um dia lhe direi:
amor, amor
e não soará como amargura.
será música, um verso aéreo
que lhe rondará a alma
por muito tempo.
lhe fará construir um castelo,
uma muralha, um subterfúgio.
um dia lhe direi:
amor, amor
e a poesia não estará nos lábios,
mas nos olhos.
nos nossos olhos desamargurados,
brilhantes, cantantes, entregues:
amor, amor.
como mágica,
haverá música no encontro místico
de nossos corações separados
pelo oceano frio,
pelo universo,
por esse silêncio.
e nos meus braços,
o mundo valseará novamente
na nossa quialtera inventada,
no nosso baile invertido,
em nós, no oceano frio,
no universo,
nesse silêncio fendido:
amor-a-mor.
2.11.10
pileque.
é esse vazio,
é essa lua minguante,
é essa solidão que
emana de mim.
é esse veneno que
se chama saudade,
é tudo isso - uma tempestade.
é esse vazio,
é esse sol no poente
(que me lembra...
que me chama...
me espera que eu vou).
é esse vazio,
sou eu.
é essa lua minguante,
é essa solidão que
emana de mim.
é esse veneno que
se chama saudade,
é tudo isso - uma tempestade.
é esse vazio,
é esse sol no poente
(que me lembra...
que me chama...
me espera que eu vou).
é esse vazio,
sou eu.
6.10.10
sobre você que cansou da bruma.
ele dirá adeus _____ enfim,
dirá que a partida é seu novo rumo.
mudará de rota, alcançará outro cais.
ele dirá adeus _____ enfim,
assim como tantos outros já deixaram
ecoar suas lástimas na proa, no vento.
todo oceano guarda sereno
os ecos das mortes de almas,
do renascer de almas.
não falo de almas fora de corpos,
falo de marujos rasgando a vela
de seus martírios velados.
ele dirá adeus _____ enfim,
guiando o leme desta embarcação
de sonhos... de sonhos...
de pesadelos e sonhos
e algumas noitas passadas em claro.
ele cantará uma melancolia,
uma música de antigos piratas.
e somente o sol o ouvirá,
somente a lua banhará
seu resplandecer.
a só, dirá. ele gritará
vai rasgar as vestes como
alguém que está de luto.
luto pela morte dos segredos,
luto pela morte em segredo,
quieta morte em si
sob a bruma de olhos cansados.
_____ enfim.
dirá que a partida é seu novo rumo.
mudará de rota, alcançará outro cais.
ele dirá adeus _____ enfim,
assim como tantos outros já deixaram
ecoar suas lástimas na proa, no vento.
todo oceano guarda sereno
os ecos das mortes de almas,
do renascer de almas.
não falo de almas fora de corpos,
falo de marujos rasgando a vela
de seus martírios velados.
ele dirá adeus _____ enfim,
guiando o leme desta embarcação
de sonhos... de sonhos...
de pesadelos e sonhos
e algumas noitas passadas em claro.
ele cantará uma melancolia,
uma música de antigos piratas.
e somente o sol o ouvirá,
somente a lua banhará
seu resplandecer.
a só, dirá. ele gritará
vai rasgar as vestes como
alguém que está de luto.
luto pela morte dos segredos,
luto pela morte em segredo,
quieta morte em si
sob a bruma de olhos cansados.
_____ enfim.
4.10.10
em cantos de cigarra.
não gosto de cigarras:
suas cascas amareladas pelo caminho,
seus gritos rangendo pelo mundo.
não gosto de cigarras:
essas estranhas máquinas-vivas
de chorar por debaixo das copas
das imensas choupanas orgânicas.
e elas choram desesperadas:
rápido e lentamente.
alternando esse arder no ouvido.
choram como se sentissem
a morte chegar em seus peitos.
e lá cigarra tem peito?
tem coração? tem alma?
cigarras não sentem, não sofrem.
choram apenas por ser-lhes
a missão da existência.
rompem a história calma e leve
das horas com seus urros.
eu não.
eu tenho peito.
eu tenho coração e tenho alma.
eu sinto e sofro.
eu também urro por debaixo
dos choupos imensos de mãos
caladas e pesadas que me carregam
na história da vida.
urro porque sou gente e carrego
um aperto, um nó, um erro comigo.
mas eu não grito rangendo no mundo,
não exponho no ouvido dos outros
meu sofrimento.
calo-me:
expor essa chama que me consome
como se fosse fumaça e bruma
em mar calmo de manhã cinza
dói deveras mais.
cigarreio dentro, no fundo,
no calado, escuro, avesso de mim.
cigarrearei manhã e madrugada à dentro.
e quando o sol aparecer manso
por entre os cumes que me aprisionam;
quando o vento de paz correr
por entre mim e as cigarras,
levando consigo essas memórias finas e leves
que me embalam e entorpecem como seda.
quando eu estiver nu de ti,
nu de mim, olhando o mundo amanhecer
atrás da janela fria,
ouvirei um urrar de cigarra,
que talvez só retumbe no meu quarto.
ouvirei tua voz.
haverá um urro no urro, no urro, no murro
no muro que reside em mim.
minha alma urra.
quantas dessas cigarras
que cantam vida à fora
são almas pedindo socorro?
suas cascas amareladas pelo caminho,
seus gritos rangendo pelo mundo.
não gosto de cigarras:
essas estranhas máquinas-vivas
de chorar por debaixo das copas
das imensas choupanas orgânicas.
e elas choram desesperadas:
rápido e lentamente.
alternando esse arder no ouvido.
choram como se sentissem
a morte chegar em seus peitos.
e lá cigarra tem peito?
tem coração? tem alma?
cigarras não sentem, não sofrem.
choram apenas por ser-lhes
a missão da existência.
rompem a história calma e leve
das horas com seus urros.
eu não.
eu tenho peito.
eu tenho coração e tenho alma.
eu sinto e sofro.
eu também urro por debaixo
dos choupos imensos de mãos
caladas e pesadas que me carregam
na história da vida.
urro porque sou gente e carrego
um aperto, um nó, um erro comigo.
mas eu não grito rangendo no mundo,
não exponho no ouvido dos outros
meu sofrimento.
calo-me:
expor essa chama que me consome
como se fosse fumaça e bruma
em mar calmo de manhã cinza
dói deveras mais.
cigarreio dentro, no fundo,
no calado, escuro, avesso de mim.
cigarrearei manhã e madrugada à dentro.
e quando o sol aparecer manso
por entre os cumes que me aprisionam;
quando o vento de paz correr
por entre mim e as cigarras,
levando consigo essas memórias finas e leves
que me embalam e entorpecem como seda.
quando eu estiver nu de ti,
nu de mim, olhando o mundo amanhecer
atrás da janela fria,
ouvirei um urrar de cigarra,
que talvez só retumbe no meu quarto.
ouvirei tua voz.
haverá um urro no urro, no urro, no murro
no muro que reside em mim.
minha alma urra.
quantas dessas cigarras
que cantam vida à fora
são almas pedindo socorro?
8.9.10
evocações e vozes.
Não posso falar de Recife,
de uma Rua da Saudade
onde meninos cheios de pernas e sorrisos
se escondiam pra acender palha e fumo.
não posso falar de outras ruas de nome bonito,
porque por aqui as ruas tem nome de gente.
de gente que não me evoca lembranças,
mas confusões:
nunca soube quem foram,
melhor seria que chamassem as ruas:
"Rua da casa da vó"
"Rua do vendedor de doce"
"Rua do primeiro amor"
e de rua em rua veria a vida renovar
meus gostos pela saudade.
Não posso falar de Recife,
não posso chamar suas areias de minhas.
nem cantar com suas meninas,
pois nunca estiveram comigo,
nunca as toquei, nem li seus olhos.
Mas posso falar de uma selva de pedra,
outrora matas e sol sobre os ombros:
Campinas...
- não brinca na rua, é perigoso.
- não saia da escola.
não sei o que é infância na rua,
chicote-queimado? nem me ocorre como brincar.
mas já pintei o chão de giz,
já subi em árvores,
já chupei uva do pé.
me sufoco com cheiro de terra molhada,
a terra molhada por debaixo das unhas.
chuva e sol. e ventos. quatro ventos
a evocar minha infância.
no meio da selva de pedras, um reduto à imaginação.
Casa da avó. Rua do Sr. Leite, seja lá quem tenha sido.
"Rua da Saudade", minha rua da saudade.
almoço de domingo.
imensos braços italianos sobre a mesa, sobre as cabeças,
giganteando pequenos causos.
suco de limão tomado da cumbuca da salada,
a careta de quem repetirá o feito enquanto houver limões.
formigas e descobertas - aquele quintal imenso,
em que adormecia o poeta que hoje sou.
policiais. prisões. brigas. "deixe-minhas-formigas-em-paz".
nunca soube mexer na máquina de costura,
não sei fazer barra de calça, nem tirar medidas de paletó.
aprendi depois a remendar o coração,
mas pra isso não tem tutor prendado, precisa-se viver.
naquele tempo, poesia era ouvir minha avó,
sua voz mansa, ainda me lembro...
