1.2.10

(em)barca de mim.

sabe-se lá que, num lugar distante,
desce o mundo um barco quieto
sem tripulantes.

virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito.

um barco cheio de um nada
completo.
um barco à vela
movido ao vento das palavras.

um barco que traz e carrega
versos ao poeta que procura amar.

sabe-se lá que, numa tempestade,
um pescador descobriu o barco.
tentou domá-lo e fazê-lo
refém de sua fúria
de homem das marés.

e a vela não resistiu à sua força,
sem lutar,
deixou-se rasgar em flanelas.

o vento das palavras passou-lhe
sem mexer seu casco.

e o barco parou... perdido.
e o pescador deitou... calado.
e o mundo foi ficando mais
cheio do mundo, tão mais real.

cheio de um mar escuro.

e as águas secaram e a terra surgiu
e a areia cobriu os pés de quem
andava sobre as ondas,

de quem domava o mar.

o mar escuro subiu ao céu,
a noite mais densa cobriu
a noite menos densa...

o dia apagou-se.

e o barco bebeu do vento,
embriagou-se e afogou.
pouco a pouco deixou de existir,
criou uma lembrança e só.

o pescador deitado sob
o infinito fechou os olhos para
não ver morrer o irreal.

e chorou a partida do barco,
da vela, do sopro, do mar.
e chorou sua ira de homem
dos mares bravios.

cantou um verso.
e as lágrimas molharam areia.
cantou um poema.
e água molhou sua alma.
cantou um poeta.
e o canto tornou-se mar.

o barco se reergueu bonito
e a vela parecia outra.
ondas e ventaval...

e o vento levou o barco
para o infinito
e o verso cantou bonito
um novo final:

a vida segue as ondas
e as ondas seguem...
e as ondas seguem...

o pescador saltou no mar,
o barco não era seu porto,
deveria passar.

e o barco,
virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito,

voltou a ficar cheio de um nada completo.

trazendo e carregando versos
ao mundo...

que precisava ver o mar.

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