30.8.09

balaios vazios.

talvez não seja fácil
ver a vida pelos olhos
das batedoras de roupa.

caladas e cansadas
do batuque surdo do
algodão nas pedras.

corre a lama entre os
dedos do pé e leva embora
as andanças tristes de
mães em solidão.

e o poeta-conselheiro,
que veio com a esperança
de inundar a terra
com todo mar que há,

cantou ao cardeal mais triste,
em tempos de enfrentar
fuzis com fé,
que aquelas pombas eram
a paz baiana do sertão.

25.8.09

verbo de send.

esta caixa de correio vazia
me cala a esperança.

outro dia, pensava alto
como pipa de criança.
já não sei mais cancionar
a vida - toda quieta
por essa caixa vazia.
manda tua carta,
sela teu beijo e
diga com que sonhos
eu devo andar.

fantasia.

jaz aqui o soneto
que escrevi quando
o amor resolveu partir.
escreva aqui teu concerto
pra eu cantar com
o coreto de anjos
que me fazem rir.

são anjos que não
me aparecem alados,
tão pouco iluminados.
são anjos como eu e você:
que acordam pra vida
e não sabem morrer.

memorialista.

a revolta é queimar páginas
e páginas de passado;
ver flamejar as odes da juventude
que se estendem em cinzas
de pouco valor sobre as madeiras
de sua velha fundação.
voam na brisa mansa da saudade
a sujar rostos e rotos.

rasga sua alma também e
joga no fogo e deixa queimar
e queimar o cubismo da história.
assim desfazer a arte,
que por toda parte retalha
olhares de poesia e penitência.

banha das cinzas o seu corpo
e faz de novo verso de outro.
poeta, se encontre no fogo
e rima seu futuro:
nascente hoje do eterno
e etéril velar das horas.

vai que o mundo lhe espera:
viver é seu lastimável dom.

bom português.

vá lá, uma dose de amargura
para meu amigo
e uma rodada de poesia
para todos nós.

poesia é menos sóbria
que um gole de insanidade.

entorpece com palavras
o coração cansado de ver
amor onde há apenas
a pura e graciosa solidão.

17.8.09

quadra do viajante.

diga que a tua passagem
é a minha chance de ver
de olhos novos o oceano
verde que me vem levar.

16.8.09

sobre todas as coisas.

com apenas um amor faço canoa,
se a tua pergunta era essa.

se não, colhe minha resposta
e semeia poesia.

cansa ver este mundo cinza.

8.8.09

como faço?

e agora, Carlos?
se até José partiu,
qual será minha
sina de poeta?

sorrir?

post-it.

aprenda, coração, aprenda
a ficar quieto na tempestade.

teu cinismo já me cansa.

tua mentira é ranger de
sapato velho em madeira nova.

aprenda, coração, aprenda
que a mesma brincadeira
mil vezes perde a graça.

amar me farta.

feitiço.

olhe meus olhos, está bem?
consuma a tristeza deles e decifre-me.

mas não, não faça perguntas.

tudo que precisa está aqui,
nos olhos.

você que entende,
decifra-me, Capitu.

e cale-se.

dias e dias.

há dias e retratos.
há retratos de dias lindos
e dias para tirar retratos.

hoje não posso me retratar,
peço desculpas, mas hoje
eu não olho confiantemente
para a minha vida.

nem sei se há lente nova
ou outras cores no cenário.

ah! paisagem que não muda,
cria outros dias de aconchego
para meu coração de retratos.

há dias e retratos.
hoje não queria acordar do
meu belo retrato de sonho.

deixe-me sonhar e ser livre:
sem sorrisos forçados de
um passageiro da vida.

hoje deixo-me nublar até
haver vermelho no céu
ou até as mesmas cores
me levarem a poentes
que ainda não vieram.

nesses dias de retrato
sem moldura, desenho
um sorriso em mim
e passo bem no quieto
esquecimento de alma.

há dias e dias.
há retratos e retratos.
há eu mesmo em certas garoas,
apago o sol e anoiteço.

venha comigo, venha.
vamos retratar as vidas
com olhos de crianças
tomando banho de chuva.

me arrecada o sentimento
e partimos, está bem?

não, nada bem,
mas deixo que chovo
e retrato.

há dias e lágrimas.
há lágrimas e retratos.

há dias em que libertação
é estar vazio e dentro de mim.

7.8.09

ver a Terra se por.

- Amor, aonde vamos hoje?