- dá um beijo na vó.
- pega a uva na geladeira, esse ano deu umas docinhas.
e a língua era linda e cheia de graça,
as histórias eram lindas e cheias de graça,
sonhar era lindo... não que ainda não seja,
mas de graça tudo sempre se esvazia.
Foi há muito tempo...
a vida cheia de mistérios... mistérios que hoje são claros
como alvas pedras de calçada portuguesa.
eu pulava pedras irregulares, hoje vejo andorinhas
(no céu, no chão, sabe-se lá por onde voam)
Campinas...
"Rua da Saudade"...
a certeza do fim não é tão amanhecida pra crianças,
tudo é tão impregnado de eternidade,
de luz e certezas de amanhãs bonitos
(porque ver o sol raiar é sempre um encher
os olhos de água).
cemitério da Saudade...
de uma Rua da Saudade
onde meninos cheios de pernas e sorrisos
se escondiam pra acender palha e fumo.
não posso falar de outras ruas de nome bonito,
porque por aqui as ruas tem nome de gente.
de gente que não me evoca lembranças,
mas confusões:
nunca soube quem foram,
melhor seria que chamassem as ruas:
"Rua da casa da vó"
"Rua do vendedor de doce"
"Rua do primeiro amor"
e de rua em rua veria a vida renovar
meus gostos pela saudade.
Não posso falar de Recife,
não posso chamar suas areias de minhas.
nem cantar com suas meninas,
pois nunca estiveram comigo,
nunca as toquei, nem li seus olhos.
Mas posso falar de uma selva de pedra,
outrora matas e sol sobre os ombros:
Campinas...
- não brinca na rua, é perigoso.
- não saia da escola.
não sei o que é infância na rua,
chicote-queimado? nem me ocorre como brincar.
mas já pintei o chão de giz,
já subi em árvores,
já chupei uva do pé.
me sufoco com cheiro de terra molhada,
a terra molhada por debaixo das unhas.
chuva e sol. e ventos. quatro ventos
a evocar minha infância.
no meio da selva de pedras, um reduto à imaginação.
Casa da avó. Rua do Sr. Leite, seja lá quem tenha sido.
"Rua da Saudade", minha rua da saudade.
almoço de domingo.
imensos braços italianos sobre a mesa, sobre as cabeças,
giganteando pequenos causos.
suco de limão tomado da cumbuca da salada,
a careta de quem repetirá o feito enquanto houver limões.
formigas e descobertas - aquele quintal imenso,
em que adormecia o poeta que hoje sou.
policiais. prisões. brigas. "deixe-minhas-formigas-em-paz".
nunca soube mexer na máquina de costura,
não sei fazer barra de calça, nem tirar medidas de paletó.
aprendi depois a remendar o coração,
mas pra isso não tem tutor prendado, precisa-se viver.
naquele tempo, poesia era ouvir minha avó,
sua voz mansa, ainda me lembro...
- dá um beijo na vó.
- pega a uva na geladeira, esse ano deu umas docinhas.
e a língua era linda e cheia de graça,
as histórias eram lindas e cheias de graça,
sonhar era lindo... não que ainda não seja,
mas de graça tudo sempre se esvazia.
Foi há muito tempo...
a vida cheia de mistérios... mistérios que hoje são claros
como alvas pedras de calçada portuguesa.
eu pulava pedras irregulares, hoje vejo andorinhas
(no céu, no chão, sabe-se lá por onde voam)
Campinas...
"Rua da Saudade"...
a certeza do fim não é tão amanhecida pra crianças,
tudo é tão impregnado de eternidade,
de luz e certezas de amanhãs bonitos
(porque ver o sol raiar é sempre um encher
os olhos de água).
cemitério da Saudade...
diria o poeta: "Recife morto".
dizem minhas vozes: "saudade viva",
porque penso sempre na vida, no que pulsa, no que me segue.
e prendo as lágrimas.
não falo de morte, não acredito que a gente morra
dentro dos outros.
ou eu que não deixo morrer o poeta
que adormecia quieto no quintal imenso da casa
na rua Sr. Leite - sabe lá quem seja.
na minha Rua da Saudade,
eterna.
12.8.10
dissimulamor.
que essa felicidade
é uma coisa do coração,
eu já sei, sempre soube.
porque o coração
não é bom em enganar a gente:
quando sente, aflora
num furacão ou numa canção.
mas aflora e não há como
parecer vazio.
se o coração está repleto,
então a vida está acesa,
como luzes no Natal,
esperando caírem presentes
do céu escuro.
a alma sorri multi-colorida,
ora piscando, ora intensa.
e faz-se festa
(e nem toda festa é boa,
mas é sempre festa)
na bagunça dos pensamentos
e da vida.
daí vem essa estrela de seis pontas
estampada no rosto
estampando nos outros.
hoje é riso, mas já foi choro.
ah coração, até parece
que nunca fomos infelizes.
até parece que nossa árvore
sempre esteve cheia de dádivas.
até parece que essas luzes,
esses sóis, essas cores
são a rotina do peito.
mas o que que tem?
se hoje é festa,
acenda essas lâmpadas chinesas
e espante os dragões daqui.
traga esse furacão,
mude o tom dessa canção
e sorri em mim:
porque hoje eu quero ser
o norte dessa constelação.
e se você me vir à noite,
resplandecer na madrugada,
saiba que eu estou feliz.
não me venha falar de amor,
não me venha falar de lágrimas,
não me venha falar de passado.
saiba que eu estou feliz
e basta.
é uma coisa do coração,
eu já sei, sempre soube.
porque o coração
não é bom em enganar a gente:
quando sente, aflora
num furacão ou numa canção.
mas aflora e não há como
parecer vazio.
se o coração está repleto,
então a vida está acesa,
como luzes no Natal,
esperando caírem presentes
do céu escuro.
a alma sorri multi-colorida,
ora piscando, ora intensa.
e faz-se festa
(e nem toda festa é boa,
mas é sempre festa)
na bagunça dos pensamentos
e da vida.
daí vem essa estrela de seis pontas
estampada no rosto
estampando nos outros.
hoje é riso, mas já foi choro.
ah coração, até parece
que nunca fomos infelizes.
até parece que nossa árvore
sempre esteve cheia de dádivas.
até parece que essas luzes,
esses sóis, essas cores
são a rotina do peito.
mas o que que tem?
se hoje é festa,
acenda essas lâmpadas chinesas
e espante os dragões daqui.
traga esse furacão,
mude o tom dessa canção
e sorri em mim:
porque hoje eu quero ser
o norte dessa constelação.
e se você me vir à noite,
resplandecer na madrugada,
saiba que eu estou feliz.
não me venha falar de amor,
não me venha falar de lágrimas,
não me venha falar de passado.
saiba que eu estou feliz
e basta.
24.6.10
um canto rouco.
Pai, agora que meu cálice transborda,
que a senda do vale da morte é funda
e densa como um abismo cortado com
Seu dedo na pedra feroz de um vulcão,
estenda a mão?
o vinho é amargo;
o passo é vacilante;
o frio é intenso;
a noite é murmurante.
Pai, Você que me olha do alto
e como formiga preta me vê,
Você que carrega meu coração
como diamante tirado da lama,
chegue mais próximo.
já não peço um abraço,
o afago diminui a culpa.
caí. e tornarei a cair enquanto
em passos vacilantes contornar
esse desfiladeiro.
caí porque meu coração é fraco,
como uma doença que me deixa
pálido num quarto escuro de hospital.
hoje ouço o eco da vida caminhando,
sei que estou muito longe da luz,
mas vejo um feixe, uma claridade.
por favor, cubra-a com Sua mão
de construtor, de oleiro que tirou do pó
misturado com lágrimas de amor
o sopro sublime do ser vivente.
Pai, peço pela mão,
um toque que esquente meu corpo,
que quebrante esse ego.
não me carregue, toque-me.
porque caí sozinho
e preciso me reerguer olhando em Seus olhos,
admitindo ser formiga preta,
enfrentando Sua compaixão até sentir vergonha
de suplicar sem fé.
que a senda do vale da morte é funda
e densa como um abismo cortado com
Seu dedo na pedra feroz de um vulcão,
estenda a mão?
o vinho é amargo;
o passo é vacilante;
o frio é intenso;
a noite é murmurante.
Pai, Você que me olha do alto
e como formiga preta me vê,
Você que carrega meu coração
como diamante tirado da lama,
chegue mais próximo.
já não peço um abraço,
o afago diminui a culpa.
caí. e tornarei a cair enquanto
em passos vacilantes contornar
esse desfiladeiro.
caí porque meu coração é fraco,
como uma doença que me deixa
pálido num quarto escuro de hospital.
hoje ouço o eco da vida caminhando,
sei que estou muito longe da luz,
mas vejo um feixe, uma claridade.
por favor, cubra-a com Sua mão
de construtor, de oleiro que tirou do pó
misturado com lágrimas de amor
o sopro sublime do ser vivente.
Pai, peço pela mão,
um toque que esquente meu corpo,
que quebrante esse ego.
não me carregue, toque-me.
porque caí sozinho
e preciso me reerguer olhando em Seus olhos,
admitindo ser formiga preta,
enfrentando Sua compaixão até sentir vergonha
de suplicar sem fé.
17.6.10
bagagem.
um trem-de-ferro é uma coisa linda,
tem um quê de humano,
de apitar cansado como um velho
depois da guerra.
se fechar os olhos e escutar,
então parece a morte chegando,
com seu passo branco.
por que a morte é branca,
brancura de névoa no horizonte,
como um passageiro inocente:
uma bagagem de mão
e uma roupa no corpo.
e quando apita é por que pede
os trilhos limpos e desarmados.
pede que abram passagem.
e o trem-de-ferro que parece
homem, que parece morte,
que parece guerreiro depois
de limpar o sangue das mãos,
corta a madrugada com
ritmo de ferro pulsante,
de besta ferida, repugnante.
e da noite, parece a dama,
a anti-dama rasgando poesias
no cobertor turvo de estrelas,
refletido nos trilhos molhados
de orvalho frio.
tem um quê de humano,
de apitar cansado como um velho
depois da guerra.
se fechar os olhos e escutar,
então parece a morte chegando,
com seu passo branco.
por que a morte é branca,
brancura de névoa no horizonte,
como um passageiro inocente:
uma bagagem de mão
e uma roupa no corpo.
e quando apita é por que pede
os trilhos limpos e desarmados.
pede que abram passagem.
e o trem-de-ferro que parece
homem, que parece morte,
que parece guerreiro depois
de limpar o sangue das mãos,
corta a madrugada com
ritmo de ferro pulsante,
de besta ferida, repugnante.
e da noite, parece a dama,
a anti-dama rasgando poesias
no cobertor turvo de estrelas,
refletido nos trilhos molhados
de orvalho frio.
16.6.10
uma prece acanonizável.
um café cheio de mágoa,
amargo e frio, sobre
a mesa de metal jaz.
o rapaz conta o dinheiro,
pega as notas miúdas
pra pagar o almoço
- um monte delas estampa
no fundo branco da conta
uma natureza.
vem um vento que
sopra-se manso e leva
ao céu araras.
o céu azul turquesa.
lindo, límpido, lindo.
no café frio
a lembrança das nuvens
se faz (tão ocre quanto).
(tão)
o garçom, que bate
na mulher em noite ímpar,
simpático, recebe o dinheiro,
agradece a caixinha magra
inocente - calado,
baterá na mulher no fim do mês
por falta de muita sorte.
mas o rapaz guarda
a carteira na bolsa.
e as araras não voltam
pra cantar de noite.
as araras são livres
como livre é a vontade
de estar frio, amargo,
sobre a mesa de metal,
no centro da cidade quente,
esquecido das nuvens
e do tempo, jazido.
um café, uma mágoa.
um canto de ave no poente.
amargo e frio, sobre
a mesa de metal jaz.
o rapaz conta o dinheiro,
pega as notas miúdas
pra pagar o almoço
- um monte delas estampa
no fundo branco da conta
uma natureza.
vem um vento que
sopra-se manso e leva
ao céu araras.
o céu azul turquesa.
lindo, límpido, lindo.
no café frio
a lembrança das nuvens
se faz (tão ocre quanto).
(tão)
o garçom, que bate
na mulher em noite ímpar,
simpático, recebe o dinheiro,
agradece a caixinha magra
inocente - calado,
baterá na mulher no fim do mês
por falta de muita sorte.
mas o rapaz guarda
a carteira na bolsa.
e as araras não voltam
pra cantar de noite.
as araras são livres
como livre é a vontade
de estar frio, amargo,
sobre a mesa de metal,
no centro da cidade quente,
esquecido das nuvens
e do tempo, jazido.
um café, uma mágoa.
um canto de ave no poente.
14.6.10
est pluvium.
silencioso mar,
refresco e cantiga,
riacho mais que profundo,
infância querida.
gaivota no céu,
onda quebrada nos pés,
amor de papel.
pétala no mar,
indo aonde o vento vai,
traz meu coração?
a sombra da árvore
dentro do pingo de água
parece bonsai.
poeta na praia:
à pequena luz da lua
tantos versos náufragos.
o céu estrelado,
dentro da poça de chuva,
parece nublado.
nesse mar incerto
os marujos sempre são
sentimentos seus.
só a chuva mansa
faz do mar em rebeldia
canto e poesia.
no riacho manso,
a pedra branca parece
fagulha de sol.
seu sussurro leva e traz
ausências em mim.
ausências em mim.
refresco e cantiga,
riacho mais que profundo,
infância querida.
gaivota no céu,
onda quebrada nos pés,
amor de papel.
pétala no mar,
indo aonde o vento vai,
traz meu coração?
a sombra da árvore
dentro do pingo de água
parece bonsai.
poeta na praia:
à pequena luz da lua
tantos versos náufragos.
o céu estrelado,
dentro da poça de chuva,
parece nublado.
nesse mar incerto
os marujos sempre são
sentimentos seus.
só a chuva mansa
faz do mar em rebeldia
canto e poesia.
no riacho manso,
a pedra branca parece
fagulha de sol.
28.5.10
ou o poema dos prazeres:
ei mulher, chorar também é belo.
tão mais belo do que se pintar,
tingir os olhos, os lábios de rouge
- só não deixe que a tinta invada
sua alma e dissimule as imperfeições -
permita-se abrir em flor,
sentir o cheiro da noite:
do orvalho o pranto.
o pranto é belo,
a noite é bela e calma:
silenciosos...
ei mulher,
teus olhos em pérolas
parecem brilhar como estrelas.
roubou a lua, eu sei, posso ver.
o céu está nublado e sua alma, limpa,
uma luz lunar emana do espaço
que cavaram em seu peito.
cavaram com dedos ferozes?
parece chegar-lhe ao coração.
parece que o coração está ferido
por espinhos, sangrando...
e pulsa? escute, pulsa!
dê-me um pouco, dê-me de beber
e beberei... até cair embriagado
cantando o hino dos homens perdidos
- perdidos de amor -
eu sei, mulher, roubara a lua
tentando parecer completa,
como se fosse possível!
cobrir o poço da alma com a água
que jorra de outras bicas.
transborde com suas lágrimas,
o rio sempre é límpido, sincero.
um dia tudo passará, como passa!
então sua flor estará aberta, amarela,
exalando a esperança de ser nova.
nova flor no meio da noite fria.
mas a noite é bela e a flor, pequena.
ei mulher, deixe que eu chore
as suas lágrimas, as suas feridas.
deixe que eu carregue por toda noite
o pesar das suas costas: parece cansada.
tape o brilho com as mãos,
meus olhos estão fustigados.
pareço ser consumido por essa luz,
enquanto chego perto e corro o braço,
esse meu braço que enfrentou a vida,
pelo seu pescoço. posso te carregar,
passaremos juntos essa noite,
um dia não vamos querer acordar.
por enquanto, abro as asas e lhe cubro.
sei o nome de uma dúzia de estrelas,
posso lhe dizer, se ajudar nos sonhos.
mas durma, durma tranqüila,
enquanto lhe faço lembrar que a vida
é muito mais que olhos pintados de negro,
enquanto devolvo a lua aos amantes.
no seu peito vazio haverá um espaço
que eu posso preencher.
mas só se ele estiver plenamente vazio,
como sua alma sempre esteve.
sentir o cheiro da noite:
do orvalho o pranto.
o pranto é belo,
a noite é bela e calma:
silenciosos...
ei mulher,
teus olhos em pérolas
parecem brilhar como estrelas.
roubou a lua, eu sei, posso ver.
o céu está nublado e sua alma, limpa,
uma luz lunar emana do espaço
que cavaram em seu peito.
cavaram com dedos ferozes?
parece chegar-lhe ao coração.
parece que o coração está ferido
por espinhos, sangrando...
e pulsa? escute, pulsa!
dê-me um pouco, dê-me de beber
e beberei... até cair embriagado
cantando o hino dos homens perdidos
- perdidos de amor -
eu sei, mulher, roubara a lua
tentando parecer completa,
como se fosse possível!
cobrir o poço da alma com a água
que jorra de outras bicas.
transborde com suas lágrimas,
o rio sempre é límpido, sincero.
um dia tudo passará, como passa!
então sua flor estará aberta, amarela,
exalando a esperança de ser nova.
nova flor no meio da noite fria.
mas a noite é bela e a flor, pequena.
ei mulher, deixe que eu chore
as suas lágrimas, as suas feridas.
deixe que eu carregue por toda noite
o pesar das suas costas: parece cansada.
tape o brilho com as mãos,
meus olhos estão fustigados.
