28.5.10

ou o poema dos prazeres:

ei mulher, chorar também é belo.
tão mais belo do que se pintar,
tingir os olhos, os lábios de rouge
- só não deixe que a tinta invada
sua alma e dissimule as imperfeições -

permita-se abrir em flor,
sentir o cheiro da noite:
do orvalho o pranto.

o pranto é belo,
a noite é bela e calma:
silenciosos...

ei mulher,
teus olhos em pérolas
parecem brilhar como estrelas.
roubou a lua, eu sei, posso ver.
o céu está nublado e sua alma, limpa,
uma luz lunar emana do espaço
que cavaram em seu peito.

cavaram com dedos ferozes?
parece chegar-lhe ao coração.
parece que o coração está ferido
por espinhos, sangrando...
e pulsa? escute, pulsa!
dê-me um pouco, dê-me de beber
e beberei... até cair embriagado
cantando o hino dos homens perdidos

- perdidos de amor -

eu sei, mulher, roubara a lua
tentando parecer completa,
como se fosse possível!
cobrir o poço da alma com a água
que jorra de outras bicas.

transborde com suas lágrimas,
o rio sempre é límpido, sincero.
um dia tudo passará, como passa!
então sua flor estará aberta, amarela,
exalando a esperança de ser nova.

nova flor no meio da noite fria.
mas a noite é bela e a flor, pequena.

ei mulher, deixe que eu chore
as suas lágrimas, as suas feridas.
deixe que eu carregue por toda noite
o pesar das suas costas: parece cansada.

tape o brilho com as mãos,
meus olhos estão fustigados.

pareço ser consumido por essa luz,
enquanto chego perto e corro o braço,
esse meu braço que enfrentou a vida,
pelo seu pescoço. posso te carregar,

passaremos juntos essa noite,
um dia não vamos querer acordar.
por enquanto, abro as asas e lhe cubro.

sei o nome de uma dúzia de estrelas,
posso lhe dizer, se ajudar nos sonhos.
mas durma, durma tranqüila,
enquanto lhe faço lembrar que a vida
é muito mais que olhos pintados de negro,
enquanto devolvo a lua aos amantes.

no seu peito vazio haverá um espaço
que eu posso preencher.
mas só se ele estiver plenamente vazio,
como sua alma sempre esteve.

não morda o fruto, por favor.

toque, sabe o que é? uma dor nascente. ainda repousa, tão quieta que parece uma esperança, mas estas são tão verdes e nunca crescem mais que limões, você jamais as confundiria, só quando ainda muito pequenas… as dores são grandes, de um vermelho agudo, como maçãs argentinas quase fora da época boa. as dores são lindas quando ainda não colhidas, são de uma beleza ofuscante, de um sabor molhado nos lábios, um sabor de fome.

o fruto se afaga nas mãos e os olhos, na película lustrada. então, se lembra - lembra da outra vez que mordeu, da outra vez que o suco lhe tocou a língua, parecia bom, mas logo veio o amargo. e a fruta tão linda por fora, se mostra pequi por dentro. (os espinhos na carne doem de verdade, doem no silêncio, na multidão, doem.) o fruto, jogado longe, repousa e apodrece, mas os espinhos parecem sempre, sempre vivos.

num arbusto pequeno, mirrado, ainda floresce com um cheiro minguado de meia-estação o fruto esverdeado. quieto, depois que as feridas levaram o rubro e trouxeram a palidez, o pranto, um que de cor-de-madrugada, a sede de procurar-se mais e mais, tentar beber o suco da pequena esperança não parece má opção. a lembrança do sabor doce parece ir embora com o cheiro azedo de limão. sem água nos lábios, o desejo amarrado, resta a falta de força - como coragem. os lábios receiam, mas mordem. o suco jorra e jorra com um sabor de mel recém-tirado do favo. e há um que de brilho nos olhos que parece enchido de uma explosão do centro da terra… alegria.

os espinhos ainda permanecem na carne, mas esta - banhada de suco - parece anestesiada: quase já não dói. E quando perguntam se as feridas fecharam, responde:

- não e doem porque são feridas, marcam porque são ausências de mim, são reticências que me foram tiradas. doem, mas eu tento esquecê-las a todo momento, embriagado de algo que me traz um sorriso de alma: esperança.

está vendo este fruto? toque. é macio. sei que qualquer conselho que eu lhe possa dar, não irá deixá-lo longe, fender a pele escarlate é inevitável. estão vai, vai caminhar pelo bosque, colher seus frutos… só não esqueça do licor de toda Iracema, que inebria os heróis e deixa mais leve o pesar dos passos, o pesar da lança ferindo o peito, o pesar do mundo, do mundo. colha, por favor, um pouco mais de esperança - mesmo que não lhe pareça agradável, colha. por favor, por mim, por nós.

11.5.10

quando fechar a porta.

sinto que estou indo embora,
que muito em breve estarei longe,
tão longe quanto meus olhos
possam contar as léguas.

sinto que estou arrumando-me,
entrego os nós; tiro a poeira,
os sapatos e sinto:

sinto que estou indo embora.

me disseram
(em cada partida,
há um pouco de morte)

e a morte me aparece
de branco, irônica.
já não penso na morte
como deixar a vida,

penso na morte poética:
deixar lavar-se.

então, morro.
o que vem depois?
o epílogo.

serei feliz no epílogo?
serei o mesmo: mudando.

acho que estou partindo

e isso é um aviso,
uma placa amarela,
é um medo, é um medo,
um lembrete de alerta,
é a vida, é a vida:

um pouco menos de mim.