iguais àqueles da revista,
mas minha mãe ainda
não quer me dar outro.
embora eu até chore
(baixinho, no banheiro,
debaixo da água gelada),
a mágica dos livros não
acontece comigo:
não há fada dos sonhos
pra por dinheiro dentro
da fronha do travesseiro.
mamãe não tem culpa,
eu também não tenho.
pra falar bem a verdade,
ninguém assume a culpa.
o presidente diz:
O problema tá no estado!
o governador diz:
O problema tá no município!
o prefeito diz:
O problema tá na comunidade!
e a gente diz...
não, a gente nunca diz nada.
sempre calamos a boca
cheia de verdades cruéis.
se alguém fala qualquer coisa,
perde a merenda dos filhos.
e se fica quieto,
tem que usar o mesmo
sapato o ano inteiro.
eu queria calçados novos,
porém nessa terra,
onde os sonhos são proibidos,
o dinheiro acaba num
pastel de feira com groselha.
droga, agora tô com fome!
não há nada na geladeira,
nem sobras de ontem.
dá mais raiva saber que
o dinheiro do feijão virou
doses de cachaça -
pra curar a alma
(esfarelada) do meu pai.
vou orar pra ele não
bater na mamãe, hoje.
se não eu mando uns
amigos lhe ensinarem
uma lição das boas.
é hora de trabalhar.
tem uns moleques ricos
atravessando a rua,
tão indo pra escola.
dizem, lá no morro,
que escola é lugar pra
gente que tem futuro.
eu quero um futuro,
mas não sei onde compra.
juntei até uns dinheiros,
acho que dez reais dá
pra comprar um dos bons.
vou perguntar pro Marcão,
ele sempre sabe as novas
do mercado negro paulista.
mas agora tá na hora:
o sinal tá fechado.
preciso ganhar alguma grana,
preciso ganhar alguma grana,
mas os meus malabares
estão muitos feios.
estão muitos feios.
ah, um dia vou possuir
malabares de circo -
bonitos e vistosos!
talvez trabalhe num circo;
fuja com uma trupe de artistas
prum mundo tão belo,
cheio de hipérboles e sorrisos.
eu nunca recebo sorrisos,
quiçá, não ganho esmola.
hoje, consegui apenas um real:
guardo na meia social.
(acho muito chique usar
essas meias finas e pretas).
e no bico dos meus
sapatos mocassins,
ajunto uma porção
de não-presenças:
as calçadas sujas;
as folhas de outono;
as penas sem vôos.
a falta de sorte
nessa história,
nessa história,
não impede os
sonhos de fluirem.
sonhos de fluirem.
ainda quero sapatos novos
ou, então, realidade nova
pra pisar com meusmocassins velhos.