pareço ser consumido por essa luz,
enquanto chego perto e corro o braço,
esse meu braço que enfrentou a vida,
pelo seu pescoço. posso te carregar,
passaremos juntos essa noite,
um dia não vamos querer acordar.
por enquanto, abro as asas e lhe cubro.
sei o nome de uma dúzia de estrelas,
posso lhe dizer, se ajudar nos sonhos.
mas durma, durma tranqüila,
enquanto lhe faço lembrar que a vida
é muito mais que olhos pintados de negro,
enquanto devolvo a lua aos amantes.
no seu peito vazio haverá um espaço
que eu posso preencher.
mas só se ele estiver plenamente vazio,
como sua alma sempre esteve.
não morda o fruto, por favor.
toque, sabe o que é? uma dor nascente. ainda repousa, tão quieta que parece uma esperança, mas estas são tão verdes e nunca crescem mais que limões, você jamais as confundiria, só quando ainda muito pequenas… as dores são grandes, de um vermelho agudo, como maçãs argentinas quase fora da época boa. as dores são lindas quando ainda não colhidas, são de uma beleza ofuscante, de um sabor molhado nos lábios, um sabor de fome.
o fruto se afaga nas mãos e os olhos, na película lustrada. então, se lembra - lembra da outra vez que mordeu, da outra vez que o suco lhe tocou a língua, parecia bom, mas logo veio o amargo. e a fruta tão linda por fora, se mostra pequi por dentro. (os espinhos na carne doem de verdade, doem no silêncio, na multidão, doem.) o fruto, jogado longe, repousa e apodrece, mas os espinhos parecem sempre, sempre vivos.
num arbusto pequeno, mirrado, ainda floresce com um cheiro minguado de meia-estação o fruto esverdeado. quieto, depois que as feridas levaram o rubro e trouxeram a palidez, o pranto, um que de cor-de-madrugada, a sede de procurar-se mais e mais, tentar beber o suco da pequena esperança não parece má opção. a lembrança do sabor doce parece ir embora com o cheiro azedo de limão. sem água nos lábios, o desejo amarrado, resta a falta de força - como coragem. os lábios receiam, mas mordem. o suco jorra e jorra com um sabor de mel recém-tirado do favo. e há um que de brilho nos olhos que parece enchido de uma explosão do centro da terra… alegria.
os espinhos ainda permanecem na carne, mas esta - banhada de suco - parece anestesiada: quase já não dói. E quando perguntam se as feridas fecharam, responde:
- não e doem porque são feridas, marcam porque são ausências de mim, são reticências que me foram tiradas. doem, mas eu tento esquecê-las a todo momento, embriagado de algo que me traz um sorriso de alma: esperança.
está vendo este fruto? toque. é macio. sei que qualquer conselho que eu lhe possa dar, não irá deixá-lo longe, fender a pele escarlate é inevitável. estão vai, vai caminhar pelo bosque, colher seus frutos… só não esqueça do licor de toda Iracema, que inebria os heróis e deixa mais leve o pesar dos passos, o pesar da lança ferindo o peito, o pesar do mundo, do mundo. colha, por favor, um pouco mais de esperança - mesmo que não lhe pareça agradável, colha. por favor, por mim, por nós.
o fruto se afaga nas mãos e os olhos, na película lustrada. então, se lembra - lembra da outra vez que mordeu, da outra vez que o suco lhe tocou a língua, parecia bom, mas logo veio o amargo. e a fruta tão linda por fora, se mostra pequi por dentro. (os espinhos na carne doem de verdade, doem no silêncio, na multidão, doem.) o fruto, jogado longe, repousa e apodrece, mas os espinhos parecem sempre, sempre vivos.
num arbusto pequeno, mirrado, ainda floresce com um cheiro minguado de meia-estação o fruto esverdeado. quieto, depois que as feridas levaram o rubro e trouxeram a palidez, o pranto, um que de cor-de-madrugada, a sede de procurar-se mais e mais, tentar beber o suco da pequena esperança não parece má opção. a lembrança do sabor doce parece ir embora com o cheiro azedo de limão. sem água nos lábios, o desejo amarrado, resta a falta de força - como coragem. os lábios receiam, mas mordem. o suco jorra e jorra com um sabor de mel recém-tirado do favo. e há um que de brilho nos olhos que parece enchido de uma explosão do centro da terra… alegria.
os espinhos ainda permanecem na carne, mas esta - banhada de suco - parece anestesiada: quase já não dói. E quando perguntam se as feridas fecharam, responde:
- não e doem porque são feridas, marcam porque são ausências de mim, são reticências que me foram tiradas. doem, mas eu tento esquecê-las a todo momento, embriagado de algo que me traz um sorriso de alma: esperança.
está vendo este fruto? toque. é macio. sei que qualquer conselho que eu lhe possa dar, não irá deixá-lo longe, fender a pele escarlate é inevitável. estão vai, vai caminhar pelo bosque, colher seus frutos… só não esqueça do licor de toda Iracema, que inebria os heróis e deixa mais leve o pesar dos passos, o pesar da lança ferindo o peito, o pesar do mundo, do mundo. colha, por favor, um pouco mais de esperança - mesmo que não lhe pareça agradável, colha. por favor, por mim, por nós.
11.5.10
quando fechar a porta.
sinto que estou indo embora,
que muito em breve estarei longe,
tão longe quanto meus olhos
possam contar as léguas.
sinto que estou arrumando-me,
entrego os nós; tiro a poeira,
os sapatos e sinto:
sinto que estou indo embora.
me disseram
(em cada partida,
há um pouco de morte)
e a morte me aparece
de branco, irônica.
já não penso na morte
como deixar a vida,
penso na morte poética:
deixar lavar-se.
então, morro.
o que vem depois?
o epílogo.
serei feliz no epílogo?
serei o mesmo: mudando.
acho que estou partindo
e isso é um aviso,
uma placa amarela,
é um medo, é um medo,
um lembrete de alerta,
é a vida, é a vida:
um pouco menos de mim.
que muito em breve estarei longe,
tão longe quanto meus olhos
possam contar as léguas.
sinto que estou arrumando-me,
entrego os nós; tiro a poeira,
os sapatos e sinto:
sinto que estou indo embora.
me disseram
(em cada partida,
há um pouco de morte)
e a morte me aparece
de branco, irônica.
já não penso na morte
como deixar a vida,
penso na morte poética:
deixar lavar-se.
então, morro.
o que vem depois?
o epílogo.
serei feliz no epílogo?
serei o mesmo: mudando.
acho que estou partindo
e isso é um aviso,
uma placa amarela,
é um medo, é um medo,
um lembrete de alerta,
é a vida, é a vida:
um pouco menos de mim.
30.4.10
pássaros negros.
"está bem? tudo bem?"
grito e, ao meu redor,
não encontro resposta.
nessa estrada escura,
nessa noite densa,
os pássaros negros
estão sempre calados.
toco uma árvore.
um deles voa.
olharei para trás,
temo, eu-animal-aflito.
"está bem: está vivo"
digo aos meus que deixei
no caminho, aos relicários,
aos moinhos que em cada
ventaval me carregaram
mais e mais ao infinito.
e agora sigo.
"está bem?"
estou mal, me reerguendo.
estou perdido, mas sigo.
sigo por que é minha sina,
minha forma de permanecer
vivo e de olhos aflitos.
se parar, um dia me alcançam.
não quero andar a dois,
não quero espreitar essa noite
longamente escura em bando.
quero seguir comigo.
quero seguir em mim.
preciso tocar as árvores
e contar as aves negras
que voam só, comigo.
e Você que me olha do alto,
que me pede a mão para segurar,
segure. segure-me. empurre-me.
mas não deixe que eu saiba,
seja discreto, seja noturno.
seja uma ave rondando minha cabeça.
não me deixe sentir marionete,
prenda-me com fios de ouro,
com fios de éter, talvez.
quero uma sensação de liberdade.
livre, livre, preso.
segure-me, enquanto sigo
imaginando estar sozinho,
num silêncio denso tão maior que eu.
num silêncio amargo, num silêncio.
nesse silêncio que aprendi a amar.
Eu Sou O Silêncio.
choro.
- está bem? tudo bem?
a ave mais negra, mais soturna
cai em minhas mãos,
apertou-a, uma pena se solta
e a dor parece estremecer
toda terra: sou eu.
se estou bem?
não. estou seguro,
mas sigo.
grito e, ao meu redor,
não encontro resposta.
nessa estrada escura,
nessa noite densa,
os pássaros negros
estão sempre calados.
toco uma árvore.
um deles voa.
olharei para trás,
temo, eu-animal-aflito.
"está bem: está vivo"
digo aos meus que deixei
no caminho, aos relicários,
aos moinhos que em cada
ventaval me carregaram
mais e mais ao infinito.
e agora sigo.
