20.12.07

sobre uma noite de Natal.

É noite de Natal e estou fugindo das reuniões familiares constrangedoras, pois não tenho paciência suficiente para fingir - por muito tempo - que eu gosto da convivência familiar. É costume: eu sempre brigo com pelo menos um dos meus parentes - geralmente com ELA por ser a mais falsa - e acabo ficando com a fama do "chato e estraga-festa da família". Por isso, esse ano não vou aparecer as festividades, não quero. Cansei de comer o mesmo Peru com nozes da minha vó e o bolo trufado da minha tia - que, por sinal, não são tão bons quanto dizem por aí.
A estrada São Paulo-Campinas está vazia e eu não gosto dessa sensação de solidão. Ligo o rádio e deixo que a progamação da CBN inunde minha alma fria - como a noite que se faz lá fora. Estou com fome, mas não trouxe nada para comer, além de uns pedaços de papel que encontrei por aí - sim, eu tenho o péssimo vício de comer papel e tampa de caneta.
Procuro algum lugar aberto onde haja café forte e pão-de-queijo, mas os postos para caminhoneiros estão fechados e os poucos restaurantes beira-de-estrada, desertos. Minha barriga ronca, eu vejo a placa indicando Campinas, sigo as indicações.
Viro a esquerda numa bifurcação.
Sinto o cheiro diferente de asfalto molhado e percebo que chovia até pouco tempo nesse trecho da estrada, tento olhar para o céu, porém não há nenhuma estrela e uma grande nuvem cinza cobre a lua - que hoje, deveria ser cheia.
Eu estou cheio. Engulo um pedaço de nota fiscal que estava mastigando, percebo um gosto de fome na boca. Volto a prestar atenção ao que o locutor da rádio está falando:
- Pessoas que passam o Natal sozinhas têm mais tendência à cometerem suicídio.
Rio alto da ironia da minha vida.
Eu estava sozinho naquele momento e nem por isso queria me matar.
- Estar sozinho não é tão ruim, babaca - grito.
Desligo com raiva o rádio.
Silêncio e meu coração batendo acelerado. Avisto uma placa luminosa, finalmente achei um restaurante aberto! Paro no estacionamento, desço do carro - a comida estava servida, mas não tinha uma alma-viva para comê-la. Eu entro no estabelecimento e, gentilmente, a garçonete vem me atender. Gosto do sorriso dela - é verdadeiro. Perco a fome. Uma felicidade inesperada toma conta de mim - finalmente, alguém estava feliz - de verdade - pela minha presença de última hora.
Eu sou o herói da noite dela.
Ela será a minha heroína de todos os Natais seguintes.

Nenhum comentário: