1.6.08

preguiça.

- Você está aí? - uma voz conhecida ecoa do lado de fora.
Queria não responder para continuar mergulhado em minhas cobertas, mas não tenho coragem de mentir e me resolvo vivo. Atravesso todo apartamento até deparar-me com a porta.
- Lucas, você está aí? - a voz berra impaciente.
Observo as ranhuras da porta e sua falta de tinta, lembro-me que nunca a pintei - nem ela, nem as paredes, nem o quarto, nem minha vida. Gosto das coisas meio estragadas, cheias de marcas do tempo como prova das histórias que passaram. Ergo uma sobrancelha ao focar a maçaneta cheia de pontos escuros ofuscando seu brilho dourado, faz tempo que não limpo nada nesse velho apartamento herdado.
- Abre a porta.
O novo grito explode dentro dos meus neurônios vagos e lentos: vejo as cores da porta se misturarem lentamente. Achei que iria desmaiar, porém foi somente um susto, uma falha desse meu cérebro congestionado de tantos pensamentos ilógicos.
Dou mais um passo rumo à porta e lembro que estou de pijama. Em outros momentos poderia receber um conhecido, mas estar com esse roupa me lembrou que faz três dias que não tomo banho. Me sinto sujo, talvez mais que isso, sinto um manto de passado em mim.
O chão está frio, caso queira saber, e os meus dedos gorduchos mal relam os pisos, receosos de fazer qualquer barulho que conflite com minha respiração pesada. Falando neles, percebo que um dos assoalhos está solto. Desvio, esbarro na parede e chuto o rodapé. Dói, mas não falo nada, mais por preguiça do que por rouquidão.
- Você não vai abrir?
Ainda recostado à parede, me movimento uma distância que julgo ser um passo. Paro. Fecho os olhos e mergulho num sonho que é meu - talvez não faça sentido para você, logo não irei contá-lo. Mas me alimento dessa ilusão. Antes que pudesse decidir girar a chave na fechadura, escuto passos se distanciando e percebo que a voz foi embora.
Sorrio, não por alegria, mas por força do hábito. Abro os olhos, vejo um bilhete que passou no vão da porta. Peço que se faça vivo e leia seu conteúdo, mas nem ele, nem eu o faço.
Minha barriga ronca, eu ronco e o sono me leva, numa dança quase ensaiada, até a cama. Receio acordar só amanhã de tarde.

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