- Vamos a um lugar que disseram ter uma vista linda.

Os dois, o garoto apaixonado e sua namorada, subiram até o cume da Lua e, quietamente vislumbrados, observaram o planeta que surgia. Seus professores lhe ensinaram que aquele era a Terra, com muita área coberta por água e uma atmosfera para manter seus habitantes vivos. Seus corações, porém, diziam que era a casa de outros amantes, de outros sorrisos, de outros momentos inesquecíveis. Aquele planeta dançando em seus próprio eixo guardava os segredos de muita gente e a essência de muitas almas.

A garota, com a comoção de um espectador de filme triste, deitou sua cabeça no ombro dele e deixou escorrer lágrimas e suspiros, banhando a alma e limpando-a de sentimentos ruins.

Seus professores lhe ensinaram também que aquele planeta seria destruído, caso seus habitantes não mudassem radicalmente suas formas de agir. A voz do coração, novamente, insistia no oposto: não há morte e nem esquecimento para quem viveu intensamente.

E de lá, do cume da Lua, onde o infinito é caminhar, colher estrelas e semear sonhos, o casal percebeu que seus professores não estavam errados, só não queriam fazer poesia: em outros lugares, amam e vivem e sonham e sentem da mesma forma que eles.

6.8.09

bailarina de cristal.

não chora, alice.
pega teu pranto
e faz poesia.

e baila pela vida
como se não
existisse amanhã.

não chora, alice.
a dor não é seu
remédio pra alma.

a dor não é sua
estrada,
nem seu destino.

não, alice, não sofre.
não chora.

mas dança
e sorrir será seu passo.

dança no silêncio
da sua solidão

e será feliz.

5.8.09

aquém-sorte.

[...]

leia nesse silêncio que me encerra
a experiência das mentiras e
o riso de uma vida inteira.

o sopro da voz que cala o amor.

leia-me nesse silêncio
que eu já não posso mais suportá-lo.

4.8.09

água passadas novas.

e o seu retrato
é um oceano
que me inunda.

e eu já não amo
o que há em mim
para me desafogar.

pois
tudo que penso,
tudo que sinto,
tudo que vejo
além dos meus olhos
é a sua silhueta
que vem de noite
aninhar-se no meu travesseiro
e embaralhar minha inconsciência.

a sua foto tão amarelada
já não sai da minha memória.

pois
tudo que espero
tudo que quero
tudo que tento

é dilacerar a saudade,
desfazer o pranto,

e retomar o riso
que faz meu barco
te reencontrar.

3.8.09

marujo.

tire seus sapatos de maturidade
e sinta as ondas balançar.
aproveite o mar enquanto nenhum
navio vem levar suas sombras,
enquanto brincar no cais tem
sabor de saudade e cheiro de ressaca.

venha admirar a chama do farol
e o flamejar de um sonho pirata.

aproveite enquanto a vida é o
soprar de vento leve
e o céu, azul pleno de um sorriso.

escreva nomes na areia,
grite poesias pela metade

e graceje a vida:
plena como o amar de uma criança.

2.8.09

memoriando o amor.

não faço rimas.
não faço redondilhas.
posso até ensaiar,
mas não faço sonetos
inteiros.

minha poesia é
memoriar amores.

e eu nunca memoriei
em rimas ou versos prontos.
poeto por aí e colho olhares
como me aparecem.

depois escrevo:
ao anoitecer do amor,
quando os botões de palavra se abrem.

1.8.09

canários.

há uma parte do caminho
que deve seguir sozinho.

devolva as armaduras,
os amuletos, as cartas,
as música, os corações.

toque a fria derme da vida
com a fria derme da sua alma
e não tenha medo de caminhar.

siga um caminho ou não,
mas vá sozinho a olhar o mundo
e sorrir pra vida.

importante:
não tenha medo de cair do precipício.

vá e arrisque e caia e levante.
só não fique na borda
tateando pedras e pequenas muralhas.

e não ouça apenas os ecos,
procure conhecer sem sombras
e amar sem dedos:

ame junto ou sozinho.
ame o que lhe pedir amor ou
ame quem lhe parece desamado.

ame e arrisque e sonhe.
e tempere a vida com tudo
que brincamos de falar
e esquecemos de fazer.

brinde um novo começo
e parta sozinho para um
momento pleno.

e faça disto uma certeza:
viver é tão encantador
como um assobiar.

enquanto o fôlego lhe
concede um agudo lírico:
vá e sonhe e ame e arrisque

e assobie.