1.12.07

sobre uma enxada.

Os olhos eram sofridos, cansados e pareciam pesar na face, o corpo estava arqueado e cavava insistentemente um buraco com uma enxada velha, as mãos calejadas pulsavam doloridas pelo esforço, uma esperança morria dentro dos pensamentos, uma alma ferida - quase morta - gemia de dor dentro do peito.
"Só mais um pouco" ele pensava entre uma enxadada e outra, mas não falava nada; a terra sangrava vermelho entre uma pancada e outra, mas não reclamava também. Ninguém dizia nada, mas o vento brincava de fazer barulho nos ouvidos do coitado cavador.
"Você precisa mesmo fazer isso?" a voz da consciência condenava-o e trazia a resposta logo em seguida: "Não, mas eu quero". Talvez seja isso, as pessoas têm que parar de querer o que não precisam. Ele precisava de muitas outras coisas, mas só essa ele queria de verdade.
Ninguém podia impedí-lo, ele não estava acompanhado de ninguém, naquele momento eram ele, a enxada, a terra, o vento e a amarga solidão.
O buraco ficou pronto e um pouco molhado pelo suor de seu criador: uma cova perfeita pro que seria posto nela: ele as despejou, aos poucos e com cuidado, até transbordar um pouco. Colocou uma densa camada de terra com humus e vestígios de grama por cima para cobrir.
Olhou um pouco arrependido para a obra-prima que tinha feito aos seus pés, mas estava feliz por ter terminado tudo. Certificou-se que ninguém havia espionado-o e foi embora.
Deu passos pequenos e decididos por aquele campo gramado, no qual estava enterrado um punhado de lembranças de um simples homem que não tinha nada além de sua enxada e umas fotos velhas de seus pais.
Era um novo começo pra quem sempre tentou achar o fim da vida.

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