28.9.08

mocassins novos.

queria calçados novos,
iguais àqueles da revista,
mas minha mãe ainda
não quer me dar outro.
embora eu até chore
(baixinho, no banheiro,
debaixo da água gelada),
a mágica dos livros não
acontece comigo:
não há fada dos sonhos
pra por dinheiro dentro
da fronha do travesseiro.
mamãe não tem culpa,
eu também não tenho.
pra falar bem a verdade,
ninguém assume a culpa.

o presidente diz:
O problema tá no estado!
o governador diz:
O problema tá no município!
o prefeito diz:
O problema tá na comunidade!
e a gente diz...

não, a gente nunca diz nada.
sempre calamos a boca
cheia de verdades cruéis.
se alguém fala qualquer coisa,
perde a merenda dos filhos.
e se fica quieto,
tem que usar o mesmo
sapato o ano inteiro.

eu queria calçados novos,
porém nessa terra,
onde os sonhos são proibidos,
o dinheiro acaba num
pastel de feira com groselha.

droga, agora tô com fome!
não há nada na geladeira,
nem sobras de ontem.
dá mais raiva saber que
o dinheiro do feijão virou
doses de cachaça -
pra curar a alma
(esfarelada) do meu pai.

vou orar pra ele não
bater na mamãe, hoje.
se não eu mando uns
amigos lhe ensinarem
uma lição das boas.

é hora de trabalhar.
tem uns moleques ricos
atravessando a rua,
tão indo pra escola.
dizem, lá no morro,
que escola é lugar pra
gente que tem futuro.

eu quero um futuro,
mas não sei onde compra.
juntei até uns dinheiros,
acho que dez reais dá
pra comprar um dos bons.
vou perguntar pro Marcão,
ele sempre sabe as novas
do mercado negro paulista.

mas agora tá na hora:
o sinal tá fechado.
preciso ganhar alguma grana,
mas os meus malabares
estão muitos feios.

ah, um dia vou possuir
malabares de circo -
bonitos e vistosos!

talvez trabalhe num circo;
fuja com uma trupe de artistas
prum mundo tão belo,
cheio de hipérboles e sorrisos.

eu nunca recebo sorrisos,
quiçá, não ganho esmola.

hoje, consegui apenas um real:
guardo na meia social.
(acho muito chique usar
essas meias finas e pretas).

e no bico dos meus
sapatos mocassins,
ajunto uma porção
de não-presenças:
as calçadas sujas;
as folhas de outono;
as penas sem vôos.

a falta de sorte
nessa história,
não impede os
sonhos de fluirem.

ainda quero sapatos novos
ou, então, realidade nova
pra pisar com meus
mocassins velhos.

17.9.08

felicidade grande.

antes de ludibriar
o mundo e procurar
riquezas, entenda
que o único caminho
para alçar felicidade
é conseguir ser feliz.

16.9.08

falta de identidade.

no meu documento de identidade
tem uma foto pequena e velha.
dizem, umas vozes de parente,
que aquele rosto é meu.
- como você era gordinho,
olha que bochechas grandes!

minha avó não cansa de limpar
as lentes dos óculos para
observar melhor a fotografia.
- parece seu avô, que saudade.
não pareço, me convenço depois,
mas não digo isso para ela,
faz tão bem para seus sentimentos
ver em mim um outro amante.

e o retrato permanece me flertando:
meio sem jeito, com um sorriso
antiquado e um futuro embaçado
dentro e quase fora dos olhos.

recuso, mas depois aceito vagarosamente
que, a despeito de todas as minhas
pedras no sapato, o futuro-presente
da foto, é totalmente meu.

guardo o documento na gaveta,
junto ao meu caderno de notas cheio
de atalhos para minha estrada-vida.

ainda permaneço eu aqui:
dividido e ímpar na carrapaça de gente.

15.9.08

mãos nos olhos.

nas curvas percebemos a delícia de
estar longe das estradas, do volante,
das direções, quase sempre,
contrárias aos nossos pensamentos.

só com as mãos na frente dos olhos
e a fuga dentro do peito,
encontramos paz em ser foragido.

eu nunca corri fora do quintal,
sou pássaro engaiolado no meu
medo-próprio de não-acertar.
de cair em alguma armadilha,
antes de perceber a delícia de
ser livre pro vento.

totalmente livre para correr
a favor da direção errada e
perceber que não sou capaz
de viver sem o peso de estar
voltando para casa.
voltando de outras casas.

na volta, há fuga.
há curvas, somente.

11.9.08

mundo de cores.

passeio por aí e,
mesmo com o passo
rápido com que ando,
posso vislumbrar um
turbilhão de cores.

todas linda, algumas soltas,
várias caminham alinhadas.

eu, cheio de sorrisos,
cumprimento todas com
sorriso grande e alguns
versos que sei de cabeça.

por serem muitas,
não consigo listá-las, com
certeza, em ordem alfabética.
na verdade, não sei nem o
nome correto de todas elas!

mas não desdenho nenhuma -
nesse mundo tão cinza,
qualquer cor merece ser tratada
com grande reverência.

cores estavam aqui antes de
todo resto e não morrem nem
conosco, nem com coisa alguma.

cores não tem alma, não sofrem,
não amam, não velam outras cores.
apenas têm a inebriante função
de fustigar nossos olhos.

e nós, seres mortais e cheios de
sentimentos, temos a pequena
função de enxergá-las com olhos
marejados e acolhê-las com amor.

mas, às vezes, apenas deixamos
que definhem em cantos medonhos,
entre ervas daninhas e muros,
no escuro, no fim (do dia, da vida).

e antes de deixarmos que sumam
de nosso planeta, para dar lugar
ao não-cor nublado de nossos
corações cada vez mais machucados,
devemos lembrar que cores
são a mais bela e simples
representação dos nossos sonhos.

sem cores não há.
sem cores não somos.

