Pai, agora que meu cálice transborda,
que a senda do vale da morte é funda
e densa como um abismo cortado com
Seu dedo na pedra feroz de um vulcão,
estenda a mão?
o vinho é amargo;
o passo é vacilante;
o frio é intenso;
a noite é murmurante.
Pai, Você que me olha do alto
e como formiga preta me vê,
Você que carrega meu coração
como diamante tirado da lama,
chegue mais próximo.
já não peço um abraço,
o afago diminui a culpa.
caí. e tornarei a cair enquanto
em passos vacilantes contornar
esse desfiladeiro.
caí porque meu coração é fraco,
como uma doença que me deixa
pálido num quarto escuro de hospital.
hoje ouço o eco da vida caminhando,
sei que estou muito longe da luz,
mas vejo um feixe, uma claridade.
por favor, cubra-a com Sua mão
de construtor, de oleiro que tirou do pó
misturado com lágrimas de amor
o sopro sublime do ser vivente.
Pai, peço pela mão,
um toque que esquente meu corpo,
que quebrante esse ego.
não me carregue, toque-me.
porque caí sozinho
e preciso me reerguer olhando em Seus olhos,
admitindo ser formiga preta,
enfrentando Sua compaixão até sentir vergonha
de suplicar sem fé.
24.6.10
17.6.10
bagagem.
um trem-de-ferro é uma coisa linda,
tem um quê de humano,
de apitar cansado como um velho
depois da guerra.
se fechar os olhos e escutar,
então parece a morte chegando,
com seu passo branco.
por que a morte é branca,
brancura de névoa no horizonte,
como um passageiro inocente:
uma bagagem de mão
e uma roupa no corpo.
e quando apita é por que pede
os trilhos limpos e desarmados.
pede que abram passagem.
e o trem-de-ferro que parece
homem, que parece morte,
que parece guerreiro depois
de limpar o sangue das mãos,
corta a madrugada com
ritmo de ferro pulsante,
de besta ferida, repugnante.
e da noite, parece a dama,
a anti-dama rasgando poesias
no cobertor turvo de estrelas,
refletido nos trilhos molhados
de orvalho frio.
tem um quê de humano,
de apitar cansado como um velho
depois da guerra.
se fechar os olhos e escutar,
então parece a morte chegando,
com seu passo branco.
por que a morte é branca,
brancura de névoa no horizonte,
como um passageiro inocente:
uma bagagem de mão
e uma roupa no corpo.
e quando apita é por que pede
os trilhos limpos e desarmados.
pede que abram passagem.
e o trem-de-ferro que parece
homem, que parece morte,
que parece guerreiro depois
de limpar o sangue das mãos,
corta a madrugada com
ritmo de ferro pulsante,
de besta ferida, repugnante.
e da noite, parece a dama,
a anti-dama rasgando poesias
no cobertor turvo de estrelas,
refletido nos trilhos molhados
de orvalho frio.
16.6.10
uma prece acanonizável.
um café cheio de mágoa,
amargo e frio, sobre
a mesa de metal jaz.
o rapaz conta o dinheiro,
pega as notas miúdas
pra pagar o almoço
- um monte delas estampa
no fundo branco da conta
uma natureza.
vem um vento que
sopra-se manso e leva
ao céu araras.
o céu azul turquesa.
lindo, límpido, lindo.
no café frio
a lembrança das nuvens
se faz (tão ocre quanto).
(tão)
o garçom, que bate
na mulher em noite ímpar,
simpático, recebe o dinheiro,
agradece a caixinha magra
inocente - calado,
baterá na mulher no fim do mês
por falta de muita sorte.
mas o rapaz guarda
a carteira na bolsa.
e as araras não voltam
pra cantar de noite.
as araras são livres
como livre é a vontade
de estar frio, amargo,
sobre a mesa de metal,
no centro da cidade quente,
esquecido das nuvens
e do tempo, jazido.
um café, uma mágoa.
um canto de ave no poente.
amargo e frio, sobre
a mesa de metal jaz.
o rapaz conta o dinheiro,
pega as notas miúdas
pra pagar o almoço
- um monte delas estampa
no fundo branco da conta
uma natureza.
vem um vento que
sopra-se manso e leva
ao céu araras.
o céu azul turquesa.
lindo, límpido, lindo.
no café frio
a lembrança das nuvens
se faz (tão ocre quanto).
(tão)
o garçom, que bate
na mulher em noite ímpar,
simpático, recebe o dinheiro,
agradece a caixinha magra
inocente - calado,
baterá na mulher no fim do mês
por falta de muita sorte.
mas o rapaz guarda
a carteira na bolsa.
e as araras não voltam
pra cantar de noite.
as araras são livres
como livre é a vontade
de estar frio, amargo,
sobre a mesa de metal,
no centro da cidade quente,
esquecido das nuvens
e do tempo, jazido.
um café, uma mágoa.
um canto de ave no poente.
14.6.10
est pluvium.
silencioso mar,
refresco e cantiga,
riacho mais que profundo,
infância querida.
gaivota no céu,
onda quebrada nos pés,
amor de papel.
pétala no mar,
indo aonde o vento vai,
traz meu coração?
a sombra da árvore
dentro do pingo de água
parece bonsai.
poeta na praia:
à pequena luz da lua
tantos versos náufragos.
o céu estrelado,
dentro da poça de chuva,
parece nublado.
nesse mar incerto
os marujos sempre são
sentimentos seus.
só a chuva mansa
faz do mar em rebeldia
canto e poesia.
no riacho manso,
a pedra branca parece
fagulha de sol.
seu sussurro leva e traz
ausências em mim.
ausências em mim.
refresco e cantiga,
riacho mais que profundo,
infância querida.
gaivota no céu,
onda quebrada nos pés,
amor de papel.
pétala no mar,
indo aonde o vento vai,
traz meu coração?
a sombra da árvore
dentro do pingo de água
parece bonsai.
poeta na praia:
à pequena luz da lua
tantos versos náufragos.
o céu estrelado,
dentro da poça de chuva,
parece nublado.
nesse mar incerto
os marujos sempre são
sentimentos seus.
só a chuva mansa
faz do mar em rebeldia
canto e poesia.
no riacho manso,
a pedra branca parece
fagulha de sol.