"está bem?"
estou mal, me reerguendo.
estou perdido, mas sigo.
sigo por que é minha sina,
minha forma de permanecer
vivo e de olhos aflitos.
se parar, um dia me alcançam.
não quero andar a dois,
não quero espreitar essa noite
longamente escura em bando.
quero seguir comigo.
quero seguir em mim.
preciso tocar as árvores
e contar as aves negras
que voam só, comigo.
e Você que me olha do alto,
que me pede a mão para segurar,
segure. segure-me. empurre-me.
mas não deixe que eu saiba,
seja discreto, seja noturno.
seja uma ave rondando minha cabeça.
não me deixe sentir marionete,
prenda-me com fios de ouro,
com fios de éter, talvez.
quero uma sensação de liberdade.
livre, livre, preso.
segure-me, enquanto sigo
imaginando estar sozinho,
num silêncio denso tão maior que eu.
num silêncio amargo, num silêncio.
nesse silêncio que aprendi a amar.
Eu Sou O Silêncio.
choro.
- está bem? tudo bem?
a ave mais negra, mais soturna
cai em minhas mãos,
apertou-a, uma pena se solta
e a dor parece estremecer
toda terra: sou eu.
se estou bem?
não. estou seguro,
mas sigo.
19.4.10
codinome.
o problema do desamor
não é ficar perdido ou
deveras encontrado.
há sempre uma dança
de cosmos que recola
cada estrela em seu
devido lugar.
o erro do caminho,
se o pé pisa fora do trilho,
se tudo vai errando e
se concretizando, assim,
tão tortamente belo.
o problema do desamor
não é a completude que
parece não chegar.
um dia estar completo
perde totalmente o sentido.
(por mais incrível que possa
parecer-me, aprendemos que
estar vazio é a melhor forma
da nossa arte).
o desamor não é frágil,
nem deseja que assim sejamos.
o desamor é uma força
que não temos,
mesmo de coração inteiro
- quando podemos ofertá-lo?-
não pede que brinquemos,
não pede que sejamos.
não pede, não pede nada,
mas oferece.
oferece um quinhão que
vale tanto quanto toda
riqueza desta vida.
um peso em a-ouro,
uma jóia desprezada:
o desamor segue na calmaria
das águas em pedras.
e separam a nova paixão
das corrosivas marcas
do desamor.
mas esse não é o problema.
o problema não está em nós,
nem tranzpassa-no.
o problema vai além,
caminhando só nas avenidas
caladas do universo.
o problema é maior,
muito maior que o depois,
mas não podemos vê-lo.
somos pequenos, aprendizes.
somos codinomes.
somos a fagulha e não podemos
ver completamente tudo.
o problema do desamor é toda
a sua imensidão.
não podemos conhecê-lo,
sem antes senti-lo um pouco.
e o pouco do infinito é imenso.
e o imenso é a falta que carrego.
não é ficar perdido ou
deveras encontrado.
há sempre uma dança
de cosmos que recola
cada estrela em seu
devido lugar.
o erro do caminho,
se o pé pisa fora do trilho,
se tudo vai errando e
se concretizando, assim,
tão tortamente belo.
o problema do desamor
não é a completude que
parece não chegar.
um dia estar completo
perde totalmente o sentido.
(por mais incrível que possa
parecer-me, aprendemos que
estar vazio é a melhor forma
da nossa arte).
o desamor não é frágil,
nem deseja que assim sejamos.
o desamor é uma força
que não temos,
mesmo de coração inteiro
- quando podemos ofertá-lo?-
não pede que brinquemos,
não pede que sejamos.
não pede, não pede nada,
mas oferece.
oferece um quinhão que
vale tanto quanto toda
riqueza desta vida.
um peso em a-ouro,
uma jóia desprezada:
o desamor segue na calmaria
das águas em pedras.
e separam a nova paixão
das corrosivas marcas
do desamor.
mas esse não é o problema.
o problema não está em nós,
nem tranzpassa-no.
o problema vai além,
caminhando só nas avenidas
caladas do universo.
o problema é maior,
muito maior que o depois,
mas não podemos vê-lo.
somos pequenos, aprendizes.
somos codinomes.
somos a fagulha e não podemos
ver completamente tudo.
o problema do desamor é toda
a sua imensidão.
não podemos conhecê-lo,
sem antes senti-lo um pouco.
e o pouco do infinito é imenso.
e o imenso é a falta que carrego.
13.4.10
mulheres de atenas.
A luz, que ofuscava os olhos marejados, apaga-se. É um quarto bonito, cheio de pequenas porções de vida: a bailarina que dança dentro da caixinha de música, os garotos de porcelana que sorriem, a foto do casal amável no porta-retrato sobre a mesa de canto, a frágil Stela que inunda o travesseiro com suas lágrimas. No breu calado da noite, as cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as poucas nuvens brincam de se entrelaçar.
- Calem-se! Morram, cigarras! Morram! Me deixem só! - grita a mulher; as palavras, porém, saem misturadas aos soluços histéricos de seu choro, criando uivos melancólicos.
O quarto ecoa todos os seus sons e, ao longe, quando colidem e tornam-se apenas uma harmonia, Afrodite toca lira e banha-se nua numa cachoeira límpida. Em seus olhos azuis reside uma tristeza profunda: a morte de um semi-deus amado. Sua voz soprana encanta todos os animais da floresta, juntos sobre pedras para escutá-la.
As pequenas cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as lindas nuvens de verão brincam de formar corpos entrelaçados.
- Cantem! Cantem, cigarras! Cantem! Não me deixem só! - Afrodite chora e seus soluços tão solenes são poesia no vento.
A deusa compõe o seu minueto mais bonito, enquanto dois cortejos voltam para suas casas em outras estradas: um em São Paulo, outro no Monte Olimpo. O semi-deus trajando vestes de guerra está sepultado em cova rasa; o marido de Stela, vestindo seu terno mais bonito, em cova cara e de família.
A viúva, neste planeta de injustiças, não sabe tocar lira, nem flauta, nem piano, muito menos harpa. Não sabe cantar, tem vergonha de falar em público, não gosta de estar rodeada de conhecidos. Sozinha, no escuro de sua casa, dilacera sua alma em gritos e frases de amor. Os animais da floresta, porém, não vêm para abraçá-la. Só as cigarras cantam.
Ah, as cigarras sempre cantam!
- Calem-se!
- Cantem!
- Me deixem só!
- Não me deixem só!
- Por favor,
- Eu imploro:
- Volta, Hélio!
- Volta, Aquiles!
- A vida,
- Sozinha aqui,
- Não tem sentido...
- Não tem sentido...
Elas clamam pela volta dos amados, mas não há regresso. Hades carrega o herói; a noite profunda das pálpebras, o homem de negócios. Elas clamam e rasgam a mansidão da madrugada fria; ouve-se apenas o silêncio de alma partida. O silêncio pesado de quem acredita haver conserto para o erro do destino. Mas não se pode fazer nada, além de derramar lágrimas (muitas, muitas, muitas lágrimas).
A voz suave e melancólica de Afrodite, ao descer para a Terra, difunde-se com outros timbres, inunda o quarto escuro, através da canção amarga que se repete no rádio. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "As jovens viúvas marcadas não fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às suas novenas serenas".
A voz suave e melancólica de Chico Buarque, ao subir para o Monte Olimpo, reparte-se: a metade mais carregada de sentimentos escorre dos olhos de Afrodite. O restante torna-se palavras de consolo proferidas por Zeus. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "Quando fustigadas não choram, se ajoelham, pedem, imploram mais duras penas - cadenas". A sua voz rouca machuca mais do que acalenta.
Faz doze anos que, por causa da carreira acadêmica, Stela saiu da Grécia para estudar no Brasil. Faz cento e trinta e dois meses que, por causa de um amor frenético, Stela casou com Hélio. Faz vinte e três horas que, por causa de um acidente terrível, Stela perdeu vontade em viver.
Agora, as suas lágrimas inundam o travesseiro e o sangue de seus pulsos, todo o mundo com sua cor vibrante. Seria demais suportar uma existência solitária, não estava preparada para ser viúva, para deixar partir o homem amado de sua vida. Há vertigem na morte, mas há conforto; há um turbilhão de cores e sentimentos que só ela pode sentir. Deixar a vida é tão incerto quanto vivê-la.
As cigarras param de cantar. Os soluços histéricos cessam. O corpo parece imerso em neve.
- Cantem, cigarras... cantem... não me deixem só...
Depois de tanto, Stela está voltando para Atenas e irá deitar-se no colo amigável de Afrodite. As duas, mãos dadas e sorrisos graciosos, irão compartilhar suas desilusões amorosas. Quando cansadas do passado, amarão outros titãs. Se entediadas, tocarão minuetos lindos para mulheres desesperadas. Na Terra, porém, haverá sempre uma canção em choro de cigarra, tragédias gregas e um conselho a ser ouvido: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.
