22.5.08

narrador, eu juro.

A noite entra pela janela impregnando todo o quarto. O vulto com aspecto de gente sentado à mesa, massacra palavras em folhas de papel, mas seus braços parecem não se cansarem de escrever frases e mais frases. De perto, iluminado pelo abajur, a sombra toma forma de uma mulher bonita, com olhos úmidos e corpo trêmulo. Gostaria de não ser narrador para poder abraçá-la, esperançoso de espantar essa carapaça de medos e incertezas que cobrem-na.

Conheci essa personagem outro dia, passando pela mesma casa, quando a escutei gritando com um homem, minutos antes dele ir embora com uma mala grande, cheia de roupas e ilusões. Passei por lá todo o resto da semana, porém ele não havia voltado - doeu algo aqui dentro ao pensar que, talvez, o mesmo nunca mais pusesse os pés naquela casa.
Hoje, um mês depois do ocorrido, senti (e narradores têm presentimentos mesmo) que algo de errado iria acontecer naquele lugar. Corri, medroso daquele misto de sentimentos que batiam no meu peito, desejei chegar antes que ela tomasse qualquer atitude impensada. Se aquela história era escrita por mim, poderia mudar seu roteiro quantas vezes fosse necessária.
Cansado, cheguei a tempo de vê-la sentar à escrivaninha, sua pele clara estava rosada por causa do frio e esquentáva-se com casacos e amores não esquecidos. Retirou da gaveta uma caneta, papel, ânimo e esperanças, todavia nada a afagava, não como o abraço perdido de amantes velhos. À meia-luz, seus olhos azuis, cheios de lágrimas presas, brilhavam como duas safiras polidas.
Antes de começar, sussurou um juramento quase esquecido: "Eu juro pelo meu coração apaixonado que toda lembrança sua me fará bem, que todos os nossos momentos viverão eternamente, que nos meus lábios só haverá lugar para o seu nome, que farei dos seus gostos os meus, que nada poderá tirar o seu sorriso da minha mente e os seus olhos dos meus, eu juro pelo nosso passado lindo e pelo futuro que desenharemos juntos".
Então, começou a escrever versos e versos desesperados e com caligrafia ilegível. Ora gostava e continuava, ora jogava tudo no lixo para preencher outras folhas virgens. Por fim, sangrou sentimentos em doze folhas. Levou as mãos aos cabelos, esses que escorriam no meio dos dedos como areia seca. Abriu uma outra gaveta.
Desculpa, mas aqui eu precisei intervir. Troquei o frasco que lá estava por um envelope, no qual ela depositou aquele longo poema recém-escrito. Fiz que endereçasse-o para o ex-marido que, com saudade e peso na consciência, estava à porta da casa, sem dinheiro, mas com flores. Não era o melhor amante que existia, porém o amor fazia dos dois o par imperfeito mais perfeito que já existiu. Ela o aceitou de volta, jogou o poema de despedida na lixeira e juntos recitaram, em todas as manhãs de suas vidas, aquele velho juramento quase esquecido.

Chegamos ao fim. Sem-graça? Talvez. Vá lá, deixo que boceje com essa narrativa romântica e desafinada. Todavia, entenda que fiz os ajustes necessários para não haver suicídios em nome do amor. Odeio matar personagens no fim da história.

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