9.9.08

lógica do mundo.

para algumas perguntas,
não há respostas.
nem medos.
nem lógica.
não há nada.

existem coisas passíveis,
apenas, de serem aceitas:
sem questões, sem intrigas.
um mergulho de cabeça ao
incerto mundo das emoções.

respostas não foram feitas
para serem dadas aos montes
sem nenhum propósito -
para cada resposta cedida,
regredimos dois passos.
mas para cada pergunta nova,
avançamos dois metros.

agora, feche os olhos para enxergar
todo o universo e sua vastidão
recoberta de nada. E tudo.
talvez esses sejam os dois conceitos,
para os quais nunca haverá explicação.
não por sua abstração - o homem vê,
crê, ama e vive coisas mais abstratas,
mas por sua infeliz presença em nós.

sim, estamos repletos e somos feitos
de tudo. nada. tudo. nada. essência.

e, por maiores que sejam os esforços,
não há meio algum de explicar o
próprio ser-humano.

por isso, estamos no mundo
para descobrí-lo, não para desvendá-lo.
sim, meu caro, há uma enorme
e vaga diferença entre os dois
(basta querer vivê-la).

8.9.08

frágeis amuletos.

o retrato na parede tem a mesma
fisionomia dessa outra foto
que guardo comigo, no bolso,
junto de outros papéis, perto da
carteira e longe da alma.

guardo por força do hábito,
para não perder a prática de
segurar seu rosto dentre as mãos
antes de cada manhã de trabalho.

e na sala, ainda deixo o seu
perfil para enfeitar e dar graça.
quando perguntam, digo que é
uma velha conhecida, amiga
de infância e brincadeiras de rua.

e, assim, permuto você em mim,
como um amuleto - sem sorte.
como santo de papel - sem santidade.
como mocinha de cinema - sem filme.
como você - sem você mesmo.

somente um rosto ingênuo para
ludibriar a realidade - uma tentativa
de esquecer a fragilidade de estar só.

7.9.08

para cada dia bom.

queria poder tirar fotos bonitas,
iguais, ou parecidas com as de revista.
mas, meus olhos não têm flash,
nem botão pra congelar a nossa
fugaz e mágica realidade.

por isso, para cada coisa boa que vejo,
extraio seu suco mais concentrado:
minhas queridas palavras.

e mesmo sem poder levar, dentro
de uma pasta, retratos dos meus
momentos felizes, encho um caderno
com poemas para alegrar as nuvens
cinzas de tempestade.

6.9.08

algumas prioridades.

preciso d'um beijo quente
e um café meio gelado.
d'uma história quase contada
e um personagem real.

preciso me fortalecer
na essência e esquecer o raso.
d'uma alegria intensa pra
enfrentar meus medos.

preciso de um uivo de vento
pra me dizer que a vida
só está começando.

preciso de um sonho inteiro,
d'uma poesia secreta para
me ensinar que pesadelos
não passam de fábulas.

5.9.08

eternamente sozinho.

vai-te e nunca mais me culpe
por um pecado não cometido:
nunca disse que amava-lhe,
enquanto meu sentimento
não era puro e verdadeiro.

vai-te e leve a certeza de que
as palavras um dia vão embora.
nos dias bonitos com sol, flores.
ou cheio de amigos e sorrisos.
palavras só servem para nos
fazer sentir o que não somos:

sentimentos.

sentimentos, ao contrário de
palavras, são para sempre.
eu, nunca amante de sentir,
sinto, agora, a falta de todo
amor existente no mundo.

ou de qualquer sentimento,
algo que me preencha e sirva
de desculpa para lágrimas frias.

quem dera, nós - humanos -,
feitos de palavras e sentimentos,
sermos eternos também.
se bem que a eternidade é muito
para ser gasta com erros singelos.

mas, agora, depois de tudo isso,
vai-te, já disse muita coisa.
bem mais do que queria.
bem mais do que devia.

não sou esse tipo de vidente,
pra revelar os seus segredos,
mas posso lhe contar os meus:
essas perguntas engasgadas,
aflitas e mal elaboradas,
nunca feitas para você.

mas, vai-te.
não tenho tanta vontade de
contar estrelas, enquanto
desenha o meu busto em
sua pele-eternidade.

ah, como a eternidade me
persegue! queria esquecer
que nosso amor supérfluo
não é eterno, nem bonito.

agora, vai-te e nunca mais
me condene pelo pecado
que nunca tramei.
nem pelas palavras,
nem pelos sentimentos.

nem pelo fim de nossa
eternidade.

3.9.08

nona sinfonia.

entre notas e lágrimas,
criou sua mais bela sinfonia.

músico e homem.

com as mãos cheias de
sangue, essa essência
pura e nostálgica,

gravou nas brechas
da poesia, seu nome
(com letras garrafais).

poeta e rei.

dentro da tinta seca
de nanquim, escondeu
seu mais forte e belo
grito de esperança.

na música, vingou
o martírio de ser.

2.9.08

mentiras sinceras.

e diante de Cronos,
escutei a única filosofia
que meus ouvidos
recusaram crer:

- a vida é um
inebriante
ciclo vicioso.
amor também.