26.3.10
ordinário.
achei ontem que estaria morto,
que me descobriria plácido
mergulhado numa calmaria:
branca e pluma.
como seria deitar sobre a nuvem
mais imensa de todo o céu?
será que resistiria ao canto da terra,
ao corpo de chumbo que me prende,
que me encerra no erro?
será mesmo que o erro,
o que chamamos erro, é errado?
se devo sentir? já não sei.
se devo partir? quem me dera.
se devo sorrir? o que me resta.
achei que hoje acordaria,
mas permaneço em mim.
se devo sorrir? o que me resta.
o que completa minha permanência,
doce canção.
um dia todo vagão entra nos trilhos,
e os trilhos entram na partida.
as árvores acenam, os braços,
os bancos, a cidade acenam.
eu já parti muitas vezes,
cada estação me reserva outra,
por hora chego à calma
névoa do enfim.
olho a existência,
lembro dos segredo do mundo.
lembro como poderia ser melhor.
por vezes eu me prendo ao
corpo de chumbo e fico.
de olhos e alma fechados
não lembro de nada,
e me entrego, me rendo,
sorrio,
esqueço que um dia parti.
partirei tantas outras horas,
estarei morto e desacreditado
a maior parte da existência.
mas o corpo me faz sentir vivo,
e eu sofro o deleite de ser.
achei que ontem estaria morto,
mas cruzo-lhe o caminho,
ainda permaneço, até quando?
resta perguntar aos anjos que
seguram os cantos do mundo.
se devo sorrir? o que me resta.
o que me ilude e faz desacreditar
na infelicidade.
se vai ferir minha essência?
já não sei mais, não custa tentar.
quando as árvores acenarem,
basta fechar os olhos,
sentir apenas o vento correr.
o vento não acena, ele chora
ao meu ouvido.
nunca partiu, meu amigo?
desconhece o que sinto.
preciso ir: seu nome?
prazer; o meu, Amor.
que me descobriria plácido
mergulhado numa calmaria:
branca e pluma.
como seria deitar sobre a nuvem
mais imensa de todo o céu?
será que resistiria ao canto da terra,
ao corpo de chumbo que me prende,
que me encerra no erro?
será mesmo que o erro,
o que chamamos erro, é errado?
se devo sentir? já não sei.
se devo partir? quem me dera.
se devo sorrir? o que me resta.
achei que hoje acordaria,
mas permaneço em mim.
se devo sorrir? o que me resta.
o que completa minha permanência,
doce canção.
um dia todo vagão entra nos trilhos,
e os trilhos entram na partida.
as árvores acenam, os braços,
os bancos, a cidade acenam.
eu já parti muitas vezes,
cada estação me reserva outra,
por hora chego à calma
névoa do enfim.
olho a existência,
lembro dos segredo do mundo.
lembro como poderia ser melhor.
por vezes eu me prendo ao
corpo de chumbo e fico.
de olhos e alma fechados
não lembro de nada,
e me entrego, me rendo,
sorrio,
esqueço que um dia parti.
partirei tantas outras horas,
estarei morto e desacreditado
a maior parte da existência.
mas o corpo me faz sentir vivo,
e eu sofro o deleite de ser.
achei que ontem estaria morto,
mas cruzo-lhe o caminho,
ainda permaneço, até quando?
resta perguntar aos anjos que
seguram os cantos do mundo.
se devo sorrir? o que me resta.
o que me ilude e faz desacreditar
na infelicidade.
se vai ferir minha essência?
já não sei mais, não custa tentar.
quando as árvores acenarem,
basta fechar os olhos,
sentir apenas o vento correr.
o vento não acena, ele chora
ao meu ouvido.
nunca partiu, meu amigo?
desconhece o que sinto.
preciso ir: seu nome?
prazer; o meu, Amor.
20.3.10
imenso.
dizem que não dá,
que é impossível,
mas eu tento.
tento com uma
força imensa
mentir pra mim.
minto e reminto
sobre a mentira
contada.
me faço acreditar
que a verdade é
uma estrada que
posso retalhar.
refaço as curvas
com minhas mentiras.
minto e reminto,
banho-me com
uma verdade minha.
e sou forte.
sobre os meus retalhos,
sou forte.
se um dia estive em cacos,
reconstruo quem sou:
sou forte.
sou como o tempo,
sou indestrutível
e não há verdade que
me faça crer em tudo
que meus olhos veem:
sou forte.
sou.
que é impossível,
mas eu tento.
tento com uma
força imensa
mentir pra mim.
minto e reminto
sobre a mentira
contada.
me faço acreditar
que a verdade é
uma estrada que
posso retalhar.
refaço as curvas
com minhas mentiras.
minto e reminto,
banho-me com
uma verdade minha.
e sou forte.
sobre os meus retalhos,
sou forte.
se um dia estive em cacos,
reconstruo quem sou:
sou forte.
sou como o tempo,
sou indestrutível
e não há verdade que
me faça crer em tudo
que meus olhos veem:
sou forte.
sou.
15.3.10
de repente.
vai ver um dia a gente seja
mais do que futuros amantes.
vai ver que de repente,
como um cometa passa
pelo céu sem querer
ser fotografado,
o meu sorriso seja o seu.
e da minha boca sopre
o vento que traz sonhos
para suas madrugadas,
que traz a palavra certa
para a sua canção.
vai ver um dia a gente seja
mais do que amantes extintos.
vai ver que de repente,
como um menino acha
ouro na beirada do riacho
e esconde dentro das mãos,
a minha vida seja a sua.
e da minha boca sopre
o vento que bagunça
os seus cabelos longos,
que traz a voz à poesia.
de repente, tão logo, de repente.
8.3.10
como usar um dicionário.
abri um dicionário para
desvendar o mundo.
engraçado que descobri
saber um monte de tudo
sobre um monte de vazio,
de léxicos que só fazem
sentido em voz de gente
que não quer saber do mundo,
mas dedica-se ao passo
incerto de viver.
então, morar nas capas
de um dicionário,
nos volumes da Barsa,
nada importa.
morar na sala escura de
um quarto pequeno
na beira da universidade,
também não importa.
a caneta cheia de um
negro líquido de rancor
rasgando a inocência
do papel com suas palavras
silenciosassss e vaziassss,
não importa.
nada importa depois
que o tempo apaga,
que a lágrima borra,
que o sentimento vai.
importam só os verbetes
ressoando na voz doce
e grave e forte e mansa
e ecoante de uma garganta
rompendo o silêncio de
uma aula de gramática:
- professora, o que é vida?
e o dicionário é tão mudo
como uma madrugada embriagada.
desvendar o mundo.
engraçado que descobri
saber um monte de tudo
sobre um monte de vazio,
de léxicos que só fazem
sentido em voz de gente
que não quer saber do mundo,
mas dedica-se ao passo
incerto de viver.
então, morar nas capas
de um dicionário,
nos volumes da Barsa,
nada importa.
morar na sala escura de
um quarto pequeno
na beira da universidade,
também não importa.
a caneta cheia de um
negro líquido de rancor
rasgando a inocência
do papel com suas palavras
silenciosassss e vaziassss,
não importa.
nada importa depois
que o tempo apaga,
que a lágrima borra,
que o sentimento vai.
importam só os verbetes
ressoando na voz doce
e grave e forte e mansa
e ecoante de uma garganta
rompendo o silêncio de
uma aula de gramática:
- professora, o que é vida?
e o dicionário é tão mudo
como uma madrugada embriagada.
26.2.10
era pra matar.
eu só estou com saudade,
desculpa se as palavras
me fogem
e o silêncio que suspenso
passeia por tudo
me consola e todo vazio
é um prelúdio da tristeza.
desculpa se parece um
martírio ouvir pulsar
meu coração nas veias
entupidas de soluços
de todo o meu corpo.
eu preciso pulsar!
em silêncio.
sozinho numa órbita
que cabe-me e o ar
acaba aos poucos...
morro para o grande
belo e viajante infinito.
desculpa se parece estúpido,
se parece trépido,
se parece cálido:
só o silêncio me ensina a
estrada certa para mim.
estou com saudade de mim,
quem sou? esse a chorar
nos cantos e resmungar
baixo, engasgando com as
sílabas de poesias?
quero-me de volta:
no silêncio quero sorver
o licor salgado que
vai embora de mim,
quero-me, como nunca quis.
em silêncio me procuro.
quando a saudade me vem,
estar calado é iluminar
a alma.
é desfazer essa muralha
que prende meu grito,
que tatua no meu ouvido
uma música para estar
em solidão.
desculpa, é só uma saudade.
desculpa se as palavras
me fogem
e o silêncio que suspenso
passeia por tudo
me consola e todo vazio
é um prelúdio da tristeza.
desculpa se parece um
martírio ouvir pulsar
meu coração nas veias
entupidas de soluços
de todo o meu corpo.
eu preciso pulsar!
em silêncio.
sozinho numa órbita
que cabe-me e o ar
acaba aos poucos...
morro para o grande
belo e viajante infinito.
desculpa se parece estúpido,
se parece trépido,
se parece cálido:
só o silêncio me ensina a
estrada certa para mim.
estou com saudade de mim,
quem sou? esse a chorar
nos cantos e resmungar
baixo, engasgando com as
sílabas de poesias?
quero-me de volta:
no silêncio quero sorver
o licor salgado que
vai embora de mim,
quero-me, como nunca quis.
em silêncio me procuro.
quando a saudade me vem,
estar calado é iluminar
a alma.
