra falar, mas não tenho tempo pra dizê-las. Poderia começar agora, mas de certo não terminaria, são muitas coisas e você não as aceitaria sem contestar primeiro. Será que não há um outro jeito de fazer isso? Uma carta, quem sabe, mas você não me disse onde está morando.
- Olha, eu...
- Não! Não fale nada, não temos tempo pra perder com conversas tolas, há assuntos pendentes para serem resolvidos antes que eu embarque naquele avião rumo Pequin e suma da sua vida sem você nem notar.
- É que...
- Não! Não conteste nada, me escute, apenas. Eu preciso dizer o que, por tantos anos de namoro, eu não consegui. Droga, eu ensaiei um discurso tão bonito, só que não há tempo pra palavras bonitas, agora. No fundo, o negócio é o seguinte: depois de você, eu não consegui amar nenhuma outra mulher, só você domina meus sonhos e pensamentos. Meu amor, eu estou disposto a recomeçar, a mudar meus erros e tentar, de uma vez por todas, ser seu príncipe encantado. Você quer se casar comigo?
- M...
A ligação caiu, os créditos acabaram, ele embarcou rumo à China sem saber o que ela tentou responder pelo telefone e, depois de um tempo no novo país, ele resolveu esquecer esse passado e começar um novo romance.

Já faz uns anos que essa história aconteceu e, por todo esse tempo, eu guardei comigo a resposta que ele escutaria naquela tarde. Não, não era para eu ter escutado, mas narradores geralmente sabem mais do que devem, ouvem mais do que podem e vivem mais do que desejam. Foi por um tremendo acaso que, naquela tarde, eu resolvi contar a história desse jovem apaixonado.
Eu estava dando uma volta pelo aeroporto em busca de esposas chorando pelo marido que vai embora, crianças abraçando o pai, namorados dando um último beijo, quando eu vi Robson (sim, o meu protagonista) sentado no chão, ao lado de suas malas, com o celular no colo - achei estranho e me interessei pelo enredo. Ele abria e fechava o aparelho como se estivesse impaciente.
Se levantou, respirou fundo, olhou o relógio e percebeu que faltava pouco tempo para o embarque então, resolveu ligar. Digitou o número de cabeça e, ao passo que a outra pessoa atendeu, desatou a falar, falar e falar. Falou tanto que não conseguiu ouvir a resposta para a sua pergunta, mas chegou o momento da revelação. O que a moça do outro lado da linha disse foi:

- Mas o senhor ligou para o número errado.

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