31.10.07

sobre um causo popular.

Terezinha do Norte é conhecida pelas suas lindas praias e seu folclore popular passado de geração em geração. Assim como todo ano, no dia 31 de Outubro, quase toda a cidade se reúne na praça municipal a fim de trocarem histórias folclóricas desde as mais antigas até aquelas que as pessoas que vivenciaram estavam vivas para contar.
O relógio da catedral badalou 12 vezes, indicando que estava na hora de começar a reunião. Cada um pegou seu banquinho e se acomodou a fim de ouvir as mais estranhas histórias da cidade. O orador da noite era Emanuel, um jovem estudioso que foi fazer faculdade de História na capital e estava vindo para a comemoração. O problema era que ele estava atrasado e este tipo de atitude era quase uma afronta para os espectadores.
- Onde ele se meteu? - perguntou o prefeito da cidade para a mãe do desaparecido.
- Ele está vindo da capital. Deve ter pego trânsito.
- Trânsito para chegar nessas bandas que ninguém visita? Duvido.
Do outro lado da cidade, entre a estrada e a placa de boas vindas de Terezinha, Emanuel se perguntava por que o combustível do carro havia acabado repentinamente. "Droga, mas eu reabasteci o carro antes da viagem! Não é possível", os olhos negros e cansados do viajante, se encheram de desespero por um instante ao perceber que ele estava sem carro, atrasado e sem ninguém para ajudá-lo.
Olhou desesperadamente em volta, mas todas as casas estavam apagadas, todos haviam ido para a comemoração. Apenas uma casa estava iluminada, o conservatório municipal, que não era um prédio desses de filme americano, e sim uma casa tombada de paredes ladrilhadas, já deteriorados e quebrados pelo tempo; grandes janelas em um tom fosco de poeira; um portão baixo para impedir a passagem de cães e gatos; uma música tocada ao fundo deixava a casa com um ar mais sombrio que o normal. Ele pressentiu que ali conseguiria ajuda, chegou bem perto da grade e bateu palmas várias vezes, mas ninguém atendeu. Os acordes do piano continuavam, ele decidiu entrar. Ao chegar perto do piano, encontrou uma senhora que há algum tempo marcou sua humilde adolescência: Era Gertrudes, a professora de piano da escola Santa Cecília.
- Professora, quanto tempo!
As mãos da velha senhora pararam repentinamente, ela se virou e com olhos profundos e amedrontantes o encarou.
- Emanuel! Que saudade! - um sorriso e um tom de alegria se esboçaram no rosto cheio de rugas da velha - Mas que surpresa, o que faz por aqui?
- Eu fui convidado para ser o mediador do festival de lendas e folclore que acontece hoje.
- Sei sei, Já são quase 1:00 da manhã, você está atrasado.
- Eu sei, mas meu carro me deixou na mão, não tenho como chegar lá.
- Lembra daquele meu velho fusca?
- Como esquecer o "trambolho-branco"!
Os dois deram risadas.
- Então, está lá fora. Eu já estava indo embora, quer uma carona?
- Seria pedir demais.
- Eu insisto, venha comigo.
Saíram rumo à escuridão da noite pouco iluminada pelos postes, o fusca estava do outro lado da rua, limpo e alvo como um fantasma de quatro rodas.
Foram, calados, até o cruzamento da rua Carminha do Valle com a rua Eurico Neves - dois quarteirões para cima chegava-se na praça, alguns para baixo, na casa da gentil senhora.
- Posso te deixar aqui?
- Pode, mas você não vai para a festa?
- Não, você sabe que nunca fui chegada à festas.
- É, você nunca gostou dessas manifestações em massa.
Outros risos.
- Poderia até te acompanhar, mas estou de preto.
- Luto?
- Quem sabe...
- Meus pêsames. Bom, preciso ir andando. Muito obrigado, Gertrudes. Até outro dia.
O pequeno automóvel foi desaparecendo aos poucos na penumbra da noite. Correndo, Emanuel conseguiu chegar na reunião da cidade antes das duas da manhã. O secretário da Cultura abriu a festividade, para que ela não se atrasasse muito. O jovem historiador esperou o causo que era contado se acabar, para subir no palanque e se desculpar.
- Oi, eu sou o Emanuel. Sim, eu sei que deveria ter aberto esta reunião, mas na entrada da cidade eu acabei tendo um pequeno problema com o carro: acabou a gasolina. Sem esperanças de chegar aqui a tempo, vi a luz do conservatório ligada, graças a Deus havia alguém ali, a qual me trouxe até aqui de carona: Dona Gertrudes.
Os olhos dos expectadores se arregalaram e um tom de espantou tomou conta da praça:
- Mas ela morreu há dois meses!

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