é desfazer essa muralha
que prende meu grito,
que tatua no meu ouvido
uma música para estar
em solidão.
desculpa, é só uma saudade.
12.2.10
raízes.
se meus olhos são os seus,
se meus traços são antigos,
se de outros me componho,
se meus cabelos voam ao
vento iguais aos desenhados
no retrato da parede,
dê-me os sonhos.
só os sonhos,
só as verdades,
os desvendados.
dê-me a vida sem mistério,
o amor sem desesperos:
se tudo se repete um dia,
que se repita a essência.
que as raízes me deem
uma seiva doce,
então não precisarei sulcar
meu tronco, nem lhe tirar anéis,
para beber de quem eu sou.
eu prefiro ultrapassar
a dor sem morrer um pouco,
sem estar completamente cego.
eu quero estar vivo,
como viva está a folha que me
nasce verde, cheia de esperança,
no alto do galho que me encerra.
se meus traços são antigos,
se de outros me componho,
se meus cabelos voam ao
vento iguais aos desenhados
no retrato da parede,
dê-me os sonhos.
só os sonhos,
só as verdades,
os desvendados.
dê-me a vida sem mistério,
o amor sem desesperos:
se tudo se repete um dia,
que se repita a essência.
que as raízes me deem
uma seiva doce,
então não precisarei sulcar
meu tronco, nem lhe tirar anéis,
para beber de quem eu sou.
eu prefiro ultrapassar
a dor sem morrer um pouco,
sem estar completamente cego.
eu quero estar vivo,
como viva está a folha que me
nasce verde, cheia de esperança,
no alto do galho que me encerra.
1.2.10
(em)barca de mim.
sabe-se lá que, num lugar distante,
desce o mundo um barco quieto
sem tripulantes.
virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito.
um barco cheio de um nada
completo.
um barco à vela
movido ao vento das palavras.
um barco que traz e carrega
versos ao poeta que procura amar.
sabe-se lá que, numa tempestade,
um pescador descobriu o barco.
tentou domá-lo e fazê-lo
refém de sua fúria
de homem das marés.
e a vela não resistiu à sua força,
sem lutar,
deixou-se rasgar em flanelas.
o vento das palavras passou-lhe
sem mexer seu casco.
e o barco parou... perdido.
e o pescador deitou... calado.
e o mundo foi ficando mais
cheio do mundo, tão mais real.
cheio de um mar escuro.
e as águas secaram e a terra surgiu
e a areia cobriu os pés de quem
andava sobre as ondas,
de quem domava o mar.
o mar escuro subiu ao céu,
a noite mais densa cobriu
a noite menos densa...
o dia apagou-se.
e o barco bebeu do vento,
embriagou-se e afogou.
pouco a pouco deixou de existir,
criou uma lembrança e só.
o pescador deitado sob
o infinito fechou os olhos para
não ver morrer o irreal.
e chorou a partida do barco,
da vela, do sopro, do mar.
e chorou sua ira de homem
dos mares bravios.
cantou um verso.
e as lágrimas molharam areia.
cantou um poema.
e água molhou sua alma.
cantou um poeta.
e o canto tornou-se mar.
o barco se reergueu bonito
e a vela parecia outra.
ondas e ventaval...
e o vento levou o barco
para o infinito
e o verso cantou bonito
um novo final:
a vida segue as ondas
e as ondas seguem...
e as ondas seguem...
o pescador saltou no mar,
o barco não era seu porto,
deveria passar.
e o barco,
virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito,
voltou a ficar cheio de um nada completo.
trazendo e carregando versos
ao mundo...
que precisava ver o mar.
desce o mundo um barco quieto
sem tripulantes.
virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito.
um barco cheio de um nada
completo.
um barco à vela
movido ao vento das palavras.
um barco que traz e carrega
versos ao poeta que procura amar.
sabe-se lá que, numa tempestade,
um pescador descobriu o barco.
tentou domá-lo e fazê-lo
refém de sua fúria
de homem das marés.
e a vela não resistiu à sua força,
sem lutar,
deixou-se rasgar em flanelas.
o vento das palavras passou-lhe
sem mexer seu casco.
e o barco parou... perdido.
e o pescador deitou... calado.
e o mundo foi ficando mais
cheio do mundo, tão mais real.
cheio de um mar escuro.
e as águas secaram e a terra surgiu
e a areia cobriu os pés de quem
andava sobre as ondas,
de quem domava o mar.
o mar escuro subiu ao céu,
a noite mais densa cobriu
a noite menos densa...
o dia apagou-se.
e o barco bebeu do vento,
embriagou-se e afogou.
pouco a pouco deixou de existir,
criou uma lembrança e só.
o pescador deitado sob
o infinito fechou os olhos para
não ver morrer o irreal.
e chorou a partida do barco,
da vela, do sopro, do mar.
e chorou sua ira de homem
dos mares bravios.
cantou um verso.
e as lágrimas molharam areia.
cantou um poema.
e água molhou sua alma.
cantou um poeta.
e o canto tornou-se mar.
o barco se reergueu bonito
e a vela parecia outra.
ondas e ventaval...
e o vento levou o barco
para o infinito
e o verso cantou bonito
um novo final:
a vida segue as ondas
e as ondas seguem...
e as ondas seguem...
o pescador saltou no mar,
o barco não era seu porto,
deveria passar.
e o barco,
virgulando a orla pequena
que divide o real do infinito,
voltou a ficar cheio de um nada completo.
trazendo e carregando versos
ao mundo...
que precisava ver o mar.
13.1.10
olhos fundos.
Veio do horizonte, com os olhos fundos, carregando uma mochila nas costas - de longe, parecia mais velho. Tinha uns quinze anos: nem barba no rosto. Mas os olhos fundos. Trazia os olhos fundos, como um homem de história longa, um sofredor em pequeno porte. Um sofredor, sob o sol do meio dia, suando, o uniforme da escola amassado na parte de baixo da camiseta. Amassado nas mangas, amassado por inteiro, rasgado. E isso me espantou: rasgado. Tinha porte de garoto rico, um andar de quem frequenta a praia de Copacabana. Nem imagina o que é pisar na favela. Um doutor, um freguês, um homem do carro de vidros escuros com a camiseta rasgada: um contraste muito sutil quanto uma estrela, mesmo depois de amanhecido, brilhando no céu.
E veio chegando mais perto, o sorriso fechado, os punhos cerrados e os olhos... fundos. De repente, cuspiu e saiu-lhe vermelho. Assustei, porque somente foi por isso que reparei o sangue velho no joelho, o corte por detrás do rasgo na camiseta e um inchado na sobrancelha. Agora parecia um lutador, não mais um sofredor, como se tivesse saído a pouco do ringue, ainda ostentando as marcas de uma boa vitória - ou uma amarga derrota? Lutadores sempre tem o mesmo olhar amedrontador, independente do que estejam vivendo. Parecem não amar, ter uma alma pequeniníssima que caberia um envelope. Por mais que muitos tenham no peito um coração do tamanho do mundo, jamais saberemos apenas olhando em seus rostos. Sempre sérios... sempre amargos... sempre feridos. Ele estava ferido, um pouco - o suficiente para um garoto que nem sabe o sabor da vida, nem imagina sua gastronomia... o agridoce que poderia fazer com a tristeza e a alegria.
E cortou o nosso espaço - meu e de meu parceiro, um preto velho sempre mascando um fumo, que me parece a coisa mais nojenta do mundo. Como se ruminasse gramíceas, sempre, sempre, os lábios mexendo, um bafo de algo meio podre. Um bom sujeito. Sempre aparecia por esse horário, com uma muda de roupas suja de graxa e umas histórias ótimas de seu tempo de mocidade, das atrocidades do exército. Ele também fora um lutador... olhos fundos... sério... amargo... às vezes ria e mostrava os dentes amarelos. Um bom contador de histórias. Sempre pedia um café bem forte, um copo americano de café e ficava comigo avaliando a vida que por ali passava.
Naquela manhã falávamos sobre o garoto, posto a nossa frente. Era mais alto e mais moreno do que há uns metros, era maior o galo perto da sobrancelha, era mais profundo o rasgo na barriga, era mais feio o ralado no joelho. Até aquele momento, fazíamos apostas do que acontecera. Para mim, fora briga por mulher. O Zé, tomando um outro gole gigante de sua bebida amarga, não concordava - para ele, tentativa de assalto. E discutímos até ele chegar, parar, por a mochila no chão e calar-se. Sem mais nenhuma aposta, esperávamos qualquer coisa que viesse dele. O rosto pesado, fechado. E os olhos - que logo reconheceram os do meu velho de guerra ruminando... ruminando.
- Tem água? - e a voz era uma mistura entre estridente e grossa, fingindo se impor sobre nós.
- Gelada, guri?
- Água quente não presta.
- Tá certo. Pega lá na geladeira. Um e cinquenta, a garrafa.
Tirou a carteira da mochila, deixou o dinheiro certinho sobre o balcão.
- Guri, responde uma coisa: tu apanhou? - e cuspiu o fumo.
O garoto parou um minuto, o passo desenhado nos pés pausado, respirou. E os olhos se petrificavam um pouco mais quanto maior a raiva da pergunta. Ele fora derrotado e, como vingança, deveria surrar-nos, deixar-nos no chão, contando os cacos que sobrariam inteiros... mas não poderia - era mais novo, era apenas um, com os olhos tentando camuflar inocência. Cheio de raiva por não conseguir ganhar de uma simples pergunta feita por velho - sentado num banco tosco numa loja de conveniência de um posto de gasolina pequeno. Um garoto de Copacabana não era nada perto daquelas palavras. Apanhara. Levara uma surra no seu ego gigante, estava com a alma para ser selada num envelope pequeno. Mal lhe restava algo. Fingiu que nada havia sido dito, abriu o refrigerador, pois uma garrafa no olho, pegou a mochila, abriu a porta e acenou com as costas da mão para nós, como uma despedida - fria. Deixava o nosso ringue. Aceitava a derrota como seu único prêmio da manhã e partia para o mundo, para o seu mundo real muito além daquele posto de gasolina. Mesmo depois de sair, olhou para trás uma última vez... sério... amargo... ferido. O olho direito, por detrás da garrafa translúcida, parecia mais fundo do que nunca, como se pudesse engolir seu rosto. Fundo como uma ferida na alma.
E foi-se embora.
E cortou o nosso espaço - meu e de meu parceiro, um preto velho sempre mascando um fumo, que me parece a coisa mais nojenta do mundo. Como se ruminasse gramíceas, sempre, sempre, os lábios mexendo, um bafo de algo meio podre. Um bom sujeito. Sempre aparecia por esse horário, com uma muda de roupas suja de graxa e umas histórias ótimas de seu tempo de mocidade, das atrocidades do exército. Ele também fora um lutador... olhos fundos... sério... amargo... às vezes ria e mostrava os dentes amarelos. Um bom contador de histórias. Sempre pedia um café bem forte, um copo americano de café e ficava comigo avaliando a vida que por ali passava.
Naquela manhã falávamos sobre o garoto, posto a nossa frente. Era mais alto e mais moreno do que há uns metros, era maior o galo perto da sobrancelha, era mais profundo o rasgo na barriga, era mais feio o ralado no joelho. Até aquele momento, fazíamos apostas do que acontecera. Para mim, fora briga por mulher. O Zé, tomando um outro gole gigante de sua bebida amarga, não concordava - para ele, tentativa de assalto. E discutímos até ele chegar, parar, por a mochila no chão e calar-se. Sem mais nenhuma aposta, esperávamos qualquer coisa que viesse dele. O rosto pesado, fechado. E os olhos - que logo reconheceram os do meu velho de guerra ruminando... ruminando.
- Tem água? - e a voz era uma mistura entre estridente e grossa, fingindo se impor sobre nós.
- Gelada, guri?
- Água quente não presta.
- Tá certo. Pega lá na geladeira. Um e cinquenta, a garrafa.
Tirou a carteira da mochila, deixou o dinheiro certinho sobre o balcão.
- Guri, responde uma coisa: tu apanhou? - e cuspiu o fumo.
O garoto parou um minuto, o passo desenhado nos pés pausado, respirou. E os olhos se petrificavam um pouco mais quanto maior a raiva da pergunta. Ele fora derrotado e, como vingança, deveria surrar-nos, deixar-nos no chão, contando os cacos que sobrariam inteiros... mas não poderia - era mais novo, era apenas um, com os olhos tentando camuflar inocência. Cheio de raiva por não conseguir ganhar de uma simples pergunta feita por velho - sentado num banco tosco numa loja de conveniência de um posto de gasolina pequeno. Um garoto de Copacabana não era nada perto daquelas palavras. Apanhara. Levara uma surra no seu ego gigante, estava com a alma para ser selada num envelope pequeno. Mal lhe restava algo. Fingiu que nada havia sido dito, abriu o refrigerador, pois uma garrafa no olho, pegou a mochila, abriu a porta e acenou com as costas da mão para nós, como uma despedida - fria. Deixava o nosso ringue. Aceitava a derrota como seu único prêmio da manhã e partia para o mundo, para o seu mundo real muito além daquele posto de gasolina. Mesmo depois de sair, olhou para trás uma última vez... sério... amargo... ferido. O olho direito, por detrás da garrafa translúcida, parecia mais fundo do que nunca, como se pudesse engolir seu rosto. Fundo como uma ferida na alma.
E foi-se embora.
4.1.10
pequenino.
sabes quando a vida é boa? sempre.
e digo aos outros que passarão:
vós sois passarinhos,
eu sou furacão.
e digo aos outros que passarão:
vós sois passarinhos,
eu sou furacão.
1.1.10
um dia atípico.
entrou um gato no meu quintal.
ele olhou, eu espirrei.
gostei dele.
(gostei de seus segredos
... azuis)
gostei do mar incerto dentro
de suas pérolas.
e ele me olhava inseguro.
e eu me deixando tragar
pelo infinito que trazia
tão quieto e frágil.
veio com a alma aberta,
na mansidão pequena
de filhote abandonado,
se recostar em mim.
veio brincar no meu pé.
e o pé se transformou
na mãe que perdera
e a mãe se transformou
num sonho eterno e
bailaram os dois
(pé e gato) ao infinito.
e eu olhava seus olhos
cada vez mais desvendados.
cada vez mais sinceros e
desacreditados que havia
amor longe da pelagem branca.
a língua lambendo o nariz,
o nariz resplandecendo ao sol,
os bigodes fingindo um sorriso
que preenchia nosso silêncio.
puis-lhe a mão. correu. espirrei.
miou. miou com medo.
a mão o separava da mãe.
a mão do homem,
que não sabe deixar os filhos se enovelarem
para sempre no colo quente das mães.
a mão o levaria embora de novo.
o poria numa caixa de sapatos
(... como eu fiz)
e o deixaria no mundo!
com outros gatos órfãos,
procurando abrigo nas folhas,
nas ruas, no concreto.
juntos e sempre sozinhos.
e o mundo seria seu enigma.
e o mundo seria sua guarda.
e o mundo seria sua mãe.
e os pés do mundo
(sempre descalços e firmes)
iriam ser o seu carinho.
e as mãos do mundo
(enormes e devastadoras),
o seu homem.
e a liberdade, uma
mistura sem doses certas
entre cheiro de ar puro,
saudade de apego,
e a sempre bela e insóbria
vontade de correr
a próxima légua...
sem o peso do carinho,
do apego, do desatino
do mundo, do homem.
com o coração puro
de quem procura onde
se enovelar de novo
apenas.
ele olhou, eu espirrei.
gostei dele.
(gostei de seus segredos
... azuis)
gostei do mar incerto dentro
de suas pérolas.
e ele me olhava inseguro.
e eu me deixando tragar
pelo infinito que trazia
tão quieto e frágil.
veio com a alma aberta,
na mansidão pequena
de filhote abandonado,
se recostar em mim.
veio brincar no meu pé.
e o pé se transformou
na mãe que perdera
e a mãe se transformou
num sonho eterno e
bailaram os dois
(pé e gato) ao infinito.
e eu olhava seus olhos
cada vez mais desvendados.
cada vez mais sinceros e
desacreditados que havia
amor longe da pelagem branca.
a língua lambendo o nariz,
o nariz resplandecendo ao sol,
os bigodes fingindo um sorriso
que preenchia nosso silêncio.
puis-lhe a mão. correu. espirrei.
miou. miou com medo.
a mão o separava da mãe.
a mão do homem,
que não sabe deixar os filhos se enovelarem
para sempre no colo quente das mães.
a mão o levaria embora de novo.
o poria numa caixa de sapatos
(... como eu fiz)
e o deixaria no mundo!
com outros gatos órfãos,
procurando abrigo nas folhas,
nas ruas, no concreto.
juntos e sempre sozinhos.
e o mundo seria seu enigma.
e o mundo seria sua guarda.
e o mundo seria sua mãe.
e os pés do mundo
(sempre descalços e firmes)
iriam ser o seu carinho.
e as mãos do mundo
(enormes e devastadoras),
o seu homem.
e a liberdade, uma
mistura sem doses certas
entre cheiro de ar puro,
saudade de apego,
e a sempre bela e insóbria
vontade de correr
a próxima légua...
sem o peso do carinho,
do apego, do desatino
do mundo, do homem.
com o coração puro
de quem procura onde
se enovelar de novo
apenas.